quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A teoria das mãos dadas no shopping

*Escrito em 19/02/2014.

Baseado em fatos reais. Ou não.

Quatro amigos em um bar, já na quinta rodada de cerveja. Uma mulher morena, alta e generosamente encorpada passa por eles.

Amigo #1, o pega-todas: Viu só aquela ali?
Amigo #2, o desligado: Aonde?
Amigo #3, o filósofo: Aquela que acabou de levantar pra ir ao banheiro e passou por aqui.
Igor, o paranóico facilmente impressionável que vos fala: Que bunda! (Obs.1: O termo utilizado não foi “bunda”, mas foi modificado aqui para fins educativos.)

Amigo #1: O que achou, Igor?
Igor: Gata, hein. De baixo pra cima, não de cima pra baixo. Não consegui ver o rosto dela.
Amigo #3: Melhor não ver. Não perdeu nada. De baixo pra cima, de trás pra frente só. Frente e cima, acabamento pobre. Baixo e trás é onde o ouro está.

O Amigo #2 concordou em silêncio

Igor: Mesmo assim, parece gata. Dá pra perder um tempo. Uns 10, 15 minutos. Uns dois ou três meses, quem sabe. Nada sério. Sabem da minha teoria de que namorar seria bom se fosse só de segunda à quinta de tarde; de quinta à noite até domingo, liberdade de expressão.
Amigos #1 e #3 concordaram e beberam mais um gole de cerveja.
Amigo #1: Aí sim, seria bom. Mas às vezes em uma semana morna, fraca, faz falta aquele outro corpo ali. Fazendo companhia, brincando um pouco, esquentando uma pipoca pra ver um filminho...
Igor: Claro, mas isso é coisa do que? Segunda à noite, né. Dentro dos parâmetros da regra. Agora, sexta à noite, vai me dizer que ficar em casa enrolado na coberta assistindo Globo Repórter com aquela ali era tudo que você queria? Se te conheço bem, nem iria levar ela pra casa, pra não arriscar ter ela aparecendo lá de madrugada berrando que você nunca mais ligou e que o amor de vocês é pra valer.

O Amigo #2 concordou mais uma vez, entre um gole e outro. (Obs.2: Vale ressaltar que quando quatro caras se reúnem em um bar, a divisão do debate é clara: sempre há o mediador, o argumentador, o radical, e o Amigo #2, que só concorda e a cada 3 garrafas, paga uma rodada.)
Amigo #1: Mas aí você já ta exagerando, Igor. Vai dizer que não rolava com aquela ali?
Igor: Claro que rolava. Quer dizer, ainda não vi a cara dela. Espera ela voltar do banheiro, aí te digo se a lenda dessa paixão me faz sorrir ou faz chorar. Entendeu agora?
Amigo #3: A pergunta principal não é essa. É a teoria das mãos dadas no shopping.

O Amigo #1 não reagiu, como se já fosse um velho aprendiz daquela filosofia. O Amigo #2 interrompeu seu gole para prestar mais atenção, como se sua ingestão de álcool o impedisse de absorver toda a sabedoria que estava por vir. Eu, pelo contrário, tomei outro antes de procurar saber mais.

Igor: A teoria das mãos dadas no shopping?
Amigo #3: Exatamente. Para qualquer mulher, o homem mentalmente diz “sim” ou “não”, “vou” ou “não vou”. Mas isso é a teoria. Na prática é o seguinte: aquela menina da bunda é pra você sair hoje e não ligar nunca mais, ou pra andar de mãos dadas com ela no shopping?

O Amigo #2 manteve-se em inércia. O Amigo #1 pediu outra garrafa.

Igor: Mas por que o shopping exatamente?
Amigo #3: O shopping não é o shopping. O shopping é uma pequena amostra da sociedade, dependendo do horário que você for. Se for no horário nobre, tem de tudo. Tem casais, tem novinhas, tem avós, tem petistas, tem religiosos, tem ambientalistas, ambidestros, alienados... Andar de mãos dadas no shopping é como assumir pra sociedade que você está levando a sério o comprometimento com aquela pessoa, e que você se orgulha disso. Essa teoria só perde pro teste da primeira vez em que você leva ela pra conhecer a sua mãe.

O Amigo #2 arregalou os olhos de tanta surpresa. O Amigo #1 estava vasculhando os bolsos pra tentar pagar o garçom com dinheiro trocado.

Igor: Tudo bem, agora eu entendi. Bom, eu não vi ela ainda, mas te digo que não. Não andaria de mãos dadas com ela no shopping. Pelo que parece, ela não é dessas. Ela parece mais ser do tipo “carro parado em estacionamento de shopping depois da sessão de cinema das duas da tarde em uma terça-feira preguiçosa”. Sem romance, só fricção.

Os Amigos #1 a #3 riram. Eu tomei um gole pra facilitar a descida da frivolidade que havia expressado pela minha garganta abaixo. Felizmente, esta nova rodada estava estupidamente gelada.

Amigo #1: E com quem você andaria de mãos dadas no shopping, Igor?
Igor: Boa pergunta. E por enquanto te digo que não há nenhuma boa pretendente para passar por esse teste.
Amigo #1: Você anda muito exagerado. Precisa sair mais. Vai que você conhece alguém, e semana que vem já está de mãos dadas com ela por aí, esfregando seu comprometimento na cara da sociedade?

No meio do novo debate, os Amigos #2 e #3 mantiveram-se na platéia.

Igor: Agora, dessa teoria eu manjo. “Vai Que”. “Vai Que” é o que já me fez sair muitas vezes por aí, crente de que valeria mais a pena do que ficar em casa com uma reprise de algum seriado, um copo de uísque e uma pizza de pepperoni. Até agora, “Vai Que” só me criou esperança que brotou arrependimento. Só que até a presente data, nunca “Foi Que”. Agora, a reprise, o uísque e o pepperoni nunca decepcionam.
Amigo #1: Então fica em casa só com o pepperoni, já que é isso que você curte!

(Risos embriagados de todos)

Amigo #1: Você precisa conhecer alguém.
Igor: Você precisa conhecer alguém!
Amigo #3: Eu preciso pegar alguém.

O Amigo #2 concordou com tudo. Eis que finalmente a morena encorpada sai do banheiro e passa novamente por eles. Todos tentam ser sutis ao acompanhá-la, sem sucesso.

Amigo #3: E aí?
Igor: É, definitivamente vale a pena de baixo pra cima, de trás pra frente. Não é pra andar de mãos dadas em lugar nenhum.
Amigo #1: Dá pra dar uns “pega”. Não é de jogar fora, mas também não adotaria. Parece judiada, mas esforçada.
Igor: Acho que agora acabamos de vez com ela, e com o jeito que a gente fala de mulher mesmo. Mas aquela ali parece mesmo experiente.
Amigo #2: Era a minha irmã...

 Silêncio constrangedor. O Amigo #3 pede a conta.