Pode parecer
aleatório, mas é só a minha mania de enxergar uma
profundidade em coisas que na verdade são inocentemente rasas. Porque eu quero
escrever um pouco sobre relacionamentos hoje, mas antes eu preciso te contar
sobre como eu estava assistindo os improvisos sinceros do Chico Pinheiro no Bom
Dia Brasil (sirva-se de uma amostra) em uma manhã dessas. Até que chegaram a uma matéria sobre um novo
aplicativo que permitiria aos espectadores assistirem o que bem quisessem de um
vasto banco de dados que compunha a programação da TV, desde o que já havia
passado até o que estiver no ar naquele momento. E inaugurariam o aplicativo ao
subirem o que foi chamado de “capítulo zero” da nova novela das sete. Nele
passaria um pouco do que os personagens estavam fazendo uma semana antes da
trama central ser desencadeada aos olhos de quem, assim como eu, não possui
espaço de armazenamento suficiente para se dar ao luxo de ter aplicativos no
celular. Mas a idéia por trás disso foi algo que me subiu à cabeça de maneira
bem mais eficiente do que o estresse pelo meu frustrante pacote de dados
móveis.
Só o conceito de conhecer alguém já é conflituoso por natureza: a
ansiedade, o nervosismo, a insegurança, o monitoramento de quando foi a sua
última visualização no WhatsApp... Mas quando se pára pra pensar em como deve
ser entrar na vida de alguém – uma vida que estava em movimento há muito tempo,
bem antes de que eu pudesse considerar te chamar para conversar com todos os
meus rascunhos de organogramas em mãos para manter o assunto fluindo – fica
ainda mais difícil acreditar que possam existir mesmo os lugares e as horas
certas para o amor acontecer. Ou qualquer outro sentimento caloroso que não
necessariamente circule pelos seus órgãos genitais ao mesmo tempo em que te
cause borboletas no estômago.
E então eu comecei a pensar sobre o “capítulo zero” das pessoas e em
como seria muito mais difícil tentar pedir permissão para participar da trama
de alguém caso soubéssemos de antemão o que vem acontecendo com ela. Claro que
existem os spoilers: as postagens no Facebook, as fotos no Instagram, os
check-ins no Foursquare... Mas nada disso realmente te garante que a vida de
alguém “dá pé” para que você tente entrar sem medo de se afogar. Redes sociais
são como outdoors: propagandas especialmente selecionadas para que você passe
por mim e fique contente por alguns segundos sobre o restaurante que eu fui, ou
por onde e com quem eu andei naquela balada. Mas que jamais te faça considerar
que talvez, só talvez, seja muita estética para pouca filosofia.
O que nos leva aos primeiros encontros – e o motivo pelo qual às vezes
eles não acontecem. Quando nos orientam a criar absolutamente qualquer outra
coisa a não ser por expectativas, nosso instinto natural de desordem toma conta
de nós antes mesmo que pudéssemos dizer algo do tipo “Não, não, pode deixar, não é nada sério. Só estamos conversando, numa
boa, sem pressão!”, enquanto na verdade já pensamos em qual é o caminho
mais prático para chegar até a papelaria mais barata da cidade, para comprar os
plásticos que usaremos para encapar os cadernos dos nossos filhos, quando nós
os matricularmos naquela escola particular em que já deixamos nossos nomes na
lista de espera, pouco antes do casamento. E nem tente negar. Eu sei que você
também pensou nisso.
A pressão envolvida em conhecer alguém agora começa muito antes mesmo de
realmente conhecer alguém. E digo por experiência de quem já passou pela árdua
espera para ver alguém que no final das contas não quis ser vista, bem como já
acabei por fazer o mesmo. O motivo é simples: eu não estava pronto. As
expectativas, assim como as tretas embutidas, já haviam sido plantadas. “E se você não gostar de mim? E se achar que
a minha foto, depois de muita edição e três tipos de filtros diferentes, não
tem nada a ver comigo pessoalmente? E se aquelas conversas de madrugada
desaparecerem na luz do dia? E se a realidade não corresponder? Quer saber? Não
vou arriscar.” E de todas as possibilidades, desde todos os sonhos do mundo
sobre os quais Fernando Pessoa escreveu, até os que você esconde debaixo do seu
travesseiro para que ninguém jamais descubra que você é daqueles que procura
alguém para amar mas não sabe como nem quem nem aonde, nada acontece.
No final das contas, entre spoilers e “capítulos zero”, ninguém quer
tentar dar uma chance para que um personagem novo possa desencadear novas
emoções à sua trama, até mesmo quando uma dessas emoções possa ser um amor. E é
por isso que estou tentando escrever a minha história ao mesmo tom em que
começo todos os meus dias: com a espontaneidade do Chico Pinheiro e a esperança
por um amor que ainda não encontrei.
*Escrito em 15/11/2015.