segunda-feira, 4 de abril de 2016

Sine qua non


*Escrito em 03/04/2013.

Eu já me perdi muito nesta vida. Tantas vezes, aliás, que cheguei a considerar a hipótese de que eu havia deixado de ser eu. Haveria me tornado uma versão abstrata de mim, ausente de fatores essenciais cujos quais eu sempre considerei fundamentais para a pessoa que eu pensei que fosse. E foram nesses momentos definitivos em que eu percebia o terror e a angústia de ter que refazer meus passos e minhas decisões. Com esperança de que assim seria capaz de voltar ao meu lugar e a me sentir como eu mesmo de novo. Voltar a escrever foi um pouco assim, isto é, se eu não me sentisse tão seguro agora para dizer que depois de cambalear um pouco e esperar que a confusão inicial dos meus pensamentos logo se ajeitasse de modo que fosse possível descrevê-los e revê-los em forma de palavras. E até que não ficaram tão ruins assim no papel.

Foram em momentos assustadores como a primeira noite em que passei em meu apartamento, depois de sair de casa e me deparar com a imensidão e a profundidade do mundo real, ou o primeiro dia em que saí deste novo lar depois que vi um grande amor desaparecer diante dos meus olhos, em que senti a mesma coisa: é preciso começar de novo agora. Disseram que preciso seguir em frente, porque não tem como voltar atrás. Só esqueceram de me dizer para onde eu deveria ir. E o pior: que haveria mais curvas na estrada do que eu podia imaginar. Felizmente, eu recuperei meu fôlego e segui adiante, e lentamente consegui enxergar novamente pequenos fragmentos de mim que achava que jamais encontraria de novo. Como a força para acreditar no amor, a capacidade de ver o bem nas pessoas e ajudá-las sem medo de que pudessem se esquecer de mim depois, ou até mesmo as músicas que costumava ouvir pelas ruas com os fones de ouvido estourando melodias dentro de mim, trazendo ritmo e graça às minhas fantasias e um pouco mais de esplendor aos meus sonhos. Ah, sim. Até os meus sonhos voltaram. Eu até havia me esquecido o quanto senti falta deles. Talvez a falta deles fosse o vazio que por tempos eu senti dentro de mim, como se algum pedaço ainda estivesse faltando para recompor minha personalidade de uma vez por todas. Pois eles voltaram, e o amanhã nunca pareceu tão perto quanto agora.

Olhando em retrospectiva, talvez eu não tenha me tornado tão bom em recomeços quanto eu gostaria de pensar. Existe uma expressão em latim, sine qua non, cuja tradução literal significa, “sem o qual não pode ser”, e talvez todas essas perdas e reencontros comigo mesmo possam ser explicados assim: apesar de tudo, eu nunca realmente deixei de ser quem eu sou. Porque se tivesse mesmo me ausentado, como poderia ter encontrado o caminho de volta? Parece simplório dizer que as pessoas podem deixar de ser quem são, mas eu vivi o bastante para concluir que algumas realmente se perdem e jamais voltam – às vezes para nós, às vezes para elas mesmas. Mas quanto a mim, acho que sempre estive aqui mesmo durante os altos e baixos, os recomeços e as crises existenciais que vieram com eles. Eu jamais poderia deixar de existir se não fosse exatamente por todas as coisas que me trouxeram de volta. Eu jamais parti; apenas perdi o fôlego por algumas partes do caminho.

Escrever sempre foi o que me ajudou a não me perder. Pois quando as coisas lá fora pareciam tumultuadas ou rápidas demais para que eu pudesse suportar, sempre foi muito útil ser capaz de procurar em meu arquivos e históricos os temas que me permitiam espalhar meus pensamentos pelo chão e reconstruí-los em forma de palavras. Sempre me considerei muito fiel às palavras, porque sempre soube o quanto elas poderiam fazer por mim quando eu me sentisse desamparado – até mesmo quando não eram as minhas próprias palavras. As pessoas ao meu redor também sempre souberam como me amparar através das vírgulas e travessões certos, e às vezes até sabiam bem melhor do que eu quando era hora de dar um ponto final definitivo em uma frase que já havia se estendido demais, cujo significado parecia cada vez mais distante.

Então este sou eu. Nem o velho Igor, nem o novo. Apenas o mesmo de sempre, que aprendeu a recomeçar, amadureceu a cabeça e encontrou forças para continuar caminhando pelas ruas do mundo real, mas que nunca deixou de ser quem é. O estudante torto, porém esforçado. O amigo dedicado, porém preocupado. O filho mimado, porém compreensivo. O apaixonado constante... Sem todos estes fragmentos, músicas, lembranças e cicatrizes, eu não poderia ser capaz de existir.

Este sou eu, e é quem sempre fui. Sine qua non por amor.