terça-feira, 15 de março de 2016

À procura da estabilidade


Talvez seja porque eu peguei essa mania do meu pai, que tem o espírito de administrador desde que eu o conheço por gente e não só por progenitor. Eu me lembro bem daqueles rituais burocráticos a cada fim de mês, pouco antes de fechar a loja e apagar todas as luzes, quando ele se colocava a postos para imprimir bobinas inteiras de relatórios antes de conceder aquele determinado mês encerrado, e para dar início a um novo período de vendas. E eu me lembro de sofrer, lentamente e dolorosamente, durante esse ritual. Porque nunca realmente parei para pensar no porquê de todo aquele cuidado ou daqueles relatórios. Até que eventualmente, ao longo de um novo mês, ele dava um jeito de me contar que estávamos crescendo. Em porcentual, é claro. Porque a curva de evolução da minha maturidade emocional sempre parecerá equivalente aos batimentos cardíacos de um sujeito em coma: constante, porém arrítmico.

E é sobre isso que eu estava pensando hoje. Sobre como aquele nosso ritual a cada fim de mês já não existe mais, mas que isso não necessariamente me impede de tirar um extrato mental do crescimento em percentual que a minha vida tem demonstrado. Porque exatamente um ano atrás, eu estava reclamando sobre o quanto eu não havia planejando a minha vida até o dia seguinte à minha formatura. Eu simplesmente não sabia o que iria acontecer ou o que seria de mim, e o quanto eu senti mais frustração por mim mesmo do que medo pelo futuro. Eu deveria ter alguma carta escondida na manga... Ou algum plano B... Não deveria?

Meu pai provavelmente teria. O que só acrescenta ironia às minhas estatísticas.

***

Pensando sobre os altos e baixos que eu já tive neste ano que eu mal conheço, mas já considero “pacas”, eu percebo o quanto fazer planos é invariavelmente infame. Do que adiantou construir castelos em sonhos, se eles acabaram mudando de endereço? De que serviu imaginar o que eu faria em determinadas situações, se eu me pego agindo mais maleável a mudanças do que eu sequer considerei que seria capaz um dia? Talvez esse seja o segredo das vendas, bem como o da vida em si: pare de imaginar que as coisas serão do jeito que você imaginou que elas seriam.
Porque os relatórios do meu pai, embora feitos de maneira minuciosa, sempre continham suas sequelas de estornos e margens de erro. E com a minha vida não tem sido diferente.

Tudo o que o meu pai queria era estudar aqueles relatórios e descobrir que as coisas estavam melhorando. Que a sua procura por estabilidade estava cada vez mais perto de acabar, para que ele finalmente pudesse relaxar e deixar de lado seus percentuais de vendas e sua calculadora científica que, por sinal, eu jamais aprendi como funciona. Mas não foi assim que a nossa vida se desenrolou. Pelo contrário; talvez a nossa felicidade estivesse escondida nas pequenas anotações de rodapé de todos aqueles extratos. Porque nem a loja nem os relatórios mensais existem mais, mas nós continuamos aqui. Vivendo, aprendendo, crescendo e multiplicando nossos ganhos.

E então eu percebi que a minha procura por estabilidade ainda não está nem sequer perto de terminar, e o quanto isso é algo realmente bom. Porque eu nunca precisei depender de relatórios para saber o quanto eu estava crescendo, e o quanto a minha felicidade sinceramente depende das margens de erro das escolhas que eu faço. Foi assim que eu cheguei até aqui. E é assim que eu sigo em frente.

Minha economia pessoal só pode começar a mudar se eu projetar um futuro melhor. É pra isto que servem esses relatórios literários aqui.