Eu não sei o que nada disso realmente
significa. Só acredito que nem tudo nessa vida possa ser atribuído ao acaso.
Por isso essas pequenas coincidências mexem tanto comigo. Mas você não sabe do
que eu estou falando. E para entender o que eu quero mesmo dizer, primeiro eu
preciso te contar uma outra história. É que antes de qualquer coisa ser escrita
eu só queria confessar o quanto ainda não vejo muito sentido em nada disso.
Portanto, caso você leia até o final, este acaso é por sua conta.
(2006)
Eu me lembro
de ter meus 14 anos e de ser mantido refém em uma fila do “caixa rápido” que
não se movia a algum tempo de um supermercado perto da minha casa. Estava em um
daqueles pequenos corredores cercados por chocolates e outros supérfluos, com
pessoas à minha frente e uma longa fila atrás de mim. Logo, desistir da compra
não era mais uma opção. A não ser que eu estivesse disposto a pedir licença
para que vinte pessoas se apertassem em um pequeno corredor para que eu pudesse
voltar à liberdade, o que não era o caso. Disseram que os sistemas haviam caído
e era preciso reiniciar. E é durante momentos assim, de falha existencial, que
eu me pego pensando sobre a série de decisões mal-feitas que me levaram a estar
preso ali. E então eu a vi. Uma garota linda e que parecia estar igualmente
extasiada quanto eu. Ela estava atrás de mim, a duas pessoas de distância na
fila. E então ela me viu. Nós não nos conhecíamos nem me lembro de já termos
nos visto pela vida afora antes. Mas ela piscou para mim, sorrindo. E antes que
eu pudesse esboçar qualquer reação, outros caixas abriram para atendimento e a
fila voltou a andar. Mas ela não foi atendida a tempo para que eu pudesse
reencontrá-la na saída do mercado. E eu nunca mais a vi.
(2016)
Sexta feira
santa. Feriado nublado. Sozinho em casa e sem muita perspectiva de vida, eu
decidi que daria um novo rumo à minha vida a partir daquele dia. Mas o máximo
que consegui elaborar foi uma pequena lista de mercado, cheia de supérfluos e
bobagens para comer enquanto corria uma maratona de filmes que planejei
assistir. Devo ter olhado lá fora umas dez vezes antes de finalmente arriscar
sair e rever a vida que existe fora da minha inércia caseira, mas foi o momento
mais inoportuno possível para sair. O intervalo exato entre um céu nublado e um
mormaço insuportável que geralmente é preenchido por uma chuva brusca. E foi
durante este interlúdio chuvoso que eu fui pego desprevenido na metade do
caminho entre a minha casa e o mercado.
No meio do
caminho percebi que havia uma garota poucos metros à minha frente que também
acabou sendo pega de surpresa pela chuva. Mas que, assim como eu, não desistiu
de continuar andando, só porque aquela nuvem negra momentânea acima de nós
mostrou ser impiedosa. Éramos os únicos à vista insistindo em atravessar aquele
tempo, mas acabei perdendo-a de vista quando atravessei uma rua mais à frente. Um
pouco de frio acompanhou aquele interlúdio de chuva, mas somente até que eu
finalmente pisasse dentro do mercado. Foi o tempo exato para que a chuva
cessasse e o sol tomasse seu lugar de volta.
Nada combina
melhor com um feriado nublado do que uma lasanha de microondas. Livre de
qualquer peso na consciência por não arriscar cozinhar algo mais saudável ou
de, convenhamos, comprar algo menos gorduroso. Mas lá estava eu, insistindo na
ilusão da fila do “caixa rápido” de novo, quando percebi que só havia duas
caixas atendendo. E naturalmente já era tarde demais para desistir ou procurar
outro caixa, pois percebi que já formara uma fila atrás de mim. E foi justo
quando voltei a pensar sobre a série de decisões mal feitas que tomei para
chegar até aquele momento – a caminhada no momento chuvoso mais inoportuno, a
lasanha solitária para um feriado chuvoso – quando as caixas chamaram os dois
próximos clientes para serem atendidos. Eu e a pessoa que estava atrás de mim
que, por acaso, era a garota da chuva. Não a vi entrar no mercado,
provavelmente porque estava ocupado tentando me recompor e parecer menos
molhado enquanto a ironia do tempo lá fora se abria novamente quando cheguei. Mas
lá estávamos nós, eu e ela, visivelmente molhados e sendo atendidos em caixas
diferentes. E peguei ela sorrindo de relance depois de fitar as minhas compras
sendo computadas no caixa. Porque no meio das suas coisas também havia uma
lasanha solitária.
Como era de
se esperar, não a encontrei na saída do mercado. Só o que havia lá fora era um
tempo que estava subitamente fechando de novo, mas que esperou que eu chegasse
em casa antes de começar mais uma tempestade. Enquanto voltava pra casa, fiquei
pensando sobre quais são as chances de duas pessoas na mesma rua, serem pegas
pelo mesmo pequeno intervalo de chuva à caminho do mercado, para comprar a
mesma coisa.
Mas, como eu
disse antes, eu não sei o que nada disso realmente quer dizer. Algumas coisas a
gente só aprende com o tempo. Mesmo que seja nublado.