quinta-feira, 31 de março de 2016

O novo normal


Imagino se um dia ele irá saber que ele está no show mais famoso...” – David Bowie

Eu preciso de uma filosofia. É o que me mantém vivo diante das adversidades. Algo que me inspire o suficiente para levantar da cama de manhã e continuar tentando viver lá fora de um jeito que me leve de encontro a todos os sonhos que, por hoje, mantenho escondidos debaixo do travesseiro. E esse era o meu maior medo quando cheguei aqui. Provavelmente o mesmo medo que sinto quando o familiar se dissipa e o novo se instala. A rua que avisto da janela do meu quarto parecia infinita. Eu não sabia até onde ela chegava, ou aonde mais poderia me levar. Os rostos eram estranhos e fechados. E a cidade tão conhecida por milhares de turistas todos os dias me passava essa mesma sensação; de que eu era um estrangeiro aqui. É por isso que quando encontrei aquela música, tudo começou a fazer um pouco de sentido para mim. Talvez não seja o sentido que David Bowie tivesse em mente quando a escreveu, mas foi assim que ela me pareceu. Talvez porque eu mesmo estava tão desesperado para ter uma filosofia. Ou no mínimo, algo para acreditar de novo. “Existe vida em marte?”, Bowie disse. “Existe vida em Foz do Iguaçu?”, pensei.

Mais do que pensa, passei a maioria dos meus dias rezando por isso. Para que a mudança não tivesse sido um engano. Para que este passo não tivesse sido em falso. Para que tudo e todos que ficaram para trás não tivessem sido em vão. Recomeçar é tão difícil. Especialmente quando, vamos admitir, meu forte sempre foi desconstruir as coisas e as pessoas ao meu redor. Para descobrir exatamente do que eram feitas. E, mais importante, para ter certeza de que serviriam de base para mim. Talvez eu estivesse exigindo muito em pouco tempo. A essa altura eu já deveria ter aprendido que nada acontece da noite pro dia, nem do dia pra noite. Até porque entre uma coisa e outra, e entre um texto e outro, houve uma vida inteira que – ao contrário do que Fernando Pessoa diria – tinha tudo para ser plena e foi.

Já faz meses desde a mudança. E eu já conheço bem a rua da minha casa, bem como várias outras da cidade. Já conheci muitos lugares e algumas pessoas já tiveram participação na minha vida. Não é um histórico muito longo ainda; esse começo continua sendo escrito. Mas quando percebi que já não estava mais pensando sobre essas coisas sozinho, e já sabia me virar bem pelas curvas e paralelas de Foz do Iguaçu, um novo “normal” que estava se estabelecendo me pegou de surpresa. As coisas não parecem mais tão assustadoras, alguns rostos já conseguem se destacar na multidão, e a vida... Surgiu. Como é de se esperar nesses casos, quanto mais você anseia por algo, mais desprevenido você descobre que estava quando isto finalmente acontece. E quando o novo normal tomou conta, inevitavelmente pegou parte do lugar da minha vida antiga.

O que eu quero dizer com tudo isso é simples. Eu estou feliz. Em Foz do Iguaçu! Quem diria?! Mas parte dessa felicidade carrega um pouco de culpa consigo. Culpa pelos lugares que visitei e que não irei cruzar novamente. Culpa pelas pessoas que conheci e que não sei quando irei rever. Culpa por toda aquela vida que demorou tanto para se formar e agora deve ceder seu espaço que estava preenchido por saudade para que novas lembranças sejam formadas. Não há como viver duas vidas em uma. Não é a toa que para que um mundo novo seja desbravado, um mundo deve ser demarcado como antigo. Mas isso não significa que não possa haver uma ponte entre eles. Felizmente para mim, as pontes próximas a mim levam a outros destinos. E o mundo antigo, meu mundo antigo, está apenas a um ônibus de distância.

Assim como já procurei diversas versões da mesma música, e já escrevi uma parte considerável da minha história por aqui, posso dizer sobre ambas que gostei de tudo pelo que passei.  Então para responder a sua pergunta, Igor: sim.

Existe vida em Foz do Iguaçu. Seja bem vindo e não deixe de acreditar nela.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Precisamos conversar


Essas provavelmente são as duas palavras mais assustadoras que uma pessoa pode ouvir. Por que você “precisa” falar comigo? Em vês de só conversar, livre e arbitrariamente? O que foi que eu fiz? Já estava assim quando eu cheguei! Você deve ter entendido errado... Não foi aquilo que eu quis dizer. Ou foi, não sei. Mas talvez eu tenha dito com a entonação errada. É isso; você não me ouviu direito! Ou eu disse errado... Ou eu fiz errado? Ou eu não fiz nada, e você esperava que eu tivesse feito... O que você quer afinal? Me diga agora! Não deixe para depois o castigo que você quer me dar agora. Por que tem que ser pessoalmente? Por que algo tem que ser dito afinal?! Eu achei que estava tudo bem... O que está acontecendo?!

O que aconteceu foi que as pessoas não conversam mais. Vide a necessidade de pedir a você que tiremos um tempo das nossas vidas ocupadas, nossos compromissos inadiáveis e das nossas outras mil pessoas em nossas vidas, para falar sobre nós e como estamos. E, principalmente, sobre o que vamos fazer. Porque não está tudo bem. Nós podemos continuar fingindo que está, e empurrar com a barriga até aonde der, mas e aí? Tudo tem limite. Inclusive nós. E quando passarmos dele não me diga que eu não tentei.

O silêncio grita. As palavras não ditas sufocam. E as decepções que se mantém escondidas atrás de um sorriso amarelo e torto podem ser o gatilho definitivo para o fim de qualquer relacionamento, amizade ou ligação entre duas pessoas que se importam muito uma com a outra. Até alguém fazer algo que o outro não gostou. Só que em vês do outro dizer que não gostou, ele guardou para si. Talvez porque quis se convencer de que aquilo não teve importância. Ou de que aquilo não machucou. Ou de que você não quis dizer aquilo. E aí acabamos conversando com nós mesmos para evitar admitir que precisamos conversar um com o outro. Porque eu, comigo mesmo, me entendo bem. Mesmo quando pareço estar perdido, eu me entendo. Assustador mesmo é o outro. No que você poderia estar pensando...?

Pior mesmo é quando eu e você não só evitamos de nos falar, mas trazemos reféns inocentes ao nosso eixo do mal-entendido. E repetimos a história tantas vezes que acabamos por decidir que conversar não adianta. Porque se você realmente se importasse, não teria dito o que dito. Porque Fulano entendeu o que eu senti, enquanto você não percebeu nada. Esse é o problema dos relacionamentos atuais: às vezes quando você pensa que não disse nada, o outro faz do seu nada o universo. E não só é capaz de se perder nele, mas se fere cada vez mais a medida que insiste em não avisar a você que aquilo doeu. Ou que você não parece mais o mesmo. Que você sumiu. Que eu sinto a sua falta. Que nós precisamos nos ver. E que tudo isso só vai ser possível se a gente sentar, olhar nos olhos um do outro e dizer tudo o que queremos dizer. Tudo o que precisamos dizer.

Quanto a mim, ultimamente eu tenho dado crédito instantâneo a qualquer um que se disponha a me dar atenção. Não é questão de auto-estima baixa, carência ou transtorno bipolar. Mas se tem uma coisa que o tempo me ensinou é que não só os amigos de verdade são muito mais significativos do que as companhias abstratas de balada que nós arrumamos por aí, como a reciprocidade que eu venho recebendo deles é muito mais importante do que qualquer foto em conjunto que participei na festa durante o último final de semana. Eu gosto das pessoas. Especialmente, das minhas pessoas. Gosto de conversar com elas, de saber como foi o seu dia e de como você está. Se tiver algo que eu possa fazer, me diga. E se tiver algo que está me incomodando, nada mais justo do que eu avisar a você de que não, não está tudo bem.

Não é a toa que fazemos manutenções preventivas em aparelhos e máquinas para impedir que elevadores despenquem do ar, ou para limpar nossos discos rígidos de vírus que os impedem de funcionar direito. Mas e quanto a impedir que nossos relacionamentos atrofiem? O que aconteceu com o tempo em que nós conversávamos só por conversar. Quando estávamos contentes só por estarmos juntos. Quando não precisávamos de nada a mais um do outro, porque estávamos em tamanha sincronia que você sempre era capaz de perceber que eu estava precisando de um abraço, ou de uma palavra amiga. Às vezes só precisava de um conselho ou, quem sabe, uma direção. E na grande maioria das vezes, eu simplesmente precisava de que você estivesse aqui. Ou de que você me procurasse de vez em quando também.

Para mim, mais assustador do que ouvir alguém dizer que precisa falar comigo, é quando alguém com quem eu conversava muito já não parece mais tão ansiosa para que troquemos palavras. E cá entre nós, ultimamente eu venho aprendendo cada vez mais que não existem pessoas importantes na vida com as quais é preciso conversar, porque elas geralmente costumam estar sempre por perto.

Mas ainda há aquelas que decidem falar tarde demais.

*Escrito em 02/09/2013.

terça-feira, 29 de março de 2016

Os momentos definitivos


Exatamente às 12:58 daquela tarde, começou a chuva. Daquelas exponencialmente épicas e impiedosas – do tipo que vira guarda-chuvas do avesso e deixa pedestres reféns debaixo das marquises das lojas pela extensão da avenida principal. E foi daquelas mini-tempestades que duraram o tempo necessário para surpreender também trabalhadores que estavam tentando nadar contra a correnteza para voltar ao trabalho, alunos de auto-escola que se desesperavam a cada cruzamento que precisavam atravessar com seu parabrisas alagado e, é claro, eu. Eu que, inocente e despreocupadamente, saí de casa exatamente às 12:42. Por sorte, carregando um guarda-chuva desta vez.

Entre enfrentar ventos e ondas de poças que se levantavam graças aos carros apressados, eventualmente eu me cansei da pista de obstáculos na qual havia se transformado o caminho até o centro da cidade e me rendi ao abrigo de uma das marquises de uma loja na avenida. Eu e um senhorzinho aparentemente atordoado que, por que não?, resolveu me contar a sua história de como foi parar ali. Quase sem pegar fôlego:

- Moro lá naqueles bairros quase saindo da cidade. Tive que vir aqui no centro, numa agência de banco, resolver uns problemas. Mas sabe como é, né? Fila de espera e das grandes! E ainda preciso ir buscar um outro documento meu, que ficou com meu irmão, em uma cidade aqui pelas redondezas. E quem disse que consigo chegar na rodoviária com esse tempo? Será que consigo uma carona?! Olha, rapaz, vou te contar; INSS é complicado, viu! Sem contar todos esses outros problemas por aí! Saúde, educação... Viu que hoje não teve nenhuma manifestação lá no centro da cidade? Cadê o pessoal que estava protestando?! Perderam a força por causa da chuva? Aliás, é para lá que você estava indo?
- Eu? Não, não...
- Ué, mas você não é professor?!
- Professor?! Não...

E por um instante eu me senti indisposto com a provável próxima pergunta que o Sr. Atordoado iria metralhar em mim. Porque o que eu iria dizer? Como eu iria responder caso fosse pego ainda mais desprevenido debaixo daquela tempestade toda? “E então o que é que você faz?” Eu não tenho uma resposta para isso. Felizmente, ele finalmente aproveitou a brecha na conversa para suspirar fundo antes de seguir seu caminho. Mas não sem antes me deixar com sua última pérola:

- Mas você tem uma cara de professor!

Seguindo meu caminho oposto ao dele, eu me peguei pensando sobre a sua caracterização instantânea sobre mim. E sobre esses momentos na vida que acabam por nos definir que, geralmente, são esses que nos pegam de surpresa. Porque o que me tirou de casa às 12:42 daquela tarde foi uma ligação que recebi no dia anterior. A encomenda que eu havia deixado em um sebo acabara de chegar – um livro que faltava para a minha pequena coleção particular – e só havia um exemplar na loja. Um exemplar que eles reservariam para mim por um dia. E aquele era o dia, fizesse sol ou chuva. Eu não era nenhum professor, mas estava com os tênis e metade dos jeans completamente encharcados à procura de um livro, que eu já havia lido por sinal, mas que estava decidido a ter.

Eu ainda não defini o que aquele momento quis dizer para mim, mas foi importante o bastante para que eu escrevesse sobre isso. Assim, para deixar a inspiração respirar e, por que não?, para admirar uma nova hipótese junto a minha estante de livros.

***

Sabe quando você vai ao mercado com uma lista de compras, e acaba enchendo o carrinho de supérfluos e bobagens, e só depois que você sai de lá é que se lembra de que esqueceu do mais importante? Daquilo que te motivou a ir ao mercado em primeiro lugar? Pois então: ao fazer isso hoje pela quinquagésima-nona vez, eu percebi: não existe metáfora melhor para a minha vida ultimamente do que esta.

*escrito em 19/02/2015.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Uma música inesperada


Quando eu era criança e recebia um convite para alguma festa, meus pais nunca me proibiam de sair. Só precisavam saber antes de quem era a festa, onde ela aconteceria, que horas iria começar e até que horas poderia durar, quem iria me dar carona para ir e voltar, e se a mãe ou pai do colega que iria me dar carona tinha algum telefone além do fixo para que pudessem ligar caso precisassem... É a superproteção básica de qualquer pai ou mãe sobre seu filho único. E é algo que invariavelmente tendem a passar para ele com o passar dos anos. Além das preocupações familiarmente justificáveis e de um certo senso de responsabilidade sobre minhas ações quando não estivesse sob a supervisão de adultos, também herdei uma demasiada necessidade de manter sempre o controle da situação. Saiba onde ficam as saídas mais próximas em caso de emergência, carregue sempre um pouco de dinheiro a mais para bancar imprevistos, e nunca se esqueça de que suas ações sempre resultarão em consequências. Se puder arcar com elas, faça o que quiser. Se não, reserve-se. Ninguém nunca se feriu por resguardar-se, mas sempre haverá danos colaterais para quem atravessa a vida sem qualquer estratégia em mente.

Há quem diga que isto não seja realmente viver. Porque viver envolve riscos, atitudes impensadas, uma imprudência ocasional aqui e ali e, por que não?, um pouco de caos para dar graça aos dias fatigantes de rotina. E em parte eu concordo com isso, mas nunca consegui deixar de ser quem sou diante das tais oportunidades que surgem em meu caminho. Não é a toa que atribuo funcionalidade ao meu próprio caos, ou uma fonte e espaçamento padrões para escrever as crônicas que compartilho aqui. A fatalidade do ser metódico está em eventualmente limitar-se aos seus próprios meios. A vantagem é a segurança inata ao controle que se mantém.

E quanto mais pensei sobre isso, mais me dei conta do quanto tudo em minha vida parece ser medido, calculado, planejado e executado conforme os mínimos detalhes. Desde a hora de levantar, de comer, de fazer as tarefas que preciso, até a hora de conversar – e de selecionar bem o que deve ou não ser dito. Ou até mesmo a hora de beber – e de analisar se é possível beber mais do que socialmente e ainda assim conseguir chegar em casa são e salvo. Irremediavelmente me tornei um refém dos meus próprios costumes. O que me faz feliz é sentir-me seguro. Mas se está tudo aparentemente sob controle, por que ainda me sinto tão inseguro?

Na verdade eu sei por quê. E tem a ver com aquela música.

***

Assim como organizo tudo à minha volta, o mesmo reflete em minhas listas de reprodução do iTunes. Ao selecionar música por música, e ao separá-las por gênero ou por coletânea em particular, eu sempre sei qual é a próxima canção que irá tocar mesmo sem a atual ter atingido seu acorde final. De novo, tudo faz parte da confortável previsibilidade com a qual eu aprendi a viver. Mas ultimamente uma mesma música tem sido repetida em minhas listas. A mesma que tenho repetido em meus pensamentos quando estou afastado de qualquer aparelho de som.

E quando percebi o quanto estava repetindo a mesma música inúmeras vezes, imediatamente me coloquei em busca de novos downloads para arejar minhas trilhas sonoras. O problema foi quando percebi que não importava se estava repetindo aquela mesma música ou não. Porque todas as outras que vieram depois dela, assim como todas as outras mais antigas que procurei escutar para evitá-la, falavam da mesma coisa. Eram canções de amor.

Para quem gosta de manter o controle das coisas, nada é mais aterrorizante do que sentir que está se apaixonando. Porque o amor não conhece limites, regras ou, muito menos, vigilância. O amor simplesmente acontece. E quando acontece, também toma conta de tudo ao seu redor. É quando coisas comuns do cotidiano passam a te lembrar do rosto dela. Ou a pensar no que ela mesma pensaria se visse tal coisa pela qual você passou – na rua que sempre toma a caminho de casa e que nunca te remeteu nenhuma reflexão antes.

Não importa mais o que eu diga ou o que faça, eu vejo seu rosto aparecendo diante de mim. Como uma música inesperada que só nós conseguimos ouvir...

***

Eu não gosto de perder o controle. É por isso que também não consigo abrir mão dele, até mesmo quando não é necessário manter uma guarda sobre o mundo ao meu redor. Apesar de tudo indicar que estou seguro, continuo atento às saídas de emergência e durmo com um olho aberto. Não gosto de ser pego de surpresa por nada nem ninguém. E é por isso que aquela música me incomodou tanto. Ela e a mensagem que estava tentando me passar. E por isso levou tanto tempo para que eu me sentasse diante de uma página do Word com uma taça de vinho em mãos. Porque não há nada melhor do que uma dose qualquer de álcool para ajudar a relaxar e a ouvir algo que temos receio de ouvir. Meu medo é de que talvez pudesse estar me apaixonando de novo. E não havia mais nada que eu pudesse fazer se isso fosse verdade.

O mais próximo que poderia chegar de obter algum controle sobre isso talvez seria ao aprender a letra da música...

quinta-feira, 24 de março de 2016

O melhor de você


O que é intimidade? É o que separa os colegas dos amigos, e o que diferencia amigos de irmãos que você escolheu para si. E pra ser bem sincero, tudo que vem com isso é muito bom. A facilidade com a qual eu jogo minha chave pela janela porque estou com preguiça de ensinar a eles como funciona o interfone problemático do meu prédio e já deixo a porta aberta para entrarem, é a mesma que eu tenho para dizer a eles quando algo está errado. Na verdade eu nem preciso dizer nada, porque um silêncio inesperado, um olhar torto, uma piada que eu engoli em seco e às vezes até mesmo uma vírgula fora do lugar (ou uma ausência de qualquer palavra que me ajude a expressar o que está acontecendo) já servem para me delatar e para pedir ajuda a eles por mim. Pensando bem, talvez eu não tenha tanta dificuldade assim em pedir ajuda. Porque em se tratando de momentos difíceis, eu nunca realmente estive sozinho.

O problema em dar intimidade para que as pessoas entrem na sua casa, na sua vida e no seu coração e deixar que se sintam à vontade é que... Bom... É uma merda. É só dizer que não tem problema em derrubar migalhas no chão, ou que está tudo bem por esquecer de usar o porta copos da mesinha de centro às vezes, ou por não fechar a porta da geladeira direito, ou por zoar meu Facebook quando eu esqueço ele aberto... E de repente lá se foram as regras, o controle, o bom senso e alguns copos que foram quebrados entre uma festa e outra. Entre a intimidade e o respeito, existem sub-níveis de ousadia e imprudência que, querendo ou não, fui eu quem permiti que rolassem soltos. Assim como os parafusos da cortina da sala que há tempos ameaçam a cair depois de tantas vezes em que foi puxada bruscamente – porque queriam que o filme que estávamos assistindo na sala tivesse mais “ar de cinema”. Não existe intimidade sem abrir mão dos seus limites para que outra pessoa possa realmente entrar não só na sua casa, mas na sua vida e no seu coração também.

O pior não é nem a bagunça em si, mas os cacos de vidro que se acumulam a cada prato quebrado, os sacos de lixo que se amontoam depois de cada jantar, os DVDs que ficam guardados no saquinho errado a cada noite de filmes... Como se os limites, ao contrário da zoeira, deixassem de existir. E de repente quem você convidou para se sentir a vontade aqui já não te faz sentir tão a vontade com eles por perto. Intimidade tem um preço, e pode ser muito alto caso você não esteja acostumado a abrir mão de outras comodidades, como controle ou privacidade.

Eu não gosto de arrumar a bagunça, mas adoro receber todos em casa. A verdade é que eu gosto de ser o anfitrião. O que serve Coca-Cola para os copos de todos, o que fica com a espátula em mãos para alcançar o seu pedaço de pizza, o que prepara a cabeça do arguile, o que deixa a cerveja e a vodka gelando um dia antes de usarmos, o que grava os filmes em potencial para assistirmos, e o que sempre tem os ingredientes para tereré em estoque, porque nunca se sabe quando vamos precisar de uma conversa lá fora na sacada... E faz bagunça sim; até demais. Suja o chão, mancha as paredes, estraga os móveis, derruba as cortinas, risca os vidros, quebra os copos...

Acontece que as mesmas pessoas que já não precisam mais de convite para entrar na minha casa são as mesmas que não precisam mais que eu diga que não estou bem. São as pessoas que há muito tempo deixaram de ser só colegas, e que já aprenderam a pegar a chave quando eu a arremesso da sacada. São as pessoas que sabem aonde procurar comida e onde a cerveja está guardada, e quais copos podem usar sem medo de quebrá-los e de me ouvir brigar com eles. Eles sabem que podem se sentir à vontade aqui, porque a verdade é que apesar de morar sozinho, eu não vivo sem eles. Uma deles até se mudou para cá, e foi só abrir a porta, a vida e o coração por inteiro para um que de repente ficou fácil confiar de novo em qualquer um que valorizasse o que eu construí aqui e, mais importante, quem eu sou.

Eu não gosto de arrumar a bagunça, mas preciso admitir que ela não se fez sozinha. E se algo é tirado do lugar, certamente foi porque eu permiti. E uma vez que eu aprendi a permitir que as coisas não precisavam ficar sempre no lugar, esta casa nunca mais ficou vazia. E tanto eu quanto meus amigos aprendemos a conviver quase diariamente com o melhor e o pior de nós mesmos, desde a intimidade até a desordem. É isso que nos fortalece, e é isso que me faz agradecê-los sempre que aparecem correndo não só quando eu preciso, mas quando estamos todos sozinhos em cantos diferentes da cidade. Por que não assistimos um filme, pedimos uma pizza, tomamos um tereré na sacada...? Deixa a porta aberta porque tem mais gente chegando, e pode ficar à vontade.

Eu sempre tentei dar a essas pessoas o melhor de mim. E quem entrou na minha vida e me aguentou até agora tem todo o direito de colocar os pés na mesinha de centro e relaxar. Sinta-se em casa.

***

Alguém está recebendo o melhor de você?

*Escrito em 09/09/2013.

quarta-feira, 23 de março de 2016

A teoria do caos funcional


Se eu precisasse definir a mim mesmo em uma palavra, esta palavra provavelmente seria “bagunça”. Não estou me referindo a questões de auto-estima ou auto-imagem propriamente ditas, mas sempre considerei os caminhos que tomei na vida, as decisões que fiz, o modo como interajo com as pessoas e os vários desdobramentos que meus pensamentos costumam gerar sempre foram um pouco, bem, tortos.

Por isso sempre me surpreendo quando alguém faz questão de comentar sobre o modo como consigo organizar a casa depois de uma festa, ou a habilidade momentânea que toma conta de mim quando preciso entregar algum trabalho em cima da hora – e nem vamos comentar sobre meus grupos de estudo de última hora baseados em nada mais nem menos do que sorte, instinto, coragem e sem-vergonhice. Minha casa pode até estar em ordem, mas minha cabeça é definitivamente regida pelo caos.

Tenho momentos de tédio profundo e crises existenciais que me fazem questionar toda a razão do universo, e em questão de segundos posso me tornar ridiculamente criativo a ponto de acreditar que as soluções para todos os meus problemas estão ao meu alcance. Mas aí eu me distraio com alguma outra coisa – o barulho dos carros lá fora ou algum estralo estranho dentro de casa – e esqueço de anotar qualquer coisa que poderia me ajudar a salvar o mundo. Bom, acontece...

Mas apesar de tudo, minha bagunça é funcional. A desordem dos meus devaneios ainda é capaz de servir como ombro amigo, ou de tocar alguns corações partidos com uma quantidade surpreendente de compreensão que vai além do humor inconstante e os disparos de ironia e sarcasmo que às vezes antecedem a minha verdadeira irracionalidade. E talvez seja por isto, também, que eu tenho o dom de não encontrar as coisas que procuro quando quero.

Pensando bem, tudo que eu sempre quis na vida encontrou seu caminho até mim quando eu estava distraído com alguma outra coisa provavelmente bem menos importante. Quanto mais eu pareço me focar em algo que acredito que preciso, a linha de chegada parece mudar de lugar, para cada vez mais distante da onde estou. Mas tudo tem a sua hora; seja para a felicidade, seja para a lógica da minha ineficaz linha de raciocínio. Estou sendo protegido pela minha inconstância, e nem tenho noção disto.

Foi através da minha bagunça, e os problemas que arrumei por causa dela, que algumas das melhores coisas do mundo agora fazem parte do meu cotidiano. Desde os amigos que fiz enquanto bêbado, os lugares que visitei quando nem prestei atenção no caminho, as conversas definitivas que se iniciaram depois de um “oi” mal dado, até os sonhos que conquistei quando nem considerava mais as chances de que eu poderia alcançá-los. Tudo isso e muito mais, sem um pingo de bom senso ou alguma razão sensata que explique. Sem planos ou até mesmo noção de conseguir explicar ao certo como cheguei até aqui.

Honestamente, confesso que sobrevivi grande parte da minha vida com base em “Sei lá...”, “Vai que, né...” e “Por que não?”. E fui em frente, mesmo sem saber aonde iria chegar. Fui torto, mas deu certo. E acho que ainda funciona.

Caso contrário, porque você ainda estaria aí, acompanhando toda a minha anarquia?

*escrito em 04/04/2013, mas meus modos continuam os mesmos.

terça-feira, 22 de março de 2016

O outono do amor

*escrito em 13 de maio de 2013.

Eu sempre considerei o outono como o ensaio geral para o inverno. É a época de transição entre o fim temporário das peles expostas ao sol fins de tarde na beira de um bar, e o começo do nosso reencontro com os cobertores que passam meses guardados em cima do guarda-roupa e as blusas que hibernam enterradas dentro dele. E de todos os cafés e taças de vinho que acompanham a estação mais impiedosa do ano. Mas que, pelo menos, compensa por fazer durar mais os perfumes e embelezar um pouco mais a cidade com aquele tom levemente melancólico e nostálgico que só o ar ridiculamente rarefeito consegue produzir. E é durante esta época transicional em que as folhas das árvores caem para que possam florescer ainda mais belas na primavera seguinte, que as pessoas podem se inspirar a realizar algumas mudanças em suas vidas também. E para alguns poucos sortudos em especial, esta pode ser a hora de dar um tempo com os bares e as madrugadas em claro para passar mais tempo dentro de casa e debaixo de cobertores. Com um cappuccino em uma mão, e a mão de alguém especial na outra.

Antes do pôr do sol e o nascer da primeira madrugada gelada na cidade, eu me atrevi ir até o extremo do meu outono e vivenciar o amor de verão com o qual eu sempre sonhei. Capaz de causar inveja em qualquer primavera que eu já havia pensado que tinha sido boa. Isto porque, até então, eu sempre parei para apreciar o aroma das rosas sozinho. E com o passar dos dias e o cair das folhas, nem o frio ou a chuva que forçavam sua entrada sob a cidade e em minha vida eram capazes de esfriarem aquilo que parecia aquecer meu coração. A cada beijo trocado, cada passo dado em uníssono, e cada rua atravessada de mãos dadas. Pelo visto o amor não era possível apenas no verão enquanto ainda exista calor o suficiente para dar luz a ele. Nada tem a ver com a estação ou a temperatura, enquanto duas pessoas estiverem dispostas a enfrentarem quaisquer tempestades que não podem ser previstas, ou frentes-frias das quais não podemos escapar. Mas o outono, assim como tudo nesta vida, tem um começo, meio e fim. E apesar dele ainda não ter chego ao fim, deparei-me com um iceberg em meu coração tão grande que me senti perdido entre as estações. Como o meu amor pôde esfriar tão rápido, se nem as folhas terminaram de cair ainda?

Meu amor de outono durou quase o mesmo tempo que a estação. Foi uma temporada seca, sem chuvas à vista, com um sol escancarado durante as tardes, mas que sempre criava brecha para que se carregasse um casaco quando se saía de casa à noite. Foi uma estação de sorrisos e risadas como eu jamais pude imaginar ser capaz de expor em meu rosto. De longas caminhadas pela cidade e a redescoberta de lugares tão comuns, como praças, bancos, ou até mesmo as próprias ruas e suas curvas que agora possuíam tamanho significado para mim. Tanto significado que não é mais possível caminhar por eles sem sentir a nostalgia e a saudade do que construímos através deles. Por que não continuei em frente, se a caminhada estava me fazendo tão bem? Por que o outono não poderia durar para sempre?

Porque nada dura para sempre, e eu precisei parar quando senti que o inverno estava chegando. E que eu não seria capaz de enfrentá-lo com um compromisso suficiente para alcançar a primavera. Eu simplesmente não pude, porque você não está destinada a admirar as flores comigo. E a primavera que está reservada para você – a primavera que você merece – não receberia todo o sol que lhe é garantido, enquanto minha sombra estivesse no caminho. Você merece alcançar as borboletas e eu também, mas não chegaremos a elas se continuarmos de mãos dadas e insistindo em seguir direções opostas, sem encontrar nada a não ser chuva. Nada contra a chuva, mas em algum ponto nós precisamos admitir que permanecer debaixo dela nos faria mal. Nos adoeceria. E a nossa estação não teria um final feliz.

E assim o outono continua, porém sem nossas caminhadas enfeitando a cidade enquanto o gelo lentamente toma conta do ar e dos sentimentos das pessoas. A geada está próxima, trazendo medo a cada passo frívolo que dá em nossa direção. E a insegurança, a incerteza, a insensatez também... E talvez tenha sido isso o que acabou com o meu outono: descobrir que apesar de todos os planos de alcançar as borboletas, eu esteja frio demais para sobreviver até a primavera. E não seria capaz de manter você aquecida como deve ser até o calor do sol tomar conta da cidade de novo.

A estação ainda é a mesma, mas eu preciso admitir o inevitável, vestir minhas blusas e preparar um café bem quente e forte mais cedo este ano. Aproveite as últimas folhas que caem. Quanto a mim: seja bem vindo, inverno.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Ficar é normal


- Quer ficar comigo?
- An?
- Quer ficar comigo?
- Ficar como?
- Comigo.
- Como assim?
- Ficar comigo, quer?
- Mas eu já não estou aqui com você?
- Sim, mas quer ficar comigo?
- Ainda não entendi...
- Ficar. Não sabe o que é ficar?
- Mas como assim, ficar?
- Ficar, oras!
- Mas ficar em que sentido?
- No sentido de ficar, nunca ficou com ninguém?
- Acredito que sim, várias vezes. Agora por exemplo, estou aqui com você, não estou?
- Mas não é esse sentido de ficar que eu estou querendo dizer…
- E que outro sentido que existe de ficar?
- Fica comigo que eu te mostro!
- Mas o que você quer fazer?
- Quero ficar com você, não entende?
- Mas já não está comigo?
- Mas eu quero ficar ainda mais com você!
- Ah, só se a gente começar a se pegar aqui, dar uns amassos mesmo, mas como vou fazer isso se a gente nem se beijou antes?
- Mas é isso que eu quero!
- Você não queria só ficar?
- Mas ficar é isso!
- Isso o que? Beijar?
- É!
- Desde quando ficar é beijar? Ficar é ficar, beijar é beijar!
- Mas é a mesma coisa!
- Quem disse? Pra mim não é não...
- Todo mundo sabe, todo mundo entende que é a mesma coisa!
- Problema de todo mundo, pra mim uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Quer me beijar, é isso?
- Sim!
- Ai, tá vendo? Agora eu entendi!
- Então vamos?
- O que?
- Nos beijar!
- Não.
- Como, não?
- Não, ué. Nem te conheço.
- Mas me conheça então!
- Quer me conhecer?
- Sim!
- O que você quer saber?
- Quero ficar com você.
- De novo com isso?
- Ok, desculpe. Quero te beijar,
- Sem saber nada sobre mim antes? Isto é, eu também não sei nada sobre você.
- E o que você quer saber?
- Mas não era você quem queria me conhecer?
- Sim, mas...
- Tem certeza de que não era aquela outra menina que você queria chamar?
- Não, era você mesma. Não tiro os olhos de você desde que cheguei aqui.
- Obrigada, mas você nem me fez nenhuma pergunta...
- Como assim, pergunta?
- Pergunta, ué. Não quer me conhecer?
- Sim, mas quero te beijar antes!
- Como eu vou te beijar se nem te conheço?
- Porque é assim que as pessoas fazem!
- Fazem o que?
- Se conhecem!
- As pessoas se conhecem se beijando?
- Isso!
- Então se eu quiser conhecer o porteiro, preciso agarrá-lo?
- Não é o que eu quis dizer...
- Você disse que as pessoas se conhecem se beijando.
- Eu quis dizer que aqui, agora, eu e você. Eu quero conhecer você, mas quero te beijar antes!
- Já não falamos sobre isso?
- Você não sabe o que é ficar?
- Claro que sei. Você sabe?
- Sim, eu sei. Mas parece que ninguém nunca te pediu pra ficar antes.
- Pediram sim, e eu repeti as mesmas coisas. Estamos aqui, não estamos? Estou ficando com você. Agora, se quiser me conhecer, me pergunte alguma coisa. E se quiser me beijar, aí eu preciso conhecer um pouco você também...
- Você é bem complicadinha, eim?
- Complicadinha, eu? Só porque eu não tenho a mesma concepção de ficar que você?
- Mas todo mundo sabe o que é ficar!
- Acho que todo mundo anda te enrolando, hein. Por acaso já ficou com alguém aqui hoje, dentro dessa sua concepção?
- Não...
- É mesmo? Então porque não experimenta conhecer uma menina, faça a ela uma pergunta, preste atenção no que ela responde, de preferencia a olhando direto nos olhos, em vez de ficar repetindo "quero ficar com você!", entende?
- Tudo bem, eu entendi, me desculpe. Podemos começar de novo? Olá…
- Olá…
- Gostaria de te conhecer melhor, o que acha?
- Não, obrigada.
- Como assim, não?!
- Não, ué.
- Mas por que não?!
- Sei lá, você não faz meu tipo.
- E que tipo eu sou?!
- Do tipo que tem que ficar explicando as coisas. Mas obrigada, viu. Se cuida.

*Escrito em 12 de Abril de 2011.

sábado, 19 de março de 2016

O primeiro período


Com pouco menos de um mês de aulas, fiquei sabendo que uma garota abandonou o curso. Não tive tempo de conhecê-la; só a vi de passagem pelos corredores algumas vezes, e sentada em uma das carteiras mais ao fundo da sala. Sabia seu nome, nada mais. Eventualmente a gente descobre um pouco mais das pessoas que convivem no mesmo espaço que nós, dia após dia. Aprendemos do que dão risada., ou de que matérias gostam mais... Até que, enfim, quando menos se espera os lugares já parecem estar marcados. Todos já se sentem a vontade o suficiente de chegar até mesmo um pouco atrasados, porque sabem que haverá um lugar guardado pare eles. O temor dos primeiros dias lentamente se dissipa, e a intimidade pelo lugar e por suas pessoas o substitui. Somos empurrados pelo tempo de uma terra desconhecida para o que se torna um novo porto seguro, mas para isso é preciso atravessá-lo; vivenciá-lo, inclusive, se possível. E se não for, apenas aguardar que esse tempo passe.

Talvez aquela garota não quisesse esperar. Ou talvez simplesmente não pudesse. Talvez ainda não soubesse como. Eu sempre achei trágico o quanto os dezessete anos forçam os jovens a demonstrar um nível de maturidade profissional que nem sempre lhes compete. Claro que existem aqueles que sabem o que queriam ser quando crescessem desde os cinco anos, e fico feliz por eles. Esses atravessarão a vida sentindo-se bem mais tranquilos – pelo menos quanto a isto. Mas eu sempre fui de outro tipo. Do tipo que faz escolhas com um pé atrás, porque não sabe realmente o que quer desta vida. E pela insegurança que o passado arrasta consigo, junto à ansiedade que o futuro apresenta, nós sabotamos o presente. E em mais uma hipótese que crio aqui, levemente nutrida pela minha constante insegurança, talvez eu saiba por que o fato daquela garota ter largado o curso tão cedo tenha mexido comigo. Porque a tantos anos atrás, eu fiz a mesma coisa. E o arrependimento deixou suas marcas sensíveis até hoje.

O arrependimento viaja em conjunto com o tempo. Passam à mesma medida em que nos envelhecem e nos educam. Mas dizer que me arrependo do que fiz após largar o Jornalismo seria injusto com a vida que construí a partir disso. E também com todas as pessoas que conheci nesta vida, que invariavelmente colaboraram para que eu conseguisse voltar a esse ponto. Nem sempre a vida nos dá a chance de retornar a uma encruzilhada para que optemos pelo caminho que escolhemos não trilhar da primeira vez. Mas quando ela dá, o mínimo que é esperado de nós é um pouco de reconhecimento. E gratidão é uma arte que ainda estou tentando aprimorar em mim.

Acho que só o que eu quero dizer é que espero que aquela garota não se arrependa. Nenhum de nós sabe discernir bem qual é o certo ou o errado a ser feito. A vida é feita de chances e apostas. E de aceitação e adaptação às conseqüências que são desenroladas por nós. Talvez este não fosse mesmo o seu caminho, e ela está certa em fazer uma mudança. Há quem se acomoda e segue a vida em piloto automático, sem saber exatamente aonde quer chegar, mas com pressa de que a jornada termine logo. Mas o que mais mexeu comigo em saber disso realmente foi em aprender a ser grato pelo tempo. Porque em menos de um mês eu já descobri pessoas incríveis. Cheias de sonhos e histórias que trazem consigo todos os dias para aquela sala de aula. E que também se interessam em saber de mim e do caminho longo e tortuoso que tomei para encontrá-los ali.

O arrependimento é como uma âncora que nos prende no passado. Talvez você precise abrir mão de quem você foi e da vida que você levava, para se tornar a pessoa que você será na vida com a qual você sonha. Foi isso que eu pensei no mesmo dia em que soube da desistência daquela garota. Enquanto alguém tomava um rumo semelhante ao que eu tomei anos atrás, eu estava finalmente grato por ter tido uma segunda chance de retornar àquele ponto. E era um lugar que, a cada dia que passa, estava provando ser tudo aquilo que eu acreditava que pudesse ser.

O lugar certo.

***
 E talvez seja verdade o que dizem sobre o lugar certo e a hora certa para as coisas acontecerem. Eu sempre soube que Jornalismo era mesmo o meu lugar. O problema era o meu timing...