*Escrito em
24 de Agosto de 2014.
Quando eu
não desperdiço o meu tempo ao ficar pensando sobre como eu desperdiço o meu
tempo, meu ócio criativo também passa por momentos aleatórios de otimismo e
esperança que me fazem repensar sobre a vida e afins. E geralmente esses
momentos tendem a me iluminar ainda mais quando estou sentado na sacada com
alguém tomando um tereré e filosofando sobre... Bom, qualquer coisa. E foi em
um desses dias em que eu ouvi um absurdo tão espontâneo que resultou em uma
teoria mais improvisada ainda, mas que perdurou nas engrenagens dos meus
pensamentos preguiçosos por algum tempo.
- Eu acho
que estou feliz, mas não tenho certeza.
- Isso é
normal. A gente nunca tem certeza de quando está feliz. Quer dizer, tem sim.
Por uns cinco ou dez minutos. A partir daí é uma curva decrescente que resulta
em dúvida, ansiedade e ataques aleatórios de pânico e auto-destruição
intelectual.
- Ok... E
como você explica isso?
- Ué. A
gente sempre sabe quando está triste. É quase palpável. Tem gente que falta só
pendurar uma placa ao redor do pescoço com a frase, “Vá embora, estou triste!”.
Mas quando a gente está feliz, não. Isto é, no começo é visível. Não precisa
nem de placa porque o sorriso estampado no rosto não deixa espaço para outras
sinalizações. Mas não dura. Felicidade genuína tem a mesma duração que o gás da
Coca-Cola. Com o tempo o refrigerante vai perdendo o gás, mas nem por isso ele
deixa de ser bom.
- Eu não
gosto de Coca-Cola sem gás.
- Não conta.
Você é fresca. Mas olha só, raciocina comigo: sabe quando você está naquele seu
tradicional coma de seriados, trancado em um quarto escuro para não deixar o
reflexo da vida lá fora atrapalhar a visão do seu monitor, completamente alheio
ao resto da humanidade que não entende porque você assiste aquele seriado tão
ruim?
- Ok, estou
com você até agora. Continue...
- Então... Um
corpo parado assistindo uma temporada inteira de um seriado qualquer tende a terminar
esta temporada no conforto da sua inércia, certo? Mas em algum momento você
levanta para ir até a cozinha e buscar alguma coisa na geladeira para deixar a
sua inércia mais apetitosa. Como, por exemplo, as sobras da pizza da noite
anterior.
- Hum...
Pizza de frango com catupiry.... Por falar nisso, ainda tem a minha parte, né?
- Melhor não
entrarmos nisso agora. Continua comigo! Olha só; você vai até a geladeira, abre
a porta e não encontra a pizza. A pizza acabou. Você já comeu tudo e nem se
lembra. O que você sente?
-
Tristeza... E raiva, agora que eu sei que foi você quem comeu tudo.
- Não perca
o foco! Olha só, vou encher o copo de tereré pra você e pode pular a minha vez.
Agora imagine um outro dia qualquer, uma terça-feira gorda e abafada. Você está
entediada em casa, já assistiu todos os filmes que você tem no mínimo três
vezes, não tem ninguém legal online para conversar no momento, aí você levanta
e vai para a cozinha. Abre a porta da geladeira e revisa tudo o que tem dentro
dela. O que você quer?
- Nada, eu
acho... Aliás, por que a gente faz isso? Abre a porta da geladeira sem saber o
que quer, fica lá parado só olhando, depois fecha sem pegar nada e volta pro
quarto?
- Pelo mesmo
motivo que a gente não sabe que é feliz e fica se questionando. Quando a gente
fica triste, não há dúvidas. A falta é óbvia, é clara, é obscena. Agora, quando
a gente fica feliz, igual quando a pizza chega, é uma festa que dura uns dois
ou três pedaços. Depois a gente fica preguiçoso, cansado, distraído... E se
questiona se comeu demais, se arrepende porque o esforço da semana na academia
já era mas que foi por uma boa causa, etc... Mas nem por isso a gente para de
procurar pela felicidade plena. Especialmente no dia seguinte, quando a gente
reencontra as sobras, que são as alegrias aleatórias que sempre restam mas que
tendem a ser mais sutis.
- O que você
quer dizer, então, é que eu estou feliz e não sei disso?
-
Exatamente. Você está triste?
- Não...
- Então você
está feliz. Qualquer meio-termo que flutue entre uma coisa e outra é assunto
para outra discussão, outra teoria, outra metáfora. Mas agora eu estou com
preguiça, então aceite estar feliz e se contente com isso. E me passa o tereré.
- Ok... Mas
isso não justifica você ter comido a minha parte da sobra da pizza de ontem.
- Outro
exemplo clássico de como algumas coisas simplesmente não sabem ser felizes e
ficam procurando problemas. Veja bem, imagina comigo...
***
Dia desses a Joyce
comprou uma jarra nova de tereré para deixar as nossas tardes e noites na
sacada mais felizes. E durante os primeiros instantes de vida inanimada dela
dentro da nossa casa ela nos deixou mesmo muito felizes. Mas como é de praxe da
tragédia do mundo, nós massacramos a jarra com a nossa existência medíocre e
desajeitada ao tirar a tampa para enchê-la pela primeira vez, e tivemos a
infeliz frustração de jamais conseguirmos alinhar a tampa na jarra igual como
ela estava antes.
- Cara, como
pode a gente ter tanto azar?
- Não é
azar, Joyce, é a história da minha vida se repetindo.
- Mas o
que?!
- Claro.
Minha vida é tão torta quanto essa jarra. Minha felicidade é tão desalinhada
quanto essa tampa. Marque minhas palavras: se um dia eu conseguir alinhar a
tampa dessa jarra de novo, será o dia em que eu finalmente atingirei a
felicidade plena.
- Eu ia
sugerir comprar uma jarra nova, mas tudo bem. Você e suas metáforas...
Até a presente data eu
ainda não consegui alinhar aquela maldita tampa, mas tudo bem. Mais refrescante
do que o tereré em uma tarde ensolarada de Domingo, é a esperança que eu sinto
ao prepará-lo antes de tentar fechar a tampa da jarra mais uma vez.
Se isso não é pensamento
positivo, então eu não sei o que é.