quarta-feira, 27 de abril de 2016

O efeito dominó


Alguém me quebrou. E um dos motivos pelos quais eu ando evitando escrever, também serve para explicar porque eu ando evitando sentir certas coisas. E como escrever invariavelmente envolve enfiar uma faca no coração e torcer até que as palavras que vazem dele formem algum sentido, eu tenho tomado um pouco mais de cuidado mediante os meus passatempos masoquistas ortográficos. Porque, pior do que admitir que alguém me quebrou, seria sentar e escrever sobre isso. Mas já é fim de mais um mês e nada de novo surgiu ainda, assim como sumiram as expectativas de que isso dissipe sem que se faça necessária alguma cerimônia. Então por que não criar um pouco de adrenalina para mim mesmo para pensar e sentir sobre você?

Particularmente, eu gosto de escrever para você. “Você”, que pode ser qualquer uma que vaga aleatoriamente pela órbita das minhas neuroses. “Você” que, apesar de ter um nome de verdade e, suspeito, um coração de mentira, ainda é capaz de causar um pouco de calafrios só de lembrar que esta reação é diretamente proporcional à alegria ansiosa que eu tinha por me permitir atribuir sentimentos ao seu nome de verdade e seu coração sincero, até então. “Você”, cuja lembrança terrivelmente agridoce, atemporal e absurda ainda me serve de inspiração para desviar dos instintos de desistência e desolação de um Domingo à noite. “Você”, que eu não pretendo relevar o nome próprio que possui, mas que secretamente tira um tempo da sua rotina deslumbrante para passar os olhos em minhas palavras para saciar seu apetite constante por uma plateia. Acontece que desta vez eu não estou falando de nenhum desastre em particular, mas de um padrão crescente em proporções geométricas de desilusão.

Não foi alguém em específico quem me quebrou. Desde quando consigo me lembrar, não houve apenas uma mulher que passou por mim como um tsunami e deixou para trás uma devastação por completo. Pelo contrário, cada uma delas foi como uma peça de dominó postas em uma sequencia perfeita, até um descuido fazer com que a cadeia inteira despencasse sobre mim. E a partir disso surgiram comportamentos padrões, gostos específicos e trilhas sonoras que, ao serem alinhados em um círculo vicioso, sempre acabavam da mesma maneira: comigo, decepcionado, recolhendo as peças caídas no chão.

Eu ando tão focado em manter uma das peças de pé que sempre acabo me surpreendendo quando ela acidentalmente cai. E, claro, consequentemente derruba todas as outras em seu alcance. Mas isso só acontece porque, em se tratando de relacionamentos, eu ainda continuo procurando as peças certas para serem colocadas nos lugares certos, na forma da garota certa (que não existe) e do modo certo como deveríamos nos conhecer (que também não existe). E por mais que essa sequencia não se firme de pé, eu persisto. Isto é, até o dia em que eu desisti de recolher as peças e abandonei o jogo.

E a partir do momento em que eu me percebo gostando de alguém, os padrões se repetem perfeitamente. Como quem posiciona as peças tortas de dominó de pé somente para que se derrubem novamente, porque gosta da previsibilidade do desastre. Ao menos é algo no qual se pode confiar. Eu gosto de você, mas não sei como demonstrar isso. Guardo para mim, porque sinceramente acredito que você não deve sentir o mesmo. Até que um dia você finalmente descobre; talvez porque eu criei coragem para te dizer, ou porque o som das peças tortas sendo derrubadas chamou a sua atenção. E você me diz que já tem outra pessoa, ou que não há química entre nós, ou que eu simplesmente não sou a peça que falta na sua própria sequencia. E quando os dominós desabam, eu apenas as empurro para fora da minha vista e procuro outro jogo para me distrair. Nunca considerando a possibilidade de que talvez eu esteja posicionando as peças erradas. Ou que cadeias de dominós em pé mais cedo ou mais tarde surtirão seu efeito ao ruírem em colapso. A gravidade envolvida nunca falha.
  
O segredo não está em rearranjar as peças, ou nos espaçamentos entre elas. Em outras palavras, não adianta esperar resultados novos ao continuar tentando encaixar relacionamentos em padrões fracassados. Coisas como esperar para ver quem fala ou liga primeiro. Ou resistir para não admitir que está atraído por ela, por medo de que tudo o que vocês já construíram não resista à queda. Ou apenas tropeçar e destruir sequencias de sentimentos por receio de que vocês não se encaixem como deveriam. É isso que nos deixa ansiosos por ver as peças tremerem, e nos faz parecer incapazes de tentar reconstruir algo com alguém. E, definitivamente, não existem as peças certas ou os lugares certos. Assim como não existem as pessoas certas e as sequencias certas em que devem se colocar para não desabarem.
 
No fim, somos todos incertos e frágeis como peças de dominó postas de pé uma ao lado da outra. Sempre haverá o risco de que um gesto em falso venha a afetar outras peças, outras pessoas e outras estratégias por perto. E quando padrões de sequencia simplesmente não resistem, apesar de toda a esperança e persistência do mundo, o melhor a fazer é procurar outra maneira de manter nossas peças de pé, e os nossos relacionamentos, estáveis. Talvez ninguém tenha me quebrado ao ponto de me convencer a desistir do jogo; talvez eu só tenha perdido o equilíbrio e esteja com receio de tentar de novo. Minhas mãos tremem só de pensar em tentar colocar duas peças de pé em sequencia, ou de tentar segurar a sua mão quando andamos lado a lado. Mas são pequenos jogos que insistimos em participar, visto que o prêmio em consideração parece atraente demais para se abandonar. É isto, ou passar o Domingo à noite cercado de peças espalhadas pelo chão e ninguém para me ajudar a colocá-las em pé novamente. E não é algo que eu espero que “você” entenda. A vida é muito curta, e eu certamente não quero passá-la tentando colocar peças tortas de pé em vão e escrevendo seu nome entre aspas.

E foi assim que eu silenciosamente quebrei meu padrão.

*Escrito em 21/09/2014