quarta-feira, 9 de março de 2016

Sorria ou Como salvar uma vida


*Escrito em 12 de Junho de 2013.

Ela me fazia sorrir. De tudo é disso que eu mais me lembro. Ela me ensinou a sorrir de novo, quando eu já estava acostumado a aparecer sempre com a mesma cara fechada e aparentemente séria em todas as fotos por aí. Ela me fez questionar mais as coisas. Me fez pensar em tudo que eu costumava dizer e fazer para as pessoas e para mim mesmo, e o que tudo aquilo realmente significava. Me fez perceber que eu falava muito e fazia muito sem pensar em nada antes. Ou, que eu poderia me tornar um prisioneiro das minhas próprias palavras e atitudes se eu não começasse a me segurar um pouco e, por que não?, cuidar de mim um pouco mais. Ela disse que eu poderia baixar a guarda e relaxar, porque ela cuidaria de mim. Eu nunca pensei que seria mais fácil sair por aí sorrindo de novo do que simplesmente baixar a guarda. Anos de decepções podem ser facilmente disfarçados com um pouco de otimismo nos lábios, mas confiar em outra pessoa sem me preocupar em ter um plano B guardado no bolso já é outra história. Outra história que, apesar de ter ido longe desta vez – a ponto de se tornar física, verdadeira, cativante e excitante – acabou se repetindo.

Ela era linda e graciosa, apesar de levemente desastrada e esquecida. Era engraçada e acidamente sarcástica. Não teve como não me apaixonar. Seu olhar era enigmático, mas um pouco perdido às vezes. Como se olhasse ao redor, por toda parte, à procura de respostas que não existiam para perguntas que realmente não importavam, mas que a incomodavam mesmo assim. Sua risada era alta e contagiante. Era o que mais me fazia sorrir, especialmente quando eu era o autor daquela risada. E durante cada instante que estávamos juntos, eu precisava sempre segurar sua mão, ou abraçá-la mesmo quando tentávamos andar juntos por aí. Eu precisava segurá-la de algum jeito, talvez para ser realmente capaz de acreditar que ela era real e estava mesmo ali comigo. Andando comigo. Rindo comigo. Amando comigo.

Era tudo muito novo e assustador, mas tentador demais para deixar minha capacidade natural de auto-sabotagem abortar a campanha toda. E por um tempo a minha paranoia realmente acalmou-se. E as pessoas passaram a me ver diferente. Eu parecia mais leve, mais despreocupado, menos com cara de sério. Mais feliz, até. Não que eu não fosse feliz antes, mas havia algo nela que despertava algo a mais em mim. Algo que até então eu não havia conhecido, nem pensava que conheceria um dia. Não, não era amor. Eu já havia sentido amor antes. Já tive amor antes e tenho as cicatrizes para provar. Isso era outra coisa. Era como se a satisfação da felicidade tivesse se juntado com o conforto do amor. Sabe o que era mesmo? Segurança. Ela me fazia sentir seguro, mesmo sem ter sido capaz de realmente baixar a guarda.

Ela me ensinou que era preciso aceitar as pessoas como elas são. Desde os amigos até os familiares, os distantes e os pedestres na rua. Inclusive a ela e a mim mesmo. Nós éramos o que éramos, e era preciso aprender a conviver com isso se ser feliz fizesse parte dos planos. Ela me ensinou a não ter tanto medo, e a admitir que às vezes eu preciso de ajuda. Que eu não preciso dar conta de tudo sozinho. E quando o mundo parecia desmoronar, ela me deu colo. De verdade. E eu não queria sair dali tão cedo. Era um apoio, um porto seguro no meio de tanta tempestade. Tanta correria, tantos compromissos, tantas pessoas. Era amor no meio de tantos desafetos. E era muito bom. Qual foi o problema então?

Acontece que eu me sentia muito bem. Muito bem mesmo. Pela primeira vez em muito tempo – só não me arrisco a dizer “pela primeira vez na vida”, porque minha memória não é tão boa assim e meu coração parou de contar as derrotas já faz algum tempo – eu estava me sentindo feliz comigo mesmo. Mas ela não. O mesmo porto seguro que me passava segurança e carinho, era o mesmo que se sentia por um fio o tempo todo, todo dia, e até mesmo incapaz de servir de apoio para alguém. Ela achava que não servia para isto, ou até mesmo para nada. Ela conseguia me fazer sorrir por fora, até mesmo quando eu estava me sentindo bem por dentro, mas meus músculos faciais não colaboravam. Os dela eram perfeitos, mas ela não sorria por dentro. Quando arriscava elaborar um rascunho de sorriso banguela, ele não durava muito tempo.

Sempre havia mais alguma coisa dentro dela que o abafava de volta à imensidão do seu coração ferido e à deriva. E não havia nada que eu pudesse fazer para ajudá-la a não ser tentar ser paciente e esperar pelo melhor. Esperar que nós ficássemos bem e aceitar que nós éramos felizes, enquanto metade de nós estava lutando para sobreviver. Eu a fazia rir sim, mas não era bom o bastante. Eu segurava sua mão sempre que podia durante cada passo que dávamos juntos, mas e quando precisávamos desviar de algum obstáculo e eu não estivesse por perto para trazê-la de volta à calçada? Existe uma linha tênue entre amor e dependência. E se você quiser mesmo ser feliz vai precisar saber enxergá-la. Especialmente, quando a ultrapassar.

Ela me fez sorrir de novo, e às vezes eu ainda esboço alguns movimentos faciais bem sucedidos e arrisco até mostrar alguns dentes para as pessoas como sinal de contentamento. Mas quando eu digo que era preciso seguir em frente, cada um pro seu lado, não é porque a primeira pedra no caminho me fez tropeçar e desistir da caminhada toda. Não era ela e os seus problemas; era eu mesmo. E o meu ego. Meu ego apocalíptico e imprudente que se sentiu encarregado de tirá-la daquele sofrimento. De fazê-la feliz a todo custo. E que quando descobriu que não seria capaz, que não dependia só de mim e às vezes não há mesmo nada a fazer a não ser ter paciência e simplesmente estar do lado de alguém enquanto esta procurava por respostas inexistentes para perguntas inúteis. Eventualmente alguém chegará a algum resultado e tudo ficará bem de novo, mas foi uma verdade dolorosa demais para mim. Ela me fez sorrir de novo, e tudo que eu queria era salvar a sua vida em troca. E quando o mundo tornou-se grande demais para acolhê-la em meus braços, eu a deixei ir. E quase perdi a direção de tudo que já havia conquistado do melhor ano das nossas vidas.

Eu não posso salvar a vida de ninguém. E enquanto eu não aceitar este fato, é melhor eu continuar tentando sobreviver do meu jeito e ajudando os outros ao meu redor aos poucos, conforme eu puder.
Com um sorriso de cada vez, talvez.