Só para constar: tudo o que eu queria era um jantarzinho a
dois. Mas você não colabora...
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Nada
ilustra a coleção de erros que eu já fiz
nessa vida de maneira tão clara como a minha lista de contatos do WhatsApp. Foi o que pensei durante o
auge do meu desespero existencial silencioso que costuma surgir do tédio das
noites de domingo, enquanto descia a barra de rolagem da agenda do telefone e
revisitava mentalmente as razões pelas quais sequer havia salvo os números de
algumas pessoas que, como o tempo veio a demonstrar, não fizeram jus a
demonstrações do tipo “precisando é só
chamar” ou “estarei sempre aqui”
que costumávamos trocar. Talvez seja apenas mais um dos efeitos colaterais dos
vinte e poucos anos, juntamente à instabilidade financeira e o pavor terminal
por qualquer compromisso. Mas é algo que me pareceu especialmente explícito
dessa vez, considerando o quão vulnerável eu ando me sentindo nesses últimos
dias.
A mudança para Foz do Iguaçu há meses perdeu seu ar de
novidade. Já me habituei com as ruas, a hora certa de atravessar certos
cruzamentos, os nomes de alguns bairros – embora não necessariamente saiba como
chegar até eles – e até mesmo a saudade da minha vida antiga se aquietou de
modo que lembrar dos meus amigos e das idiotices que fazíamos juntos não
acarreta mais em nostalgias chorosas. E talvez seja esse novo e saudoso estado
que a minha saudade atingiu que tenha aberto brecha para outros sentimentos
inflarem. Como me conheço bem, era de se esperar que a frustração crescente
fosse a primeira da fila. E digo “crescente”
porque, enfim, já construí um pequeno histórico por aqui no qual posso me
amparar para dizer que as coisas e as pessoas deixaram de ser assustadoramente
novas e passam a ser demasiadamente insossas.
Um eco de outono passou pela cidade esses dias, alertando
quem estivesse prestando atenção que o verão está chegando ao fim. E se tudo
der certo, logo estaremos na estação em que é totalmente aceitável não sair por
aí em trocar de ficar em casa debaixo das cobertas com um filme, uma bebida
quente e – eis o ápice da frustração – alguém especial do lado. Porque muito do
que eu associo ao inverno são lembranças terrivelmente solitárias, quando ter “alguém especial” ao lado parecia ser a
solução de todo a frieza que me cercava. E que me levam a sentir falta,
particularmente, dos lugares comuns que todo relacionamento possui. O cineminha
espontâneo, as mãos dadas no shopping, as conversas sussurradas na cama, até o
clássico jantarzinho a dois. Não sei dizer se realmente gostaria de um novo
relacionamento hoje, mas aquele ar denso e garoa leve que tomaram conta do
calor habitual da cidade me lembraram do quanto eu gostaria, só por uma noite,
revisitar um lugar comum com “alguém
especial”.
Desde que aprendi a cozinhar penso em como seria escolher um
cardápio especial para preparar para “alguém
especial”. Provavelmente uma massa... Acho que romance combina bem com
massas. E um bom vinho para acompanhar, que deixaria gelando um pouco enquanto
preparasse a comida. Arrumaria a mesa de um jeito que demonstrasse o quanto
tudo foi pensado para que essa noite fosse mesmo algo diferente. Guardanapos
dobrados em triângulos isósceles à esquerda do prato, taças de vinho à direita.
Luz de velas? Talvez. É importante para mim pensar nesses detalhes. Porque é
bom saber que a vida, o tempo e os relacionamentos mal resolvidos que ainda
residem na agenda do meu celular ainda não anularam por completo o romance que
há em mim.
Romance, inclusive, que costumava ser sinônimo da minha
personalidade em vez de antítese dela. Foi o que todos aqueles relacionamentos
fracassados que invariavelmente ainda ocupam espaço não só na memória do meu
telefone, mas no meu coração também, me ensinaram. Rompimentos, decepções,
vácuos e esquecimentos que me deixaram bem mais propenso à racionalidade de que
criar expectativas não só é desaconselhável como perigoso. E que a fantasia de
encontrar alguém e acreditar, apesar dos pesares, que pode dar certo é mais do
que infantilidade; é ridículo.
Então eu me lembrei do quanto me tornei imune ao ridículo há
muito tempo. E como não há mais nada que eu deixaria de fazer se eu sentisse
mesmo vontade. Afinal de contas, foi a impulsividade que me motivou a seguir um
sonho, e que me trouxe até aqui, e que já criou tantas histórias nessa cidade
ao ponto de acabar com o meu medo e de, enfim, dar espaço a um pouco de tédio
existencial de novo. E aí eu fui para a cozinha...
***
Repassando minha lista de contatos mais uma vez, confesso
que fiquei triste por um momento. A janta estava pronta. A mesa estava posta. O
vinho estava aberto. Só não havia companhia. Talvez não precisasse ser “alguém especial” esta noite. Porém não
alguém tão desprovida de mitologia e personalidade também. Mas só o que parecia
haver no meu celular eram contatos que provavelmente não aceitariam o convite
por desinteresse, ou não poderiam por geografia ou outros planos que já
tivessem feito. E ao colocar-me no lugar comum que tanto sentia falta, eu
percebi que reconstruí-lo foi bom para matar a saudade. Mesmo que estivesse
desacompanhado esta noite, ainda foi bom para relembrar algo ainda mais
importante que pensei ter abandonado há anos. O sonho de cozinhar um
jantarzinho a dois não só para alguém especial, mas a garota certa. A última
garota certa que eu irei conhecer.
E foi bom perceber que depois de anos eu finalmente aprendi
a cozinhar para dois. Como eu poderia deixar de acreditar justo agora?