sexta-feira, 29 de abril de 2016

Bons tempos


Escrito em 12 de Janeiro de 2010, mas eu tive o sonho de novo...

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Eu tive um sonho ontem à noite. Eu estava numa sala de cirurgia, com médicos e enfermeiras ao meu redor, todos com seus bisturis e anestesia direcionados ao meu coração. De repente, um dos médicos se assusta com algo e todos param. Ele estuda cuidadosamente com uma pinça uma fratura no meu coração jamais vista antes. E afirma com horror, "Este coração foi partido". Os médicos ao redor balançam a cabeça em uníssono e adjetivos parecidos; "Quebrado", "Estraçalhado", "Incurável". O cirurgião pega meu coração em mãos e o avalia uma vez mais com choque, e o joga no lixo. Acordei.

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Estranho mesmo é não direcionar mais minhas palavras para “você”. Me faz sentir mais sozinho agora que começo a tomar conta que “você” nunca lerá isto.

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Na manhã seguinte eu decidi levantar cedo e levar meu coração partido para passear. Estava frio e levemente chuvoso, mas eu nem liguei. Depois de alguns anos, eu me dei conta exatamente de como esta cidade é o lugar perfeito para se estar sozinho. Uma verdadeira terra de ninguém, onde o desdém toma conta do ar e fica até difícil atravessar as ruas. De manhã pelo menos é um pouco mais sossegado.

Ao passar das esquinas e das músicas, eu percebi o quanto ainda pensava em você. Quem dizer; nela. Escrever como se fosse para ela parece mais suave, e menos doloroso de admitir que ela não está mais aqui. Fantasias dela me faziam companhia, junto a meus artistas favoritos. Barry White cantava sobre como você era especial. Gloria Gaynor gritava sobre como eu nunca conseguiria realmente dizer adeus. Al Green perguntava sobre como fazer a chuva parar de cair, e como reparar um coração partido.

Ao longo da avenida, parei em um café para tentar me esquentar, e para deixar a chuva cair na cidade em vez da minha cabeça. Olhando pela janela, parecia que todas que passavam por ali tinham algo parecido com ela. O cabelo, o perfume... Eu procurava qualquer vestígio para alimentar minhas lembranças. Mesmo sabendo da dor que a saudade trazia. Saudade, inclusive, que parecia ser tudo o que me restava.

Segui meu caminho de volta pra casa e a chuva começou a cair mais forte. Estava difícil de enxergar com o vento levantando a chuva e jogando-a nos rostos de todos. Estranhamente, pela primeira vez, eu me senti "confortável" com o clima cinza e frio que me cercava. Como se eu finalmente sentisse que poderia fazer parte disso tudo.

Depois de chegar em casa, preparei mais um café. Ao refletir com a chuva batendo na janela, percebi que a verdade era que eu ainda esperava ver ela de novo por aí. No mais aleatório dos momentos, quando eu não estivesse mais esperando encontrá-la. Talvez porque a memória do rosto dela parecia estar se esvaziando da minha memória a cada dia que passava. Não digo mais seu nome em voz alta e não faço mais planos para dois. A maioria dos lugares pelos quais eu passava guardavam resquícios de saudade pelos bons tempos.

Não sei o que diria se eu a visse de novo nem o que faria. Ouço músicas sobre como agora fujo do amor que eu procurava e de como não sei por quanto tempo ainda viveria assim. Antes parecia um insulto dizer que a vida continuaria sem ela; não parecia fazer justiça. Não parecia uma ideia tão ruim, dedicar os meus dias cinzas a ela. Enquanto a sensação de separação inacabada continua a me assombrar, sinto-me bem com a companhia de minhas fantasias. E quem sabe foi pelo melhor. Nenhum de nós realmente conseguiria dizer adeus.

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Algumas dias depois, eu tive um pensamento. Acho que prefiro sentir falta dela, do que realmente estar com ela. Não me pergunte o por quê. Só parece menos doloroso desse jeito.