*Escrito em
03/04/2013.
Eu já me perdi muito nesta vida. Tantas vezes, aliás, que cheguei a considerar a
hipótese de que eu havia deixado de ser eu. Haveria me tornado uma versão
abstrata de mim, ausente de fatores essenciais cujos quais eu sempre considerei
fundamentais para a pessoa que eu pensei que fosse. E foram nesses momentos
definitivos em que eu percebia o terror e a angústia de ter que refazer meus
passos e minhas decisões. Com esperança de que assim seria capaz de voltar ao
meu lugar e a me sentir como eu mesmo de novo. Voltar a escrever foi um pouco assim,
isto é, se eu não me sentisse tão seguro agora para dizer que depois de
cambalear um pouco e esperar que a confusão inicial dos meus pensamentos logo
se ajeitasse de modo que fosse possível descrevê-los e revê-los em forma de
palavras. E até que não ficaram tão ruins assim no papel.
Foram em momentos assustadores como a primeira noite em que passei em
meu apartamento, depois de sair de casa e me deparar com a imensidão e a
profundidade do mundo real, ou o primeiro dia em que saí deste novo lar depois
que vi um grande amor desaparecer diante dos meus olhos, em que senti a mesma
coisa: é preciso começar de novo agora. Disseram que preciso seguir em frente,
porque não tem como voltar atrás. Só esqueceram de me dizer para onde eu
deveria ir. E o pior: que haveria mais curvas na estrada do que eu podia
imaginar. Felizmente, eu recuperei meu fôlego e segui adiante, e lentamente
consegui enxergar novamente pequenos fragmentos de mim que achava que jamais
encontraria de novo. Como a força para acreditar no amor, a capacidade de ver o
bem nas pessoas e ajudá-las sem medo de que pudessem se esquecer de mim depois,
ou até mesmo as músicas que costumava ouvir pelas ruas com os fones de ouvido
estourando melodias dentro de mim, trazendo ritmo e graça às minhas fantasias e
um pouco mais de esplendor aos meus sonhos. Ah, sim. Até os meus sonhos
voltaram. Eu até havia me esquecido o quanto senti falta deles. Talvez a falta
deles fosse o vazio que por tempos eu senti dentro de mim, como se algum pedaço
ainda estivesse faltando para recompor minha personalidade de uma vez por
todas. Pois eles voltaram, e o amanhã nunca pareceu tão perto quanto agora.
Olhando em retrospectiva, talvez eu não tenha me tornado tão bom em
recomeços quanto eu gostaria de pensar. Existe uma expressão em latim, sine qua non, cuja tradução literal
significa, “sem o qual não pode ser”,
e talvez todas essas perdas e reencontros comigo mesmo possam ser explicados
assim: apesar de tudo, eu nunca realmente deixei de ser quem eu sou. Porque se
tivesse mesmo me ausentado, como poderia ter encontrado o caminho de volta?
Parece simplório dizer que as pessoas podem deixar de ser quem são, mas eu vivi
o bastante para concluir que algumas realmente se perdem e jamais voltam – às
vezes para nós, às vezes para elas mesmas. Mas quanto a mim, acho que sempre
estive aqui mesmo durante os altos e baixos, os recomeços e as crises existenciais
que vieram com eles. Eu jamais poderia deixar de existir se não fosse
exatamente por todas as coisas que me trouxeram de volta. Eu jamais parti;
apenas perdi o fôlego por algumas partes do caminho.
Escrever sempre foi o que me ajudou a não me perder. Pois quando as
coisas lá fora pareciam tumultuadas ou rápidas demais para que eu pudesse
suportar, sempre foi muito útil ser capaz de procurar em meu arquivos e
históricos os temas que me permitiam espalhar meus pensamentos pelo chão e
reconstruí-los em forma de palavras. Sempre me considerei muito fiel às
palavras, porque sempre soube o quanto elas poderiam fazer por mim quando eu me
sentisse desamparado – até mesmo quando não eram as minhas próprias palavras.
As pessoas ao meu redor também sempre souberam como me amparar através das
vírgulas e travessões certos, e às vezes até sabiam bem melhor do que eu quando
era hora de dar um ponto final definitivo em uma frase que já havia se
estendido demais, cujo significado parecia cada vez mais distante.
Então este sou eu. Nem o velho Igor, nem o novo. Apenas o mesmo de
sempre, que aprendeu a recomeçar, amadureceu a cabeça e encontrou forças para
continuar caminhando pelas ruas do mundo real, mas que nunca deixou de ser quem
é. O estudante torto, porém esforçado. O amigo dedicado, porém preocupado. O
filho mimado, porém compreensivo. O apaixonado constante... Sem todos estes fragmentos,
músicas, lembranças e cicatrizes, eu não poderia ser capaz de existir.
Este sou eu, e é quem sempre fui. Sine
qua non por amor.