*Escrito em 19/05/2014
Eu levo uma vida complicada.
Dessas do tipo que precisa ser constantemente refletida, desesperadamente
sentida, incomensuravelmente significativa e, por que não?, irremediavelmente
escrita. Capítulo por capítulo, vírgula por vírgula e amor por amor. Uma vida
com complicações difíceis de serem explicadas, do tipo que acaba quase sempre
sendo omitida ou justificada ridiculamente quando encontro alguém na rua que
não vejo faz tempo, e que me pergunta se está tudo bem. Eu não me lembro mais
de quando foi exatamente que eu decidi deixar essa vida complicada um pouco
mais autêntica, na esperança de que isso talvez facilitasse as coisas, e passei
a ser dolorosamente sincero com as minhas respostas.
- Tudo bem?
- Não.
- Por que?
- Ah, é complicado...
Eu também não me lembro ao
certo de quando foi exatamente que eu abandonei este instinto de justificar
constantemente minha condição sine qua
non de levar uma vida complicada. Talvez tenha sido quando eu finalmente me
convenci de que esse tipo de conversa geralmente partia de alguém que não
participa muito ativamente da minha vida, e que perguntou como ela está por
mero impulso. Claro que é uma generalização banal, motivada pelo meu
descontentamento crescente com a complicação que exala dos meus olhos
Machadianos de ressaca, e que apesar dos pesares, algumas pessoas talvez
queiram mesmo saber como eu estou. Mas o que acontece agora não dá muita brecha
para estas pobres vítimas do meu pragmatismo engatilhado.
- Tudo bem?
- Não.
- Por que?
- Ah... Porque não.
Você não quer saber. Eu tenho
certeza disso. E eu não quero contar. Sabe por que? Porque é complicado. E
pessoas não gostam de coisas complicadas. Coisas complicadas causam caretas,
ranger de dentes, constrangimento e, vez por outras, indignação de ambas as partes.
Da pessoa que está desabafando os desdobramentos infinitos da sua existência
complexa que descobre que seus problemas parecem ainda maiores em voz alta, e
da pessoa que está ouvindo e que se arrependeu de ter perguntado sem pensar no
que diria caso a resposta fosse “não”.
Engraçado como a gente nunca sabe bem o que dizer para alguém que diz “não” a
algo tão simples como isso. Mas eu não gosto de mentir. Pode não ajudar muita
coisa no contexto da complicação da minha vida, mas pelo menos não adiciona
nenhum peso adicional por querer fingir que “sim, a vida vai bem”, acompanhado por um interesse igualmente vazio
pela sua vida também.
Felizmente eu tenho pessoas na
minha vida que aceitam toda a minha complicação, e ainda a convidam para sair e
tomar alguma coisa nos finais de semana. Eles podem não estar lendo isto, ou
sequer leem algum capítulo que escrevo aqui, mas estão constantemente comigo de
algum jeito. Atravessando a complicação com toda a coragem e determinação que
conseguem reunir, só para não me deixarem sozinho. E eu entendo porque eles
fazem isso. As vidas deles são complicadas também. A de todo mundo é, Igor. O
que faz os seus problemas serem maiores do que os das outras pessoas? Eu não
sei. Talvez porque eles são meus...
***
Talvez as melhores pessoas
sejam mesmo complicadas, que levam vidas difíceis recheadas de problemas
esquemáticos e obstáculos infinitos. Talvez aquela noção de que existem pessoas
simples por aí com vidas pacatas, cujos maiores problemas são os complexos de
ócio criativo que inventam seja apenas um mito. Eu posso não ter uma vida
fácil, ou particularmente rica, ou até mesmo vagamente linear, mas sempre tenho
assunto para puxar conversa na mesa do bar. Se faz tempo que a gente não
conversa, e você me perguntar como eu estou, e estiver disposto a enfrentar meu
sarcasmo inicial, pode ter certeza que ouvirá muitas histórias. E você vai rir.
Porque se tem algo em que eu sou bom, é em conseguir enxergar a graça na minha
vida. Pode ser muito complicada, mas é deveras irônica. E eu tenho essa queda
irremediável por ironia que não me deixa evitar ver o quanto o universo é muito
engraçado, mas que algumas vezes a piada sou eu. Eu e toda a minha complicação.
Quem sabe só o que me falta
seja alguém tão complicada quanto eu, para me ajudar a esclarecer essas coisas.
Capítulo por capítulo, vírgula por vírgula, amor por amor.