Quando eu era criança e recebia um convite para alguma festa, meus pais nunca me proibiam de sair. Só
precisavam saber antes de quem era a festa, onde ela aconteceria, que horas
iria começar e até que horas poderia durar, quem iria me dar carona para ir e
voltar, e se a mãe ou pai do colega que iria me dar carona tinha algum telefone
além do fixo para que pudessem ligar caso precisassem... É a superproteção
básica de qualquer pai ou mãe sobre seu filho único. E é algo que
invariavelmente tendem a passar para ele com o passar dos anos. Além das
preocupações familiarmente justificáveis e de um certo senso de
responsabilidade sobre minhas ações quando não estivesse sob a supervisão de
adultos, também herdei uma demasiada necessidade de manter sempre o controle da
situação. Saiba onde ficam as saídas mais próximas em caso de emergência,
carregue sempre um pouco de dinheiro a mais para bancar imprevistos, e nunca se
esqueça de que suas ações sempre resultarão em consequências. Se puder arcar
com elas, faça o que quiser. Se não, reserve-se. Ninguém nunca se feriu por
resguardar-se, mas sempre haverá danos colaterais para quem atravessa a vida
sem qualquer estratégia em mente.
Há quem diga que isto não seja realmente
viver. Porque viver envolve riscos, atitudes impensadas, uma imprudência ocasional
aqui e ali e, por que não?, um pouco de caos para dar graça aos dias fatigantes
de rotina. E em parte eu concordo com isso, mas nunca consegui deixar de ser
quem sou diante das tais oportunidades que surgem em meu caminho. Não é a toa
que atribuo funcionalidade ao meu próprio caos, ou uma fonte e espaçamento padrões
para escrever as crônicas que compartilho aqui. A fatalidade do ser metódico
está em eventualmente limitar-se aos seus próprios meios. A vantagem é a
segurança inata ao controle que se mantém.
E quanto mais pensei sobre isso, mais me dei
conta do quanto tudo em minha vida parece ser medido, calculado, planejado e
executado conforme os mínimos detalhes. Desde a hora de levantar, de comer, de
fazer as tarefas que preciso, até a hora de conversar – e de selecionar bem o
que deve ou não ser dito. Ou até mesmo a hora de beber – e de analisar se é
possível beber mais do que socialmente e ainda assim conseguir chegar em casa
são e salvo. Irremediavelmente me tornei um refém dos meus próprios costumes. O
que me faz feliz é sentir-me seguro. Mas se está tudo aparentemente sob
controle, por que ainda me sinto tão inseguro?
Na verdade eu sei por quê. E tem a ver com
aquela música.
***
Assim como organizo tudo à minha volta, o
mesmo reflete em minhas listas de reprodução do iTunes. Ao selecionar música
por música, e ao separá-las por gênero ou por coletânea em particular, eu
sempre sei qual é a próxima canção que irá tocar mesmo sem a atual ter atingido
seu acorde final. De novo, tudo faz parte da confortável previsibilidade com a
qual eu aprendi a viver. Mas ultimamente uma mesma música tem sido repetida em
minhas listas. A mesma que tenho repetido em meus pensamentos quando estou
afastado de qualquer aparelho de som.
E quando percebi o quanto estava repetindo a
mesma música inúmeras vezes, imediatamente me coloquei em busca de novos
downloads para arejar minhas trilhas sonoras. O problema foi quando percebi que
não importava se estava repetindo aquela mesma música ou não. Porque todas as
outras que vieram depois dela, assim como todas as outras mais antigas que
procurei escutar para evitá-la, falavam da mesma coisa. Eram canções de amor.
Para quem gosta de manter o controle das
coisas, nada é mais aterrorizante do que sentir que está se apaixonando. Porque
o amor não conhece limites, regras ou, muito menos, vigilância. O amor
simplesmente acontece. E quando acontece, também toma conta de tudo ao seu
redor. É quando coisas comuns do cotidiano passam a te lembrar do rosto dela.
Ou a pensar no que ela mesma pensaria se visse tal coisa pela qual você passou
– na rua que sempre toma a caminho de casa e que nunca te remeteu nenhuma
reflexão antes.
Não importa mais o que eu diga ou o que faça,
eu vejo seu rosto aparecendo diante de mim. Como uma música inesperada que só
nós conseguimos ouvir...
***
Eu não gosto de perder o controle. É por isso
que também não consigo abrir mão dele, até mesmo quando não é necessário manter
uma guarda sobre o mundo ao meu redor. Apesar de tudo indicar que estou seguro,
continuo atento às saídas de emergência e durmo com um olho aberto. Não gosto
de ser pego de surpresa por nada nem ninguém. E é por isso que aquela música me
incomodou tanto. Ela e a mensagem que estava tentando me passar. E por isso
levou tanto tempo para que eu me sentasse diante de uma página do Word com uma
taça de vinho em mãos. Porque não há nada melhor do que uma dose qualquer de
álcool para ajudar a relaxar e a ouvir algo que temos receio de ouvir. Meu medo
é de que talvez pudesse estar me apaixonando de novo. E não havia mais nada que
eu pudesse fazer se isso fosse verdade.
O mais próximo que poderia chegar de obter
algum controle sobre isso talvez seria ao aprender a letra da música...