quinta-feira, 10 de março de 2016

Relacionamentos imaginários II


*Escrito em 19 de Novembro de 2013.

Eu desisto. Como se as pessoas já não fossem difíceis o bastante de entender. Mesmo em seu habitat natural, com suas coisas, suas neuroses, seus problemas, seus parentes e suas contas pra pagar. Conceber a união entre dois seres igualmente disfuncionais e provavelmente semelhantes em seus desajustes e incoerências é demais pra mim. Talvez esteja cedo demais na minha vida para decretar uma opinião concreta sobre isto, muito menos duradoura ou perpétua, mas eu cansei. E não é porque eu não tenho nada de mais acontecendo na minha vida ultimamente a não ser pelas maratonas que o Netflix agora me permite fazer, mas eu desisto. Eu cansei. Existem vezes em que eu ainda consigo assimilar o sentido que algumas pessoas atribuem a si mesmas e as merdas que elas fazem, mas eu definitivamente não entendo relacionamentos.

Como eles começam? Do que se alimentam? Fazem bem à saúde? Isso o Globo Repórter não mostra. Particularmente falando, confesso que não sei nem ler os sinais de que algo ou alguém está demonstrando ser promissora. Você é assim mesmo, legal e descontraída, ou está me dando mole porque percebeu e imediatamente decidiu que seria inútil lutar contra o fato de que eu sou irresistível? Ah, não? Você é só legal mesmo? Foi mal. E lá se vão meses de felicidade ao tentar juntar as pequenas peças do quebra-cabeça de uma nova paixão e os momentos de êxtase quando facilmente me engano e acredito que algumas peças realmente vão juntas, e que isto é um sinal do universo de que estamos destinados a ficar juntos e que tudo dará certo e... Não, Igor. Não.

E lá se vão também meses de desilusão, músicas tristes, olhares pensativos em janelas embaçadas enquanto a chuva cai lá fora e reflete o tempo nublado como metáfora para a minha alma cinzenta que aos poucos tenta se conformar com a sua ausência. Lá se vão meses de inconformidade enquanto você passa por mim e se mantém completamente alheia ao fato de que nós fomos feitos um para o outro, mas que eu vou esperar por você enquanto você não percebe que apesar desse cara ter carro, dinheiro, um belo sorriso e nem um pingo de neurose nos seus músculos bem definidos, ele jamais será como eu que... Que... Que assistiu a nova temporada de House of Cards em apenas dois dias! Rá! Quero só ver ele superar esse tipo de comprometimento.

Eu também não entendo como eles terminam. Quer dizer, quando eles terminam. Ou então, quanto eles terminam de terminar. De acordo com as experiências que eu ouço falar por aí, são coisas diferentes. Por que eles terminam, se por algum tempo funcionou? Algo quebrou? Alguém deu defeito? Ou alguém viu um defeito que não tinha aparecido ainda, e aquilo foi a gota d’água? E aqui entram de tudo: ela não confiava em mim, ele não me amava de verdade (e o que é “amar de verdade”?), ela só quer me controlar, ele era muito ciumento, ela tinha medo de ficar sozinha, ele não estava comigo... E então o amor acaba.

Eu não acredito que o amor sempre acaba. Parte de mim, meio à melancolia, o desânimo e a preguiça, ainda é bastante otimista e me faz pensar que pode sim dar certo. Dá trabalho. Muito trabalho. Mas pode dar certo. Só que quando não dá, pra onde vai todo aquele amor, que era tão amável até então? É transferido para a próxima da fila? Ou a gente guarda pra si, igual quem fica remexendo as chaves guardadas no bolso ou fica atualizando o Facebook, esperando por algo ou alguém aparecer de novo, para abrir a porta de novo e mandar uma nova mensagem. Confesso que um “oi” de alguém que eu ainda não conhecia já salvou o meu dia. Pra não falar de muitas outras noites solitárias. Confesso que algumas dessas pessoas, eu já não consigo mais viver sem. Confesso, também, que outras pessoas eram muito mais interessantes quando eu não as conhecia direito. E que, vez por outras, teria sido melhor dar mais atenção ao que o Netflix me recomenda para assistir do que continuar sendo protagonista dos desencontros em que eu me meto por aí.

Então para que servem os relacionamentos? São trabalhosos, enrolados, consumidores, estressantes, fatigantes, irracionais, e, pelo que parece, finitos. Como se quando duas pessoas decidissem se unir, isto gerasse uma contagem regressiva imaginária que atua sobre o amor delas. E a contagem o diminui a cada dia que passa, a cada briga que é mal resolvida, a cada olhar torto que é trocado e cada beijo distraído e sem carinho que é compartilhado. Como se todo esse esforço fosse em vão. Mas as pessoas insistem, especialmente quando estão carentes, decepcionadas ou desesperadamente querendo enxergar qualquer coisa que acontece como um sinal do universo. Como comprar iogurte no supermercado que está em promoção porque está próximo do seu prazo de validade. Algumas pessoas justificam que isto é viver. Correndo riscos porque a vida é curta e só nos arrependeremos do que não fizemos. E caso dê errado, pelo menos você se divertiu por um tempo. Pelo menos você aproveitou. Que seja eterno enquanto dure. E eu já comprei muito iogurte assim. E por iogurte, entenda como mulheres que não estavam nem aí. E por isto mesmo eu deveria ter desconfiado do preço. Não adianta muito justificar que valeu a pena depois, quando já está passando mal. Vomitando todo o amor que você engoliu, achando que era quase igual ao que não estava para vencer. Pensando que era bom. Esperando que fosse diferente.

Eu não entendo relacionamentos, mas parte de mim ainda sente falta de alguém. Não necessariamente de dormir com alguém, mas de acordar na manhã seguinte e te ver com a camisola bagunçada, com uma das alças caindo, descabelada e rindo comigo sobre qual de nós dois vai levantar pra ligar a cafeteira. Pra andar de mãos dadas por aí, não interessa pra onde, só pelo prazer de estar ligado a você. Só pela alegria de me sentir acompanhado, seguro, contente. Eu imagino que seria bom. Alguém pra animar os meus Sábados à noite, enlouquecer os meus Domingos, e dizer que sente a minha falta durante a semana. Ou simplesmente, alguém para passar o fim de semana inteiro na cama comigo em perfeita inércia. Vasculhando o catálogo da Netflix e tentando entrar em um consenso sobre o que vamos assistir. Alguém que me fizesse não me importar mais com o que estivesse na tela, porque a pessoa ao lado seria muito mais interessante...

Alguém pra cuidar. É, alguém pra cuidar... Eu gostaria disso. Eu sinto falta disso.

Ou talvez tudo isso seja só o meu medo transcrito em palavras, com esperança nas entrelinhas de que alguém leia isto e me convença de que, apesar de não fazer sentido, ainda vale a pena sim. Nem todos os iogurtes estão prestes a vencer, e nem todo o amor acaba derramado no chão com duas pessoas chorando por ele. Talvez ser feliz, por incrível que pareça, não se resuma a assistir séries. Felicidade é outra coisa que eu também não entendo completamente. Mas temporadas de amor, quando são bem escritas, tendem a durar bastante.

É... Eu não vou desistir. Só não prometo que vou maneirar nas séries. Better Call Saul tem um episódio novo toda terça-feira. Alguns compromissos são simplesmente inadiáveis na falta de alguém imperdível.