segunda-feira, 20 de junho de 2016

O casamento do meu melhor amigo

(2004)

- ...e aí hoje, por acaso, eu consegui puxar um assunto com ela. Mas acho que fiquei com cara de idiota o tempo todo.
- O importante é que você falou com ela, cara. E eu que não faço a mínima idéia do que dizer para a Fulana quando ela chega perto?
- Tudo bem, nós somos igualmente ridículos. Talvez esta seja a base da nossa amizade!
- Isso aí!
- Você acha que vamos continuar sendo amigos daqui dez, vinte anos? Cada um com sua esposa, seus filhos... Revezando as casas um do outro para os almoços de domingo... Claro, se a Ciclana aceitar casar comigo até lá. Mas digamos que sim.
- Sei lá. Acho que sim. Vamos esperar pra ver.
- É, melhor assim. Eu nem sei o que dizer pra chamar a atenção da Ciclana também. Vou me concentrar no meu casamento primeiro, depois te aviso que horas é o almoço no domingo.
- Fechado.

***

Eu não soube o que dizer. Não sabia nem exatamente o que sentir. Estava emocionado, é claro. Mas o choque ao perceber o quanto a vida passa rápido sem dúvidas foi o que prevaleceu naquela tarde. Porque não era um dia como outro qualquer, de uma visita aleatória à minha cidade natal. Era uma ocasião especial. Uma cerimônia. Uma celebração que reuniu parentes e amigos para comemorar algo que eu tive a honra e a sorte de presenciar do primeiro banco da igreja, com a vista direta e privilegiada do altar. Não, não era mesmo um dia qualquer. Naquela tarde ensolarada de sábado, meu melhor amigo trocou votos e alianças com o amor da sua vida. E mais do que um amigo, eu fui seu padrinho.

Tivemos que refletir um pouco para fazer as contas, até a matemática finalmente bater e relevar exatamente a quanto tempo éramos amigos. Vinte e dois anos. Ele provavelmente foi o meu primeiro amigo nesta vida, considerando o contexto em que nos conhecemos – logo na pré-escola. Pelo que lembramos, eu era aquele que chorava em um canto o tempo todo porque estava em um lugar estranho e desprotegido. Um padrão que, convenhamos, eu não necessariamente abandonei; apenas o adaptei às minhas novas circunstancias. E o meu amigo, bom, tomou esta nomenclatura para si porque achava errado o modo como as outras crianças tiravam sarro de mim. Eu era filho único na época e não imaginava uma vida diferente. A vida, por outro lado, decidiu que seria melhor que eu a navegasse com um irmão – mesmo que não fosse por sangue.

Nós crescemos juntos; um pouco na minha casa, um pouco na dele. Nossos pais e mães eram “tios” e “tias” um do outro. Comemoramos aniversários juntos, passamos finais de semana à toa, dando risada de nada – absolutamente nada – por horas e horas. E quando eu precisava de ajuda – quisesse eu admitir ou não – ele estava lá para me apoiar. O amigo que se tornou irmão, que virou meu ídolo. Alguém que me inspirava a ser mais corajoso, mais esperto e, por que não?, menos desbocado para evitar arranjar encrencas gratuitas por aí.

Continuamos estudando juntos por anos, até o colégio ser forçado a nos separar porque nenhum professor dava conta de nós na mesma sala. Ensino básico, fundamental, médio, até a formatura do colegial. E a formatura dele no ensino superior depois disso, e a minha.

Eu me mudei de cidade algumas vezes desde então, enquanto ele saiu do país por uns meses. Mas nenhuma distância interrompia as conversas que tínhamos há anos, sem necessidade de dar um novo “oi”. Aliás, quando eu fui embora, nós nem nos despedimos. Ambos esquecemos, por acaso, que depois da última vez que saímos juntos, eu não estaria mais por perto. Talvez nós soubéssemos que não era nenhuma despedida. As melhores amizades, as que perduram, são aquelas que dispensam as despedidas.

No aniversário dele, eu escrevo textos. No meu, ele telefona. E nas festas de final de ano, sempre tentamos dar um “alô” um para o outro, para renovar os votos de saúde e felicidade para o ano seguinte. Tem sido assim desde que eu me conheço por gente. O companheirismo, o suporte, a continuidade.

Tudo isso me veio à mente quando eu o vi caminhar até o fim do corredor que levava ao altar da igreja. Uma felicidade absurda tomou conta de mim, como se aquele dia especial fosse meu e não dele, mas ambos sabíamos que era nosso. Depois de anos sendo protegido, escutando sermões e levando tabefes e socos pra que eu caísse na real e deixasse de frescuras, era a minha vez de ser o seu suporte. O padrinho da união entre ele e sua esposa, com testemunho assinado e certificado, que iria prezar por eles até que a morte separasse a todos nós.

***


Ele nunca lê o que eu escrevo. Acha meio “eh...”, mas ainda considera um ofício bacana que eu escolhi para mim. Felizmente, sua nova esposa lê e certamente fará questão de mostrar a ele o mais novo sentimentalismo transcrito do seu amigo. E deixo aqui para ambos os meus mais sinceros e profundos votos de felicidade para esta nova fase da vida que se inicia. O começo de um novo ciclo, uma nova família e um novo mundo que eu, por sorte, já anotei o endereço para visitar na próxima vez em que estiver pela cidade.


Eu costumava pensar que os dias mais felizes das nossas vidas deveriam envolver coisas que acontecem conosco, mas não é bem assim que a felicidade funciona. Felicidade de verdade mesmo é aquela que se compartilha. E o convite daquele casal para fazer parte do seu dia especial, foi a última vez que eu me peguei duvidando disto.