*Escrito em 13/02/2014.
Eu queria ser uma boa pessoa. Talvez; nem
sempre. Mais vezes do que eu deveria, confesso que prefiro praticar pequenos atos
específicos de maldade em vês de grandes ações aleatórias de bondade. Como
cutucar o ombro de alguém e aparecer do outro lado, ou fazer ruídos
incompreensíveis na forma de quem está tentando dizer alguma coisa, só para o
coleguinha perguntar "o que?"
e ficar com cara de besta quando eu mostrar a língua pra ele. Não, não é algo
emocionalmente maduro de se fazer. A verdade é que entre abandonar rancores e
tentar ignorar meus instintos imediatos de lógica e de fazer coisas que tenham
sentido, eu andei praticando a arte milenar de reconhecer o que uma pessoa
emocionalmente madura faria em determinada situação – só para fazer o
contrário. Pode não ser muito saudável, e sem dúvidas não deixarei um mundo
melhor para os meus netos através disso, mas por ora tem sido deveras
libertador. Tudo isso é bobagem, claro. São só palavras digitadas ociosamente
por um jovem homem existencialmente entediado em seu blog homônimo de
credibilidade questionável. O mesmo jovem homem que já passou algumas manhãs de
Sábado revendo as partes musicais dos filmes da Disney no modo karaokê para
conseguir cantar junto. Normal.
A questão é que
quando a minha maldade, minha imaturidade e meu tédio conseguem se aquietar, eu
tenho momentos de redenção em que eu sinceramente desejo ser uma pessoa melhor
um dia. É provável que nenhum leitor ou amigo meu já tenha visto isso, porque
são momentos tão raros quanto um cometa que passa de raspão na terra, só para
dar uma olhadinha no sul da Califórnia, e por pouco não explode o mundo. Quando
isso acontece, eu paro, penso, sinto, choro por dentro, absorvo tudo de volta e
digo "Só que não!". E
mostro a língua. Esse é o tipo de pessoa que eu sou e esses são os absurdos que
eu penso. O que me faz sentir melhor é que você, caso não pense parecido,
também tem coisas ridículas guardadas em alguma gaveta obscura da sua alma, mas
que tem medo de confessar. Por isso você leu até aqui. Ver outra pessoa ser
ridícula faz a gente se sentir melhor quanto a nossa própria imaturidade. Claro
que isso não justifica a minha inércia emocional, tampouco o mundo explodiria
caso eu decidisse mudar. Eu posso mudar. Sou livre pra isso e tenho recibos e
comprovantes de renda e residência o suficientes para provar que estou apto para
isso. Mas por enquanto... Hum. Não. *mostra
a língua*
Mas o
catalizador das minhas crises de consciência costumam ser aquelas pessoas que
parecem não ser desse mundo. Nada contra as pessoas em geral, mas existem
alguns déficits na nossa espécie que instigam quesitonamentos sobre desistir de
vez de toda a campanha. Toda vez que eu ando em um ônibus lotado, parte da
minha fé na humanidade se perde na multidão que me empurra cada vez mais para a
janela, sem aparentar nenhum senso de cidadania referente aos seus sovacos
vencidos. Em contrapartida, a questão é que também existem pessoas que parecem
estar andando livres e despreocupadas por aí com o único propósito de fazer a
gente se sentir mal por não sermos tão saudáveis, bem sucedidas ou - me atrevo
a dizer - emocionalmente maduros quanto elas.
Como era o caso
do Janeverson, das minhas aulas de redação no ensino médio. Antes
de continuar, vamos esclarecer duas coisas: primeiro, o nome dele não é Janeverson e,
segundo, eu o odeio sem nenhuma preocupação bio-psico social. Apesar de toda a
incoerência, fome e preguiça que compõem o meu ser, eu ainda acredito
solenemente que, a partir do momento em que algumas definições na sua vida
tornam-se concretas sem mais aquela necessidade de precisarem serem defendidas
ou explicadas (como gostar daquele filme tosco, ou daquele cachorro-quente
gorduroso da carrocinha do outro lado da rua da faculdade, ou até mesmo daquela
pessoa chata e sem graça que você chama de “amigo”
ou, em alguns casos, “amor”), é
porque você está se tornando uma pessoa madura. Com uma personalidade sólida,
ímpar e invariavelmente intransigente. Se é uma maneira distorcida de
maturidade ou não, não cabe a ninguém a não ser você decidir. A beleza desse
sistema de definições é ter o prazer em justificá-las com um “porque sim” que na verdade quer dizer “porque foda-se você”, mas com a graça e a
diplomacia de um “por que não?”. Enfim,
a vida tem dessas coisas, e eu odiava o Janeverson. Porque sim/porque
foda-se você/por que não?
Mas dessa vez
até teve um porquê. O ensino médio também acabou sendo a idade média da minha
imaturidade acadêmica, cujo iluminismo se deu na forma daquelas aulas de
redação nas tardes de quarta-feira. Eu finalmente havia descoberto algo que eu
gostava. Algo que me fazia ir feliz para o colégio, sem ser para conversar com
os coleguinhas e/ou mostrar a língua pra eles. E, acima de tudo, algo em que eu
era bom. Tipo, muito bom. Tipo, nota 10, mantendo sempre a impecabilidade das
dissertações de 25 a 30 linhas e lealdade à temática da semana. E teria sido
tudo muito bom, a ponto até de originar um Igor melhor para a história da
humanidade, se o Janeverson não tivesse
insistido em pesar a minha vida com o seu existir. Maldito Janeverson. Porque por mais que eu fosse bom, e criativo, e
engraçado, e dotado de um dom para transcrever uma ironia pura que conseguisse
manter-se entre a linha tênue das tradições Machadianas e a contemporaneidade
como poucos conseguiam, o Janeverson ainda assim era melhor.
Maldito Janeverson! Com sua pinta de bom moço, sua família rica, sua
namorada loira de olhos azuis, seu intercâmbio na Europa e seu apartamento
megalômano um-por-andar no lado nobre
da cidade com vista pro lago. E ele era meu amigo. Talvez não amigo-amigo. Mais pra amigo-inimigo. Amigo/competição. Amigo... Imaginário?
Enfim, era até gente bo. Mas por que não odiar, sabe?
E então veio o
dia fatídico. O dia em que eu comecei a pavimentar o ódio da estrada que hoje
leva ao meu coração frio e calculista (só
que não, rá ié ié!). Pra falar a verdade, eu não lembro qual era o tema da
redação. Algo sobre a sociedade, o capitalismo desenfreado, a crise econômica
mundial e a felicidade. Enfim, “discorram
sobre o tema em forma de dissertação argumentativa, de 25 a 30 linhas!” Eu
tirei 9,5. O Janeverson tirou 10. Mas não foi pela nota que eu
me irritei... Ok, em parte foi pela nota... Droga. Mas foi, principalmente,
porque depois de quase um ano inteiro tirando 10 e ter sido nomeado como um
exemplo de escritor pelos outros coleguinhas de sala, eu não tive o
reconhecimento mor da professora. Quem teve, você me pergunta? Quem teve, você
quer saber?! Sabe quem teve?! O Janeverson, é claro! E ela insistiu
em ler a redação dele para o resto da sala, para que a gente aprendesse o que
era uma dissertação bem feita. Uma redação nota 10. Maldito Janeverson!
Só que algo
aconteceu quando ela leu a redação do Janeverson.
Mais precisamente, foi durante um trecho que dizia algo desse sentido, mas com
aquela expressão que eu jamais esquecerei: “As pessoas buscam um tipo de
felicidade prêt-à-porter que foi fabricado pelo capitalismo como algo ideal,
porém inacessível. Tão atraente e infame em seu modelo que foi capaz de gerar
um distorcido pseudo-carpe diem massificado no modo de vida do homem
contemporâneo”. Foi incrível. Era tudo que eu queria saber escrever,
completo com toda a técnica, vocabulário, raciocínio e termos frescos em latim
e em francês que carregam consigo aquele prestígio irrefutável que só os
estudiosos de latim e os franceses conseguem ter. Salvo exceção, é claro, os
estudantes de intercâmbio da Europa. Maldito Janeverson!
Até onde eu sei,
o Janeverson é uma boa pessoa. Um amigo confiável, um cidadão
politizado, um eleitor consciente, um voluntário em abrigos de velhinhos em
suas horas vagas, que seja. Mas eu não gostaria de ser o Janeverson. Não
é que eu odeie o Janeverson a ponto de pegar ódio de pessoas
boas, ou carregue comigo um orgulho do tamanho do mundo que é incapaz de aderir
a características que vão contra a minha natureza rancorosa – o que certamente
explicaria porque qualquer tentativa de mudança poderia ocasionar em um
novo big bang. Apesar dos pesares, eu gosto de ser quem eu sou. E
já não me sinto mais tão incomodado pelos Janeversons que
cruzam o meu caminho. Porque por mais que eles sejam bonitos, inteligentes, bem
sucedidos e emocionalmente maduros, daqui até a eternidade só haverá um Igor...
Mentira. Tem Igors aos montes por aí. Mas outro Igor como eu, jamais haverá. Eu
já sonhei em ser um Janeverson, mas ser o Igor é tão mais
divertido... Não é?
Maldito Janeverson...