*Escrito
em 12 de Junho de 2013.
Ela me
fazia sorrir. De tudo é disso que eu
mais me lembro. Ela me ensinou a sorrir de novo, quando eu já estava acostumado
a aparecer sempre com a mesma cara fechada e aparentemente séria em todas as
fotos por aí. Ela me fez questionar mais as coisas. Me fez pensar em tudo que
eu costumava dizer e fazer para as pessoas e para mim mesmo, e o que tudo
aquilo realmente significava. Me fez perceber que eu falava muito e fazia muito
sem pensar em nada antes. Ou, que eu poderia me tornar um prisioneiro das
minhas próprias palavras e atitudes se eu não começasse a me segurar um pouco
e, por que não?, cuidar de mim um pouco mais. Ela disse que eu poderia baixar a
guarda e relaxar, porque ela cuidaria de mim. Eu nunca pensei que seria mais
fácil sair por aí sorrindo de novo do que simplesmente baixar a guarda. Anos de
decepções podem ser facilmente disfarçados com um pouco de otimismo nos lábios,
mas confiar em outra pessoa sem me preocupar em ter um plano B guardado no
bolso já é outra história. Outra história que, apesar de ter ido longe desta
vez – a ponto de se tornar física, verdadeira, cativante e excitante – acabou
se repetindo.
Ela era linda e graciosa, apesar de levemente desastrada e
esquecida. Era engraçada e acidamente sarcástica. Não teve como não me
apaixonar. Seu olhar era enigmático, mas um pouco perdido às vezes. Como se
olhasse ao redor, por toda parte, à procura de respostas que não existiam para
perguntas que realmente não importavam, mas que a incomodavam mesmo assim. Sua
risada era alta e contagiante. Era o que mais me fazia sorrir, especialmente
quando eu era o autor daquela risada. E durante cada instante que estávamos
juntos, eu precisava sempre segurar sua mão, ou abraçá-la mesmo quando
tentávamos andar juntos por aí. Eu precisava segurá-la de algum jeito, talvez
para ser realmente capaz de acreditar que ela era real e estava mesmo ali
comigo. Andando comigo. Rindo comigo. Amando comigo.
Era tudo muito novo e assustador, mas tentador demais para
deixar minha capacidade natural de auto-sabotagem abortar a campanha toda. E
por um tempo a minha paranoia realmente acalmou-se. E as pessoas passaram a me
ver diferente. Eu parecia mais leve, mais despreocupado, menos com cara de
sério. Mais feliz, até. Não que eu não fosse feliz antes, mas havia algo nela
que despertava algo a mais em mim. Algo que até então eu não havia conhecido,
nem pensava que conheceria um dia. Não, não era amor. Eu já havia sentido amor
antes. Já tive amor antes e tenho as cicatrizes para provar. Isso era outra
coisa. Era como se a satisfação da felicidade tivesse se juntado com o conforto
do amor. Sabe o que era mesmo? Segurança. Ela me fazia sentir seguro, mesmo sem
ter sido capaz de realmente baixar a guarda.
Ela me ensinou que era preciso aceitar as pessoas como elas
são. Desde os amigos até os familiares, os distantes e os pedestres na rua.
Inclusive a ela e a mim mesmo. Nós éramos o que éramos, e era preciso aprender
a conviver com isso se ser feliz fizesse parte dos planos. Ela me ensinou a não
ter tanto medo, e a admitir que às vezes eu preciso de ajuda. Que eu não
preciso dar conta de tudo sozinho. E quando o mundo parecia desmoronar, ela me
deu colo. De verdade. E eu não queria sair dali tão cedo. Era um apoio, um
porto seguro no meio de tanta tempestade. Tanta correria, tantos compromissos,
tantas pessoas. Era amor no meio de tantos desafetos. E era muito bom. Qual foi
o problema então?
Acontece que eu me sentia muito bem. Muito bem mesmo. Pela
primeira vez em muito tempo – só não me arrisco a dizer “pela primeira vez na
vida”, porque minha memória não é tão boa assim e meu coração parou de contar as
derrotas já faz algum tempo – eu estava me sentindo feliz comigo mesmo. Mas ela
não. O mesmo porto seguro que me passava segurança e carinho, era o mesmo que
se sentia por um fio o tempo todo, todo dia, e até mesmo incapaz de servir de
apoio para alguém. Ela achava que não servia para isto, ou até mesmo para nada.
Ela conseguia me fazer sorrir por fora, até mesmo quando eu estava me sentindo
bem por dentro, mas meus músculos faciais não colaboravam. Os dela eram
perfeitos, mas ela não sorria por dentro. Quando arriscava elaborar um rascunho
de sorriso banguela, ele não durava muito tempo.
Sempre havia mais alguma coisa dentro dela que o abafava de
volta à imensidão do seu coração ferido e à deriva. E não havia nada que eu
pudesse fazer para ajudá-la a não ser tentar ser paciente e esperar pelo
melhor. Esperar que nós ficássemos bem e aceitar que nós éramos felizes,
enquanto metade de nós estava lutando para sobreviver. Eu a fazia rir sim, mas
não era bom o bastante. Eu segurava sua mão sempre que podia durante cada passo
que dávamos juntos, mas e quando precisávamos desviar de algum obstáculo e eu
não estivesse por perto para trazê-la de volta à calçada? Existe uma linha tênue
entre amor e dependência. E se você quiser mesmo ser feliz vai precisar saber
enxergá-la. Especialmente, quando a ultrapassar.
Ela me fez sorrir de novo, e às vezes eu ainda esboço alguns
movimentos faciais bem sucedidos e arrisco até mostrar alguns dentes para as
pessoas como sinal de contentamento. Mas quando eu digo que era preciso seguir
em frente, cada um pro seu lado, não é porque a primeira pedra no caminho me
fez tropeçar e desistir da caminhada toda. Não era ela e os seus problemas; era
eu mesmo. E o meu ego. Meu ego apocalíptico e imprudente que se sentiu
encarregado de tirá-la daquele sofrimento. De fazê-la feliz a todo custo. E que
quando descobriu que não seria capaz, que não dependia só de mim e às vezes não
há mesmo nada a fazer a não ser ter paciência e simplesmente estar do lado de
alguém enquanto esta procurava por respostas inexistentes para perguntas
inúteis. Eventualmente alguém chegará a algum resultado e tudo ficará bem de
novo, mas foi uma verdade dolorosa demais para mim. Ela me fez sorrir de novo,
e tudo que eu queria era salvar a sua vida em troca. E quando o mundo tornou-se
grande demais para acolhê-la em meus braços, eu a deixei ir. E quase perdi a
direção de tudo que já havia conquistado do melhor ano das nossas vidas.
Eu não posso salvar a vida de ninguém. E enquanto eu não
aceitar este fato, é melhor eu continuar tentando sobreviver do meu jeito e
ajudando os outros ao meu redor aos poucos, conforme eu puder.
Com um sorriso de cada vez, talvez.