quarta-feira, 30 de março de 2016

Precisamos conversar


Essas provavelmente são as duas palavras mais assustadoras que uma pessoa pode ouvir. Por que você “precisa” falar comigo? Em vês de só conversar, livre e arbitrariamente? O que foi que eu fiz? Já estava assim quando eu cheguei! Você deve ter entendido errado... Não foi aquilo que eu quis dizer. Ou foi, não sei. Mas talvez eu tenha dito com a entonação errada. É isso; você não me ouviu direito! Ou eu disse errado... Ou eu fiz errado? Ou eu não fiz nada, e você esperava que eu tivesse feito... O que você quer afinal? Me diga agora! Não deixe para depois o castigo que você quer me dar agora. Por que tem que ser pessoalmente? Por que algo tem que ser dito afinal?! Eu achei que estava tudo bem... O que está acontecendo?!

O que aconteceu foi que as pessoas não conversam mais. Vide a necessidade de pedir a você que tiremos um tempo das nossas vidas ocupadas, nossos compromissos inadiáveis e das nossas outras mil pessoas em nossas vidas, para falar sobre nós e como estamos. E, principalmente, sobre o que vamos fazer. Porque não está tudo bem. Nós podemos continuar fingindo que está, e empurrar com a barriga até aonde der, mas e aí? Tudo tem limite. Inclusive nós. E quando passarmos dele não me diga que eu não tentei.

O silêncio grita. As palavras não ditas sufocam. E as decepções que se mantém escondidas atrás de um sorriso amarelo e torto podem ser o gatilho definitivo para o fim de qualquer relacionamento, amizade ou ligação entre duas pessoas que se importam muito uma com a outra. Até alguém fazer algo que o outro não gostou. Só que em vês do outro dizer que não gostou, ele guardou para si. Talvez porque quis se convencer de que aquilo não teve importância. Ou de que aquilo não machucou. Ou de que você não quis dizer aquilo. E aí acabamos conversando com nós mesmos para evitar admitir que precisamos conversar um com o outro. Porque eu, comigo mesmo, me entendo bem. Mesmo quando pareço estar perdido, eu me entendo. Assustador mesmo é o outro. No que você poderia estar pensando...?

Pior mesmo é quando eu e você não só evitamos de nos falar, mas trazemos reféns inocentes ao nosso eixo do mal-entendido. E repetimos a história tantas vezes que acabamos por decidir que conversar não adianta. Porque se você realmente se importasse, não teria dito o que dito. Porque Fulano entendeu o que eu senti, enquanto você não percebeu nada. Esse é o problema dos relacionamentos atuais: às vezes quando você pensa que não disse nada, o outro faz do seu nada o universo. E não só é capaz de se perder nele, mas se fere cada vez mais a medida que insiste em não avisar a você que aquilo doeu. Ou que você não parece mais o mesmo. Que você sumiu. Que eu sinto a sua falta. Que nós precisamos nos ver. E que tudo isso só vai ser possível se a gente sentar, olhar nos olhos um do outro e dizer tudo o que queremos dizer. Tudo o que precisamos dizer.

Quanto a mim, ultimamente eu tenho dado crédito instantâneo a qualquer um que se disponha a me dar atenção. Não é questão de auto-estima baixa, carência ou transtorno bipolar. Mas se tem uma coisa que o tempo me ensinou é que não só os amigos de verdade são muito mais significativos do que as companhias abstratas de balada que nós arrumamos por aí, como a reciprocidade que eu venho recebendo deles é muito mais importante do que qualquer foto em conjunto que participei na festa durante o último final de semana. Eu gosto das pessoas. Especialmente, das minhas pessoas. Gosto de conversar com elas, de saber como foi o seu dia e de como você está. Se tiver algo que eu possa fazer, me diga. E se tiver algo que está me incomodando, nada mais justo do que eu avisar a você de que não, não está tudo bem.

Não é a toa que fazemos manutenções preventivas em aparelhos e máquinas para impedir que elevadores despenquem do ar, ou para limpar nossos discos rígidos de vírus que os impedem de funcionar direito. Mas e quanto a impedir que nossos relacionamentos atrofiem? O que aconteceu com o tempo em que nós conversávamos só por conversar. Quando estávamos contentes só por estarmos juntos. Quando não precisávamos de nada a mais um do outro, porque estávamos em tamanha sincronia que você sempre era capaz de perceber que eu estava precisando de um abraço, ou de uma palavra amiga. Às vezes só precisava de um conselho ou, quem sabe, uma direção. E na grande maioria das vezes, eu simplesmente precisava de que você estivesse aqui. Ou de que você me procurasse de vez em quando também.

Para mim, mais assustador do que ouvir alguém dizer que precisa falar comigo, é quando alguém com quem eu conversava muito já não parece mais tão ansiosa para que troquemos palavras. E cá entre nós, ultimamente eu venho aprendendo cada vez mais que não existem pessoas importantes na vida com as quais é preciso conversar, porque elas geralmente costumam estar sempre por perto.

Mas ainda há aquelas que decidem falar tarde demais.

*Escrito em 02/09/2013.