*Escrito em 03/04/2014.
Quando eu cheguei ao trabalho
naquela manhã, a porta estava fechada. Não trancada; só fechada com um peso por
de trás da porta que impedia que ela fosse aberta de fora pra dentro. Parecia
razoável bater na porta e esperar que alguém tirasse o peso e a abrisse para
mim, se não fosse por um pequeno detalhe: eu não estava tendo um dia razoável.
E foi assim que eu me abaixei e enfiei minha mão por uma fresta da porta para
tentar empurrar o peso para trás, para que eu conseguisse abri-la. Claro que
não deu certo, e fez um barulho tremendo que chamou a atenção de todos que
estavam lá dentro. Quando uma das minhas colegas abriu a porta, a indignação na
cara dela era inegável:
- Nossa! Não podia esperar um pouco para que
alguém aqui abrisse a porta?
Pensei um
pouco antes de responder, mas claramente não havia pensado o bastante quando
respondi:
- Não posso tentar abrir a porta sozinho?
- Mas não é mais fácil deixar que alguém abra
a porta pra você?
Pensei um
pouco antes de responder de novo, até que meu sorriso plastificado cobriu meu
rosto e lhe devolveu um "Bom dia!"
sincero, porém forçado e levemente babado com sarcasmo.
Quando eu
finalmente entrei para trabalhar, eu não pude deixar de pensar naquele momento.
Ou então, mais precisamente, no momento em que eu parei e analisei a porta
antes de tentar arrombá-la, em vês de me colocar a mercê da boa vontade de
outra pessoa que pudesse abri-la. Eu poderia ter esperado. Eu deveria ter
esperado, mas não o fiz. Porque se tem uma coisa que eu aprendi com a vida, ou
então com todos os momentos que tive ultimamente antes mesmo de me posicionar
na frente daquela porta fechada naquela manhã quebrada de quinta-feira, é que
se eu quisesse que uma porta se abrisse, eu deveria fazer tudo o que eu podia. Tudo
exceto, claro, depender de outra pessoa para isso.
Eu já
comentei aqui o quanto eu gostaria de ser uma pessoa normal, que passa mais
tempo traçando, planejando e conquistando metas relevantes de vida, do que uma
pessoa neurótica e ligeiramente egocêntrica que toma qualquer evento cotidiano
como um reflexo metafórico da sua própria existência complicada. Mas, como eu
já disse antes, a gente é o que a gente é. E naquele momento, naquela manhã, eu
era alguém incomensuravelmente incrédulo com a possibilidade de que aquela
porta, ou qualquer porta, pudesse se abrir para mim sem que eu tentasse forçar
a minha entrada. Porque portas não se abrem tão facilmente assim; pelo menos
não para mim. Ironicamente ou não, meu mundo anda repleto de portas fechadas ou
trancadas, e molhos de chaves que estão perdidos em algum lugar da minha casa e
que eu simplesmente não consigo encontrar. Talvez, em uma ironia ainda maior,
elas apareçam quando eu decidir me mudar e coloque toda a minha vida daquele
espaço em caixas que serão carregadas porta afora, só para descobrir que elas
estavam debaixo da geladeira ou atrás do sofá esse tempo todo. Mas agora que eu
as encontrei, já não preciso mais delas. Porque eu não precisaria mais entrar
nas portas que elas foram feitas para abrir.
Neuroses a
parte, isto parecia ser uma metáfora boa demais para passar despercebida – apesar
de todo o meu mau humor e falta de fé na humanidade. Confesso que o café ainda
não estar pronto quando eu entrei para trabalhar também colaborou para isso.
Talvez tivesse sido melhor não ter tentado arrombar, ou pedir ajuda, e
simplesmente ter ficado em casa. Com a porta do meu quarto trancada, para não
arriscar que a vida entrasse sorrateiramente e me puxasse de volta para as
loucuras e as vaidades das pessoas e do resto do mundo lá de fora. Ou talvez, tendo
vinte e poucos anos, eu já deveria estar mais ciente dos riscos e das
responsabilidades iminentes que me aguardam quando eu decido abrir a porta da
minha casa para me aventurar no mundo lá fora. Assim como eu a abro para deixar
que outras pessoas entrem e se sintam automaticamente confortáveis para
compartilharem da minha vida. Ou talvez portas sejam só portas e eu só precise
mesmo de um copo de café.
Não... Eu
sei o que eu preciso. A verdade é que depois de anos de aparecer na porta das
pessoas erradas, ou de baterem a porta na minha cara e mandarem que eu caísse
fora dali (e para isso não é preciso gritar ou ser desrespeitoso; nada é tão
eficaz para mostrar a alguém que ela não é bem vinda ali do que silenciosamente
não acolher sua presença), eu ainda espero que uma porta se abra. Eu ainda
espero que a sua porta se abra. A porta do lar que eu sempre quis ter, com a
pessoa com quem eu sempre quis estar, do jeito que eu sempre sonhei que poderia
ser. Mas quando eu tiro tempo para fugir da realidade e me percebo no espelho,
eu não consigo deixar de me ferir cada vez mais quando vejo que aquele reflexo
não possui mais os mesmo sonhos, a mesma esperança, o mesmo amor. A verdade é
que eu me perdi. E já nem me preocupo mais tanto em achar a porta certa. Pelo
contrário, ando batendo desesperadamente na porta de todas as pessoas que vejo,
desejando inutilmente que alguém se incomode o bastante para espiar o que está
acontecendo comigo ali fora e diga, "Eu
sei que você não está bem. Acho que você precisa descansar. Eu vou cuidar de
você. Quer entrar?". É isso que eu quero. Se ao menos eu não estivesse
tão cansado de esperar e não tentasse arrombar todas as portas que vejo pela
frente, quem sabe eu já não teria chego finalmente ao lugar certo, na hora
certa.
Não há nada
mais satisfatório do que ter alguém abrindo uma porta para você. Não sei
explicar melhor do que isso, mas talvez seja porque ando afobado demais para
entrar. Eu só quero ser feliz.
O café ficou
pronto. Já é um começo. Bom dia.