Com pouco menos de um mês de aulas,
fiquei sabendo que uma garota abandonou o curso. Não tive tempo de conhecê-la;
só a vi de passagem pelos corredores algumas vezes, e sentada em uma das
carteiras mais ao fundo da sala. Sabia seu nome, nada mais. Eventualmente a
gente descobre um pouco mais das pessoas que convivem no mesmo espaço que nós,
dia após dia. Aprendemos do que dão risada., ou de que matérias gostam mais...
Até que, enfim, quando menos se espera os lugares já parecem estar marcados.
Todos já se sentem a vontade o suficiente de chegar até mesmo um pouco
atrasados, porque sabem que haverá um lugar guardado pare eles. O temor dos
primeiros dias lentamente se dissipa, e a intimidade pelo lugar e por suas
pessoas o substitui. Somos empurrados pelo tempo de uma terra desconhecida para
o que se torna um novo porto seguro, mas para isso é preciso atravessá-lo; vivenciá-lo,
inclusive, se possível. E se não for, apenas aguardar que esse tempo passe.
Talvez
aquela garota não quisesse esperar. Ou talvez simplesmente não pudesse. Talvez
ainda não soubesse como. Eu sempre achei trágico o quanto os dezessete anos
forçam os jovens a demonstrar um nível de maturidade profissional que nem
sempre lhes compete. Claro que existem aqueles que sabem o que queriam ser
quando crescessem desde os cinco anos, e fico feliz por eles. Esses atravessarão
a vida sentindo-se bem mais tranquilos – pelo menos quanto a isto. Mas eu
sempre fui de outro tipo. Do tipo que faz escolhas com um pé atrás, porque não
sabe realmente o que quer desta vida. E pela insegurança que o passado arrasta
consigo, junto à ansiedade que o futuro apresenta, nós sabotamos o presente. E
em mais uma hipótese que crio aqui, levemente nutrida pela minha constante
insegurança, talvez eu saiba por que o fato daquela garota ter largado o curso
tão cedo tenha mexido comigo. Porque a tantos anos atrás, eu fiz a mesma coisa.
E o arrependimento deixou suas marcas sensíveis até hoje.
O
arrependimento viaja em conjunto com o tempo. Passam à mesma medida em que nos
envelhecem e nos educam. Mas dizer que me arrependo do que fiz após largar o
Jornalismo seria injusto com a vida que construí a partir disso. E também com
todas as pessoas que conheci nesta vida, que invariavelmente colaboraram para
que eu conseguisse voltar a esse ponto. Nem sempre a vida nos dá a chance de
retornar a uma encruzilhada para que optemos pelo caminho que escolhemos não
trilhar da primeira vez. Mas quando ela dá, o mínimo que é esperado de nós é um
pouco de reconhecimento. E gratidão é uma arte que ainda estou tentando
aprimorar em mim.
Acho que só
o que eu quero dizer é que espero que aquela garota não se arrependa. Nenhum de
nós sabe discernir bem qual é o certo ou o errado a ser feito. A vida é feita
de chances e apostas. E de aceitação e adaptação às conseqüências que são
desenroladas por nós. Talvez este não fosse mesmo o seu caminho, e ela está
certa em fazer uma mudança. Há quem se acomoda e segue a vida em piloto
automático, sem saber exatamente aonde quer chegar, mas com pressa de que a
jornada termine logo. Mas o que mais mexeu comigo em saber disso realmente foi
em aprender a ser grato pelo tempo. Porque em menos de um mês eu já descobri
pessoas incríveis. Cheias de sonhos e histórias que trazem consigo todos os
dias para aquela sala de aula. E que também se interessam em saber de mim e do
caminho longo e tortuoso que tomei para encontrá-los ali.
O
arrependimento é como uma âncora que nos prende no passado. Talvez você precise
abrir mão de quem você foi e da vida que você levava, para se tornar a pessoa
que você será na vida com a qual você sonha. Foi isso que eu pensei no mesmo
dia em que soube da desistência daquela garota. Enquanto alguém tomava um rumo
semelhante ao que eu tomei anos atrás, eu estava finalmente grato por ter tido
uma segunda chance de retornar àquele ponto. E era um lugar que, a cada dia que
passa, estava provando ser tudo aquilo que eu acreditava que pudesse ser.
O lugar
certo.
***
E talvez
seja verdade o que dizem sobre o lugar certo e a hora certa para as coisas
acontecerem. Eu sempre soube que Jornalismo era mesmo o meu lugar. O problema
era o meu timing...