segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O outro lado desta vida


“É isso que eu quero pra mim hoje: mudança. Possibilidades. Desvios e retornos, ou qualquer direção para qual esta cidade me leve. Porque certo tempo atrás, entre outras ruas e outros centros, eu aprendi que crescer e amadurecer não são estágios finitos na vida; eles continuam até o fim das nossas jornadas. Porque nunca saberemos “tudo” o que há para ser aprendido, e não há “nada” a perder com cada experiência que colecionamos ao longo do caminho. Pra ser sincero eu não sei se isso vai dar certo, mas pelo menos eu acredito que em se tratando de possibilidades, eu pelo menos devo estar no lugar certo.”

Dia desses eu estava andando pela rua à caminho de uma das quinze definições de “centro” que Foz do Iguaçu possui quando dois turistas chilenos me pararam para  perguntar como podiam chegar até o terminal. Talvez fosse apenas coincidência o fato de que estávamos exatamente na rua que leva à entrada do terminal, mas é de mim que estamos falando aqui e não existem coincidências; apenas sinais a serem interpretados. E depois de um leve constrangimento ao andar mais alguns quarteirões na mesma direção, os chilenos seguiram seu rumo enquanto eu parei para contemplar o que aquilo realmente significava. Afinal de contas, quem sou eu para dar instruções de qual direção seguir para alguém? Especialmente por essas terras em que, cinco meses atrás, eu não fazia idéia de que não precisava andar até outros centros para encontrar um chaveiro, uma farmácia ou um posto de gasolina para comprar cerveja porque havia tudo isso e muito mais só no raio de um quilômetro da minha casa. Enfim, são coisas que a gente só aprende quando se está em um mesmo percurso há algum tempo. E é algo que eu sinceramente não via a hora para que acontecesse comigo aqui.

Agora quando recebemos uma visita aqui em casa, é natural sugerir opções de passeios para conhecer um pouco de todo o leque de possibilidades turísticas que Foz do Iguaçu tem para oferecer. E por mais marcos históricos e passeios que existam por aqui, como o marco das três fronteiras, o parque das aves ou o templo budista – isso sem cruzar nenhuma “aduana” ainda – tudo já me parece surpreendentemente familiar. Mas é sempre bom estar por perto para ver as primeiras impressões de quem os visita pela primeira vez, porque me lembra do quão impressionado eu mesmo fiquei quando cheguei aqui. Impressionado e ridiculamente perdido. Cercado por um vai-e-vem constante de pessoas do mundo inteiro que vem para visitar e conhecer um pouco do que recentemente tornou-se a “capital do turismo do Paraná”, era reconfortante saber que eu não era o único a se sentir desorientado.

E depois do que provavelmente será lembrado como um ano estranho e disforme, é bom saber que aquele começo tão incômodo e desconcertante já correu seu curso. A cidade já não parece tão grande e desconhecida, embora ainda tenha muito o que explorar pela frente. Todas aquelas possibilidades que imaginei quando cheguei aqui ainda estão adiante no caminho, entre tantos outros que a cidade possui até os que levam para os países vizinhos. Vale lembrar que até a moça que sempre me atende naquele mercadinho Argentino já me conhece o bastante para me apontar onde estão as novas garrafas de Pinot Noir que chegaram na loja. Para quem chegou aqui sem saber exatamente aonde estava ou para onde queria ir, é bom saber que já vivi o suficiente para ser reconhecido em alguns lugares e para orientar como chegar a outros. E estou só começando.

Nós ficaremos bem, Foz do Iguaçu. O outro lado desta vida nunca pareceu tão certo.

Feliz ano novo!

domingo, 20 de dezembro de 2015

Ontem


Eu vou achar um caminho, e eu vou ficar bem. Esta é uma promessa da qual eu não abro mão.”

Era tudo o que eu queria para 2015. Um ano que estava só começando, mas já tão cheio de portas que se fecharam e ciclos que se encerraram, que ficou difícil se orientar para descobrir aonde ir em seguida. Um emprego se foi, uma faculdade terminou, e ainda estávamos só em Fevereiro. E não havia nada que eu conseguisse fazer a não ser sentir-me perdido em todos os aspectos possíveis. Na verdade eu não queria um caminho; eu precisava de um. Quando o mundo que você tinha como base deixa de existir, para onde você vai?

Por outro lado eu nunca realmente deixei de acreditar que dias melhores viriam. Até porque, se ainda resta alguma esperança no fim de um dia ruim, é natural que a gente persista para ver o que mais há por vir. E seguir em frente, apesar dos pesares, é tudo o que qualquer um de nós pode fazer. Voltar atrás é impossível. A outra opção é desistir.

Agora, existe uma diferença entre admitir derrota e o fim natural das coisas. E entre uma coisa e outra existe a aceitação. Desistir implica em falta de dedicação, fraqueza e orgulho ferido. Mas quando um ciclo chega mesmo ao fim, é preciso aceitá-lo e sair em busca de algo novo. O problema era que aceitar o fim das coisas nunca foi o meu forte. E a minha crença no amanhã – depois anos escrevendo sobre nunca deixar de acreditar, dias melhores e esperança em tempos difíceis – acabou se misturando com um conceito bem mais abstrato do que qualquer outro: o infinito.

Nada dura para sempre. O mundo gira, a vida muda e nós crescemos. A qualidade das mudanças em si são variáveis, mas é inevitável que a gente transite de um status quo para o outro a medida em que as nossas escolhas traçam nosso rumo. E durante seis anos e seiscentos e quinze postagens, meu status quo baseava-se em um pequeno blog chamado “Você vai adorar o amanhã”. Foi a maneira que encontrei para me adaptar a um novo estágio da minha vida em que fiz questão que tudo fosse mesmo novo: a cidade, as companhias e as experiências que eu pudesse vivenciar através delas. E com o tempo vieram amigos, empregos, matérias fáceis e relatórios complexos durante o curso da minha primeira faculdade, primeiras descobertas, segundas intenções, laços desfeitos, amores temporários e muitos, mas muitos textos inspirados em tudo isso. E o que começou como um simples passatempo pessoal cresceu ao ponto de englobar tantos marcos históricos e homenagens para tantas outras pessoas, que me fez perceber que era exatamente isto o que eu queria fazer da minha vida como um todo: escrever sobre as pessoas, relacionamentos, problemas cotidianos e globais, e o quanto o mundo ao nosso redor nos afeta mais do que conseguimos perceber às vezes. Nas pequenas coisas do dia a dia existem traços da nossa personalidade, metáforas a serem exploradas e refletidas e, vez por outra, uma fração do nosso reflexo no universo que passa batido por nós em um dia atarefado ou uma semana corrida. E a cada homenagem escrita, cada metáfora explorada, cada desabafo infame, eu fui feliz.

Tão feliz, inclusive, que certo dia eu entendi que aquela pequena página virtual não era apenas um diário de bordo para crônicas e outros rascunhos. Era o caminho que me levou a finalmente descobrir, ironicamente, o caminho que eu queria seguir pelo resto da minha vida. E quando eu entendi o motivo daquela página ter sido criada e ter perdurado por anos, eu tomei uma decisão que a levou ao inevitável fim do seu próprio ciclo: eu segui em frente mais uma vez.

Eu sinto falta daquela página e da liberdade que criei a cada vez que escrevia nela. Às vezes sobre mim mesmo, às vezes sobre outras pessoas que me inspiravam de alguma maneira ou que eu gostaria de deixar registrado ali o quanto fora importante a sua participação na minha história. Já se passaram seis meses desde que eu optei por encerrar as suas atividades para escrever em outro blog, e fiz isso unicamente para fazer jus à essência àquele “amanhã” sobre o qual escrevi por anos. Quando se segue em frente, é preciso mesmo manter o olhar adiante e construir novas possibilidades para você mesmo. E a saudade é meio pelo qual tudo o que você vivenciou e sente falta, permanece viva.

Ainda tenho grandes planos para homenagear o que aquela página fez por mim, que indiretamente também servirá para todos que também fizeram parte dela. Mas por enquanto só o que eu queria dizer mesmo é tirar um momento, antes que esse ano termine, para reconhecer que aquele “amanhã” nada tem a ver com o “infinito”. Era sobre esperança, e foi o que me trouxe até aqui.

E que continue registrado: eu adorei.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Os arrependimentos certos


Chegou a época do ano de promessas, resoluções e outros band-aids que inventamos para justificar nossas desventuras durante os últimos meses. Sabe né? Algo que não acontece desde a última vez em que paramos nesta parte do ciclo. E não é com alguma inspiração súbita sobre fazer do próximo ano o melhor da minha vida que eu pretendo deixar 2015 porque, convenhamos, você e eu sabemos que a expressão “margem de erro” não foi criada a toa. Sempre haverá uma parcela de desenganos sob as quais todos nós estamos fadados a repetir, desde as hesitações para atravessar uma rua pensando que “ah, dá tempo!” (até descobrir que não, não dava), até jurar que levará a sério aquele projeto verão que teve que ser engavetado devido às normativas secundárias que entraram em vigor junto com o novo rito do impeachment.

E são graças a esses pequenos desvios padrões que todos nós temos na nossa curva em direção à tão sonhada maturidade que nos permitimos um pouco de ilusão de ótica, misturando frisante e esperança ao som dos rojões à meia-noite para que quando chegar a manhã seguinte – que é realmente quando consideramos que um novo ano começou. Pois enquanto a festa de réveillon continuar, ainda vale tudo. Regeneração é todo um processo que deve ser celebrado até quando a meta é diminuir nas doses, entende?

Quanto a mim, meu objetivo é claro: haverá mudanças, bem como sempre há em qualquer dia de um novo ano que começou. Mas em vês de focar em colocá-las em prática imediatamente – o que pode ser complicado, considerando que o almoço do dia primeiro tende a ser uma continuação das frivolidades da festa de réveillon, e a verdadeira ressaca do ano que mal terminou, mas ainda está entre nós cobrando seus revés – eu optei por um procedimento mais simples: o da eliminatória. Se haverão erros pela frente, de que adianta jurar que nenhum deles absolutamente não acontecerá até acontecerem? O segredo está em juntar o máximo de maturidade possível e decidir de uma vez por todas quais erros você quer mesmo deixar para trás.

Tudo o que eu quero para o ano que está por vir é uma consciência tranqüila que me guie por doze meses sem me perder pelo caminho para que, no mínimo, eu chegue até a próxima festa de réveillon com os arrependimentos certos. E o melhor jeito de fazer isto é deixando para trás a maior bagagem que ainda arrasto comigo: o peso de relacionamentos passados que terminaram mal, tornaram-se incógnitas ou sequer começaram.

Talvez a melhor maneira de tornar-se uma nova pessoa neste novo ano, como tantas propagandas de panetone e lojas de departamentos esperam de nós desde que as mantenhamos por perto, seja finalmente deixando as pessoas erradas para trás. E acho que se eu for capaz disto, é possível que emagreça o suficiente para me motivar a continuar me exercitando depois que o cheiro de ano novo dissipe durante a segunda quinzena de Janeiro.


Um brinde!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Os clichês

Acho que nós, como espécie, já não temos muito o que criar em termos de relacionamentos. Pode parecer pessimista mas na verdade é só uma pequena afirmação em prol da minha própria paz de espírito para que, ao menos daqui em diante, algumas comodidades não pareçam tão alarmantes quanto antes. Porque mais cedo ou mais tarde toda relação cede aos clichês. Desde o cara que manda flores para surpreender a amada, até a namorada que passa no sex shop antes de chegar em casa para preparar uma noite mais apimentada. E não há nada de errado com isso, por mais que todos nos aspiremos pela originalidade. Mas depois de séculos de primeiros encontros, discussões, reconciliações, dentre outras modalidades da vida à dois, é de se esperar que alguns padrões venham à tona.

***

Algum tempo atrás uma amiga comentou comigo suas considerações a respeito de um artigo que havia lido sobre a “geração Y” e sua infelicidade orgânica como resultado direto de todos terem sido criados com a noção de que são “únicos” e “especiais”. Falava muito sobre como o descontentamento da juventude estava enraizado na noção de que todos se consideravam dotados de habilidades que ultrapassavam a curva da normalidade de maneira exorbitante – e que, exatamente por isto, era trágico viver em uma realidade que não os recebera do modo como esperavam que mereciam diante da sua raridade. Também não me lembro ao certo, mas tenho quase certeza de que havia vinho durante esta conversa.

- Todo mundo se acha especial e então se frustra quando a vida não os reconhece.
- Isso quer dizer que ninguém é especial?
- Não, só significa que as pessoas precisam saber enxergar as suas próprias limitações em um contexto maior do que seu próprio umbigo.
- Uau! Impressionante. Me lembre de anotar a marca desse vinho.
- Estou falando sério, Igor. Vivemos em um tempo onde os jovens entram no mercado de trabalho achando que se tornarão profissionais instantâneos! E são os mesmos jovens que acreditam que ninguém ao seu redor sirva como parceiro pois são inferiores às suas próprias qualidades. É uma geração fadada ao fracasso exatamente por se achar predestinada ao sucesso!
- Fascinante... Ei, sirva outra taça para mim.
- Ok. Então, como eu dizia... Ah, relacionamentos! Esses jovens são cada vez mais exigentes sobre o que procuram e o modo como seu parceiro deve ser. E até quando encontram alguém, o descartam por algum motivo besta que só serve para reafirmar sua suposta superioridade.
- Jovens como nós? Solteiros à mercê de ciência e vinho nesse exato momento para nos sentirmos melhor sobre estarmos sozinhos?
- Não dá pra conversar com você, Igor.
- Desculpe... Mais vinho?
- Claro.

***

Quanto mais eu penso sobre relacionamentos, mais eu me recordo sobre todos os clichês que já vivenciei. Daqueles que parecem existir só nos filmes ou nos livros de romance sobre os quais fazem esses filmes, que parecem tão ridículos e óbvios até você perceber o quanto não passavam de mensagens subliminares que se traduzem nas maneiras que você procura para não deixar o seu namoro cair na rotina – através de outras rotinas que são passadas de geração para geração.

O importante talvez não seja recriminar os clichês pela falta de originalidade ou do elemento surpresa, mas reconhecer o quanto ainda são eficazes em sua função. Algumas mulheres ainda se empolgam por receber um buque de flores do mesmo modo que a maioria dos homens responde da maneira esperada diante daquela lingerie debaixo dos lençóis. E por fim sempre haverá o clichê que se repete em todos os relacionamentos: o momento em que ele ou ela decidem dizer “eu te amo”. Agora, se é uma expressão desgastada ou não, só depende de quem diz.

Clichês só não funcionam quando não há sentimento. Caso contrário, serão sempre bem vindos.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A lenda do amor correspondido

Se você desconsiderar os efeitos especiais, os dinossauros que inexplicavelmente também viviam na ilha da caveira e a melancolia da Naomi Watts, o filme “King Kong” se trata mesmo de uma comédia romântica. Isto é, até o seu final triste. Enquanto assistia pela enésima vez em um dia desses de ócio criativo e descaso gastronômico – dois fatores que parecem sempre me levar ao sofá para uma sessão reprise com direito a pipoca com muito sal e uma garrafa de refrigerante ao seu dispor sem o peso das calorias na sua consciência – eu me senti particularmente inspirado desta vez quanto mais via a Naomi Watts indecisa sobre ficar com o Kong naquela ilha ou fugir com o outro cara que foi salvá-la. É um triângulo amoroso clássico, mas só funciona se você enxergar o Kong pelo que ele sente, não pelas pegadas gigantes que ele deixa pela floresta. E me fez pensar também sobre o fator crucial que deve existir em qualquer relacionamento para que este seja bem sucedido ou não: a reciprocidade.

Durante minhas desventuras amorosas sempre confiei nos meus amigos para servirem de bússolas para que eu não me perdesse na minha própria insensatez. Mesmo sabendo quando concordariam comigo ou não, era bom ao menos dizer as palavras em voz alta quando me encontrava em mais uma encruzilhada amorosa e era preciso engolir o orgulho para parar e pedir por uma direção. E uma amiga em particular sempre foi precisa em suas considerações perante os meus entreveros:

- Toda relação tem alguém que gosta um pouco mais do que o outro, Igor. Partindo disso fica fácil saber se estamos nos perdendo demais ou doando menos. O que “gosta mais” tem iniciativa, planos, idéias, puxa assunto, cria cenários... O que “gosta menos” aceita tudo isso numa boa, mas a sua reciprocidade tem um limite que aos poucos vai testando o que “gosta mais” até que.. Bom. Até que a gente sente aqui para beber e teorizar sobre relacionamentos.

Não sei dizer se existe mesmo equilíbrio em relacionamentos ou se reciprocidade é um fenômeno ocasional que envolve empenho de ambas as partes somente quando os dois sairão ganhando algo que não seja necessariamente um orgasmo. De qualquer forma, eu entendo o quanto “gostar mais” e procurar alcançar alguém que não nos encontra em um meio termo pode ser frustrante, assim como entendo como “gostar menos” pode ser uma posição confortavelmente entorpecente, mas ao custo da nossa consciência de manter alguém por perto que nos encha de amor sem pedir muito em troca. São situações igualmente desajustadas pelas quais eu e alguns dos meus amigos já passaram, enquanto o equilíbrio puro permanece distante como um fenômeno raro da natureza que pode ser visto por um piscar de olhos antes de se perder em expectativas infames.

O problema com King Kong é que ele não tinha amigos para conversar enquanto a Naomi Watts não se decidia sobre lhe dar uma chance ou embarcar de volta para Nova York, embora todos aqueles insetos gigantes também não ajudassem ninguém a tomar uma decisão racional. Quanto a mim, decisões racionais nunca foram o meu forte, independente de qualquer ecossistema. Eu gosto de pensar que considero as conseqüências a longo prazo de tudo o que decido fazer por mim, mas é só quando me encontro sofrendo-as que realmente considero se aquilo valeu a pena. Em parte é assim que me sinto hoje pelos arredores de Foz do Iguaçu – atualmente servindo como a minha versão particular da ilha da caveira, completa com todos os insetos possíveis e imagináveis que invadem o meu quarto ao menor sinal de uma luz acesa.

Felizmente hoje não existe nenhum conflito amoroso perturbando o meu sono. Este mérito vai para causas naturais como a minha rinite ou os barulhos dos carros lá fora que encaram o quebra-molas da minha rua como um obstáculo a ser ultrapassado em velocidade máxima. Mas entre filmes repetidos e relacionamentos desequilibrados, tem sido bom dedicar mais tempo para minhas teorias infames do que criar expectativas surreais sobre coisas e pessoas que estão além do meu alcance. O que me leva a concluir que 1) talvez eu precise ser o que “gosta mais” em um relacionamento, caso a possibilidade do equilíbrio realmente não exista, embora 2) Kong, obviamente o que “gosta mais” naquela relação, definitivamente merecia alguém que lhe desse mais valor.

Enfim, relacionamentos são complicados.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Os treze segundos


Foi só o que precisou para que o José Aldo fosse nocauteado pelo Conor McGregor no primeiro round do evento principal de uma edição do UFC que foi tão, mas tão comentada que até eu cheguei a ficar sabendo. Claro que para mim não importam os nomes dos lutadores ou o título que estava em jogo. Tudo o que foi preciso para chamar a minha atenção sobre isto foi o mesmo que o Zé provavelmente ficará repassando em suas memórias pelos próximos anos (depois que o efeito dos seus medicamentos cessarem e seu rosto passar a ter o formato de um rosto de novo): os treze segundos que o levaram da gloria à ruína. E você provavelmente nunca ouvirá falar sobre este texto, Zé, e isto não servirá de consolo para você ou seus patrocinadores, mas eu te entendo, cara.

Campeão invicto por dez anos consecutivos até que os treze segundos mais dolorosos, profissionalmente e literalmente, botaram a perder aquilo que qualquer um de nós secretamente preza mais do que qualquer outra coisa: a sensação de invencibilidade. Algo que existe até em perdedores mais freqüentes, como eu, que posso contar nos dedos de uma mão só as vezes em que ganhei no Banco Imobiliário e que nunca vi uma partida de War se desenvolver até seu fim natural. Até onde me lembro, sempre terminava com a mãe de um dos meus primos os chamando para ir embora, ou com um de nós virando o tabuleiro em um rompante de raiva porque seus esforços para defender a Groelândia foram em vão para o lance de dados do adversário.

 Pode parecer pequeno, mas são esses os exemplos que temos logo cedo na vida que servirão de base para mais tarde, quando nos tornarmos cidadãos aparentemente conscientes e maduros sobre nossas próprias atitudes que, para todos os efeitos, entendem com clareza e espírito esportivo como lidar com suas eventuais vitórias e derrotas. E talvez essas mesmas crianças que não sabiam lidar com seus sentimentos de frustração e perda são as mesmas que crescem para tornarem-se lutadores de MMA: ganhando ou perdendo, você tem a liberdade contratual e o apoio da platéia para socar o seu adversário.

Eu fui do tipo de criança que se revoltava sim, mas não ao ponto de bagunçar as peças do tabuleiro ou de desistir da partida. Mesmo quando a derrota era inevitável, sempre levei meus compromissos até o fim, jamais demonstrando que aquela perda seria absorvida como parte definidora do meu caráter – mas exercendo todo o meu direito de não emprestar mais meus brinquedos para o Fulano daquele dia em diante nem de chamá-lo para brincar. Crianças tem todo o direito de serem rancorosas, especialmente diante das adversidades.

Aí a gente cresce, estuda, conquista títulos e constrói reputações, tudo em prol da sonhada maturidade que esperamos atingir um dia. E digo “sonhada” porque o UFC está aí exatamente para confirmar a minha teoria de que adultos não existem: nós vivemos em um mundo que legalizou, reconheceu como esporte e cobra valores astronômicos para os lugares da primeira fila de um espetáculo de luta livre onde vence aquele que literalmente permanecer de pé. Não me leve a mal; longe de mim querer criticar algum esporte, ainda mais considerando o meu atual porte físico diante de mais um Projeto Verão que poderia ter sido e não foi. Mas não me diga que o financiamento da violência em forma de competição não se trata de mais uma herança da Idade Média, juntamente ao Ebola e os trajes e chapéus toscos que ainda são utilizados em algumas partes do Leste Europeu.

Há quem diga que todos esses comentários não passem da versão literária de um rompante de tabuleiro escrito por um mal perdedor nato, e talvez estejam certos. Eu admito que nunca lidei bem com as minhas derrotas e ao julgar pelo modo como eu continuo encarando a vida quando esta insiste em invadir e conquistar os meus territórios, elaborar um bom espírito esportivo pode ser adicionado à minha lista de resoluções de ano novo. Mas além de admitir derrota em alguns embates, é preciso também aprender a ganhar sem parecer um babaca – coisa que aquele irlandês convencido não soube fazer. Talvez seja pelo perdedor ser um brasileiro que esta história mexeu tanto comigo. No mínimo serviu para me lembrar que mesmo diante de uma derrota histórica, o Zé e eu fazemos parte de um povo que não desiste nunca.

domingo, 13 de dezembro de 2015

O interlúdio


Por volta de 1800 e alguma coisa as tragédias românticas se passavam em forma de peças e óperas. Espetáculos musicais cheios de performances estrondosas e maestria sem fim, tudo muito bem ensaiado, coreografado e meticulosamente traçado para levar seus espectadores aos prantos, às ruínas das lamúrias da existência e aos círculos sociais mais promissores da época que prezavam pelas discussões literárias após se entregarem às suas emoções mais reprimidas ao som e fúria do palco e a gratidão por seus artistas com uma salva de palmas em pé. Mas entre um ato e outro, originou-se o interlúdio – algo que chamamos comumente hoje de “é agora que dá para ir ao banheiro?”. Trata-se de uma pequena composição feita especialmente para preencher o espaço entre dois atos em uma peça – ou, atualmente, algo que cantamos aos múrmuros enquanto estamos no banheiro do teatro.

A vida em si é um grande espetáculo. Seu palco depende da onde você apresenta as suas performances. Quando perguntaram à Mara Rúbia (a Fernanda Montenegro dos anos 50) suas considerações sobre a morte, ela foi sucinta e clássica em sua colocação: “Para mim há dois lugares maravilhosos para se morrer; na cama, amando, e no palco, trabalhando.” Mas durante todo espetáculo há o momento em que os refletores precisam descansar, a platéia precisa esticar as pernas e a orquestra precisa harmonizar o silêncio que toma conta do espaço que há pouco estava cheio de som e fúria. E quando o teatro se esvazia e restam apenas o artista e um holofote prestes a ser desligado até que a trupe possa se reorganizar para o próximo ato, entra o interlúdio. E com ele, o meu problema.

Eu não sei como você leva a sua vida, mas a minha em particular costuma ser bastante agitada. Não necessariamente pela minha atração a dramas e tragédias, mas talvez porque quando se possui uma teatralidade nata, qualquer roteiro serve de material para dramaturgia. Das grandes apresentações aos pequenos sideshows, eu sempre prezei muito pela minha veia artística. Porque é o que faz com que eu me sinta vivo e, quem sabe, será o que pagará minhas contas em um futuro próximo.  Mas o material ultimamente tem se tornado bastante escasso, ao ponto de nenhum trecho ou parágrafo que eu considero escrever pareça bom o bastante para anunciar um novo número a ser apresentado. E talvez não exista nada mais fatídico para um artista que se sente incansável do que um interlúdio que parece interminável.

Nos dias de hoje, um interlúdio entre um emprego e outro é desesperador. Bem como um interlúdio entre um amor e outro. Quanto mais se espera, maior é a expectativa para que os refletores se acendam de novo e seja possível rever a platéia em seus lugares marcados, prontos para mais um número. E quando chega a hora de aposentar uma apresentação e elaborar um novo show, a antecipação torna-se a assombração do dramaturgo. Imensa é a alma do artista e daquilo que ele apresenta para o mundo, pois sem isto restam apenas os borrões da maquiagem e os ecos dos ensaios.

Apesar da alma ferida pelo tempo, o artista entende sim a importância do interlúdio em seu show. É preciso descansar, rever alguns passos e recapitular a história que já se passou até aqui para que o próximo ato, além de impressionar, seja coeso e faça jus ao personagem. Algo que não pode ser feito se o carrossel não parar por alguns instantes, e é uma espera que deve ser compreendida e respeitada tanto por quem habita os palcos da vida, quanto por quem prefere fazer sua parte nos bastidores.

Este ano foi um grande interlúdio. Cheio de necessidades que precisavam ter seu espaço para respirar, de mudanças de cenários que reorganizaram o modo como o show passaria a ser dali adiante, e de personagens que tiveram seus números aposentados para dar a vez a outras performances. Falando como um pequeno e impaciente artista à procura de um novo papel, minha ansiedade pelo reascender das luzes parece ofuscar minha visão às vezes. Mas é só uma divisão de atos que toda magnum opus requer para manter-se fresca, memorável e, assim espero, inesquecível.