Eu sou uma constante. Pelo menos é assim que eu me sinto. Mas
calma, eu vou explicar. Tudo começou há alguns dias... Não, mentira. Tudo começou
há alguns meses... Não, droga.
Anos? Invernos? Eclipses?
Ok, eu desisto. Eu não lembro como começou, mas seja lá quando tenha sido,
definitivamente foi um catalisador temporário cujo fim iminente eventualmente
encontrou o seu destino rarefeito. Porque as coisas que passam por mim
invariavelmente acabam. Os lugares fecham ou se tornam inacessíveis, bem como
as pessoas que eu encontro neles. Já escreveram sobre como o café esfria e o
sol se põe, dentre outras tantas metáforas criativas para ilustrar todas as 150
maneiras de como o amor acaba. E sobre como ele acaba porque alguém decide ir
embora. Bom, se algum dia houve um momento propício para escrever sobre coisas
que acabam e pessoas que vão embora, este é o meu. Então, Igor, pare, pense e
sinta bem o que você quer escrever, porque outras pessoas vão ler isso e talvez
até se identifiquem. Talvez não ao ponto de gostarem das linhas que irão
encontrar, e definitivamente não ao ponto de sentirem saudade o bastante para
voltar, mas são sentimentos esparramados que serão juntados do chão e colocados
em uma moldura virtual para futura admiração e arrependimento. Então pare,
pense e sinta bem mesmo.
E o que eu sinto? Bom...
Ao contrário das metáforas cansadas sobre corações partidos, morangos mofados e
vidas secas, eu me sinto carregando um enorme e frustrante coração de
rodoviária. Completo com todos os embarques e desembarques que as pessoas da
minha vida já fizeram ao chegarem até mim de algum lugar, algum lar longínquo,
alguma outra desilusão amorosa, até decidirem seguir em frente e partirem rumo
a sua próxima aventura. Particularmente, eu sempre detestei ter que me despedir
de alguém através da janela de um ônibus. Para mim era sempre o fim. Mas essa é
a ironia do fim, porque assim como eu sempre me sentia partido a cada partida,
não era preciso que o ônibus percorresse cem quilômetros de lágrimas até que eu
finalmente me acalmasse e caísse no sono. Porque esses fins, essas despedidas,
nunca são realmente o fim definitivo. São como intervalos, entre uma aventura e
outra. Uma vida e outra. Mas não é essa sensação de desbravamento e esperança que
me faz sentar, sentir e escrever essas coisas. É a sensação de quem fica para
fora do ônibus, acenando tristemente enquanto ele deixa a rodoviária e uma vida
toda para trás. Eu costumava escrever muito sobre seguir em frente, despedidas
e tudo mais, porque era fácil para mim. Certa vez fui eu quem me despedi. Agora
a vida é outra; é a vida de quem fica, e de quem sinceramente não sabe bem o
que fazer com isso. O lado ruim das constantes é que elas não possuem outra
direção, muito menos um espelho retrovisor. E por mais que outras pessoas sempre
pudessem contar comigo, isso nunca se mostrou muito recíproco. Tudo acaba.
E talvez seja o
denominador em comum sobre todas essas coisas que realmente me incomode: tudo
acaba, mas não por escolha minha. E aceitar que a vida é composta por ciclos, interlúdios
e aventuras passageiras parece mais vazio do que inspirador. Eu queria que algo
além de mim fosse constante. Queria que as pessoas ficassem. Ou então, queria
que partissem e me levassem com elas. O que me deixa com um enorme ponto de
interrogação; se tudo acabou, tudo pode começar. Mas o que começar? Como
começar? Onde começar? E com quem?
Ter todas as
possibilidades do mundo nas mãos parece desesperador. Eu posso ir embora
também, claro. Para onde eu quiser. Posso voltar para casa. Posso estudar em
outro lugar. Posso estudar fora do país. Posso abandonar tudo e fugir para uma
cidade com praia. E, claro, eu posso continuar aqui. Coisa que constantes fazem
como ninguém; elas se mantém. Mas até que ponto movimentos uniformes de vida
continuam sendo sinônimo de resiliência? A estrada para a felicidade não é
feita de curvas e desvios? Ou é preciso sempre seguir em frente, não importa o
que aconteça, sem parar para dar carona pra ninguém? Por outro lado, é bom me
sentir com tempo livre o bastante para questionar essas coisas de novo. Me faz
lembrar de todo início de ano, sempre com os meus níveis de expectativa lá no
espaço, e dos trancos e barrancos aos quais ele me joga até que eu entenda que
a vida não vai ser do jeito que eu esperava que ela iria ser. Não, senhor. Ela
vai ser do melhor jeito que eu puder levá-la conforme os obstáculos do caminho.
Só que agora não se trata mais de obstáculos, mas do percurso. E enquanto todos
vão embora, eu sou aquele cara que vislumbra permanentemente os guichês de
empresas de ônibus, sem conseguir decidir para onde quer ir, ou se deve ficar onde
está.
Talvez eu devesse
continuar por aqui por mais um tempo. Só até que algo aconteça. Porque alguma
coisa sempre acontece. Algo sempre muda. É a benção e a fatalidade da vida. A vida
que, por enquanto, pode ser o que eu quiser que ela seja, para onde quer que eu
vá.
***
Ironicamente, nunca me
passou pela cabeça o fato de que talvez eu simplesmente não pudesse ir com
você. Que você simplesmente não pudesse me levar. Que você precisava ir sozinha.
Essa é a tragédia das despedidas. Só nunca saberei dizer ao certo o que dói
mais: ser aquele que evita olhar pela janela para dar um último adeus, ou
aquele que fica sozinho na plataforma com o coração partido.
Seja como for: boa
viagem.
*Postado originalmente em 23/11/2014.