terça-feira, 22 de março de 2016

O outono do amor

*escrito em 13 de maio de 2013.

Eu sempre considerei o outono como o ensaio geral para o inverno. É a época de transição entre o fim temporário das peles expostas ao sol fins de tarde na beira de um bar, e o começo do nosso reencontro com os cobertores que passam meses guardados em cima do guarda-roupa e as blusas que hibernam enterradas dentro dele. E de todos os cafés e taças de vinho que acompanham a estação mais impiedosa do ano. Mas que, pelo menos, compensa por fazer durar mais os perfumes e embelezar um pouco mais a cidade com aquele tom levemente melancólico e nostálgico que só o ar ridiculamente rarefeito consegue produzir. E é durante esta época transicional em que as folhas das árvores caem para que possam florescer ainda mais belas na primavera seguinte, que as pessoas podem se inspirar a realizar algumas mudanças em suas vidas também. E para alguns poucos sortudos em especial, esta pode ser a hora de dar um tempo com os bares e as madrugadas em claro para passar mais tempo dentro de casa e debaixo de cobertores. Com um cappuccino em uma mão, e a mão de alguém especial na outra.

Antes do pôr do sol e o nascer da primeira madrugada gelada na cidade, eu me atrevi ir até o extremo do meu outono e vivenciar o amor de verão com o qual eu sempre sonhei. Capaz de causar inveja em qualquer primavera que eu já havia pensado que tinha sido boa. Isto porque, até então, eu sempre parei para apreciar o aroma das rosas sozinho. E com o passar dos dias e o cair das folhas, nem o frio ou a chuva que forçavam sua entrada sob a cidade e em minha vida eram capazes de esfriarem aquilo que parecia aquecer meu coração. A cada beijo trocado, cada passo dado em uníssono, e cada rua atravessada de mãos dadas. Pelo visto o amor não era possível apenas no verão enquanto ainda exista calor o suficiente para dar luz a ele. Nada tem a ver com a estação ou a temperatura, enquanto duas pessoas estiverem dispostas a enfrentarem quaisquer tempestades que não podem ser previstas, ou frentes-frias das quais não podemos escapar. Mas o outono, assim como tudo nesta vida, tem um começo, meio e fim. E apesar dele ainda não ter chego ao fim, deparei-me com um iceberg em meu coração tão grande que me senti perdido entre as estações. Como o meu amor pôde esfriar tão rápido, se nem as folhas terminaram de cair ainda?

Meu amor de outono durou quase o mesmo tempo que a estação. Foi uma temporada seca, sem chuvas à vista, com um sol escancarado durante as tardes, mas que sempre criava brecha para que se carregasse um casaco quando se saía de casa à noite. Foi uma estação de sorrisos e risadas como eu jamais pude imaginar ser capaz de expor em meu rosto. De longas caminhadas pela cidade e a redescoberta de lugares tão comuns, como praças, bancos, ou até mesmo as próprias ruas e suas curvas que agora possuíam tamanho significado para mim. Tanto significado que não é mais possível caminhar por eles sem sentir a nostalgia e a saudade do que construímos através deles. Por que não continuei em frente, se a caminhada estava me fazendo tão bem? Por que o outono não poderia durar para sempre?

Porque nada dura para sempre, e eu precisei parar quando senti que o inverno estava chegando. E que eu não seria capaz de enfrentá-lo com um compromisso suficiente para alcançar a primavera. Eu simplesmente não pude, porque você não está destinada a admirar as flores comigo. E a primavera que está reservada para você – a primavera que você merece – não receberia todo o sol que lhe é garantido, enquanto minha sombra estivesse no caminho. Você merece alcançar as borboletas e eu também, mas não chegaremos a elas se continuarmos de mãos dadas e insistindo em seguir direções opostas, sem encontrar nada a não ser chuva. Nada contra a chuva, mas em algum ponto nós precisamos admitir que permanecer debaixo dela nos faria mal. Nos adoeceria. E a nossa estação não teria um final feliz.

E assim o outono continua, porém sem nossas caminhadas enfeitando a cidade enquanto o gelo lentamente toma conta do ar e dos sentimentos das pessoas. A geada está próxima, trazendo medo a cada passo frívolo que dá em nossa direção. E a insegurança, a incerteza, a insensatez também... E talvez tenha sido isso o que acabou com o meu outono: descobrir que apesar de todos os planos de alcançar as borboletas, eu esteja frio demais para sobreviver até a primavera. E não seria capaz de manter você aquecida como deve ser até o calor do sol tomar conta da cidade de novo.

A estação ainda é a mesma, mas eu preciso admitir o inevitável, vestir minhas blusas e preparar um café bem quente e forte mais cedo este ano. Aproveite as últimas folhas que caem. Quanto a mim: seja bem vindo, inverno.