sábado, 19 de março de 2016

O primeiro período


Com pouco menos de um mês de aulas, fiquei sabendo que uma garota abandonou o curso. Não tive tempo de conhecê-la; só a vi de passagem pelos corredores algumas vezes, e sentada em uma das carteiras mais ao fundo da sala. Sabia seu nome, nada mais. Eventualmente a gente descobre um pouco mais das pessoas que convivem no mesmo espaço que nós, dia após dia. Aprendemos do que dão risada., ou de que matérias gostam mais... Até que, enfim, quando menos se espera os lugares já parecem estar marcados. Todos já se sentem a vontade o suficiente de chegar até mesmo um pouco atrasados, porque sabem que haverá um lugar guardado pare eles. O temor dos primeiros dias lentamente se dissipa, e a intimidade pelo lugar e por suas pessoas o substitui. Somos empurrados pelo tempo de uma terra desconhecida para o que se torna um novo porto seguro, mas para isso é preciso atravessá-lo; vivenciá-lo, inclusive, se possível. E se não for, apenas aguardar que esse tempo passe.

Talvez aquela garota não quisesse esperar. Ou talvez simplesmente não pudesse. Talvez ainda não soubesse como. Eu sempre achei trágico o quanto os dezessete anos forçam os jovens a demonstrar um nível de maturidade profissional que nem sempre lhes compete. Claro que existem aqueles que sabem o que queriam ser quando crescessem desde os cinco anos, e fico feliz por eles. Esses atravessarão a vida sentindo-se bem mais tranquilos – pelo menos quanto a isto. Mas eu sempre fui de outro tipo. Do tipo que faz escolhas com um pé atrás, porque não sabe realmente o que quer desta vida. E pela insegurança que o passado arrasta consigo, junto à ansiedade que o futuro apresenta, nós sabotamos o presente. E em mais uma hipótese que crio aqui, levemente nutrida pela minha constante insegurança, talvez eu saiba por que o fato daquela garota ter largado o curso tão cedo tenha mexido comigo. Porque a tantos anos atrás, eu fiz a mesma coisa. E o arrependimento deixou suas marcas sensíveis até hoje.

O arrependimento viaja em conjunto com o tempo. Passam à mesma medida em que nos envelhecem e nos educam. Mas dizer que me arrependo do que fiz após largar o Jornalismo seria injusto com a vida que construí a partir disso. E também com todas as pessoas que conheci nesta vida, que invariavelmente colaboraram para que eu conseguisse voltar a esse ponto. Nem sempre a vida nos dá a chance de retornar a uma encruzilhada para que optemos pelo caminho que escolhemos não trilhar da primeira vez. Mas quando ela dá, o mínimo que é esperado de nós é um pouco de reconhecimento. E gratidão é uma arte que ainda estou tentando aprimorar em mim.

Acho que só o que eu quero dizer é que espero que aquela garota não se arrependa. Nenhum de nós sabe discernir bem qual é o certo ou o errado a ser feito. A vida é feita de chances e apostas. E de aceitação e adaptação às conseqüências que são desenroladas por nós. Talvez este não fosse mesmo o seu caminho, e ela está certa em fazer uma mudança. Há quem se acomoda e segue a vida em piloto automático, sem saber exatamente aonde quer chegar, mas com pressa de que a jornada termine logo. Mas o que mais mexeu comigo em saber disso realmente foi em aprender a ser grato pelo tempo. Porque em menos de um mês eu já descobri pessoas incríveis. Cheias de sonhos e histórias que trazem consigo todos os dias para aquela sala de aula. E que também se interessam em saber de mim e do caminho longo e tortuoso que tomei para encontrá-los ali.

O arrependimento é como uma âncora que nos prende no passado. Talvez você precise abrir mão de quem você foi e da vida que você levava, para se tornar a pessoa que você será na vida com a qual você sonha. Foi isso que eu pensei no mesmo dia em que soube da desistência daquela garota. Enquanto alguém tomava um rumo semelhante ao que eu tomei anos atrás, eu estava finalmente grato por ter tido uma segunda chance de retornar àquele ponto. E era um lugar que, a cada dia que passa, estava provando ser tudo aquilo que eu acreditava que pudesse ser.

O lugar certo.

***
 E talvez seja verdade o que dizem sobre o lugar certo e a hora certa para as coisas acontecerem. Eu sempre soube que Jornalismo era mesmo o meu lugar. O problema era o meu timing...