segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Vida em marte


Lá em Janeiro, quando a faculdade estava prestes a me conceder um grau que, exercendo a profissão ou não, eu fiz por merecer, deixei um post-it para mim mesmo grudado na base do monitor do meu computador. Era uma frase que, pra variar, eu adotei de um seriado porque falou tanto em poucas palavras que ecoou em mim ao ponto de tê-lo carregado comigo na mudança de Cascavel para Foz do Iguaçu. E ele permanece em seu lugar – talvez a única coisa nesta confusão toda que eu soube exatamente o lugar ao qual pertence.

“Você precisa perder tudo antes de realmente conseguir se encontrar”

Simples, direto, profundo. Bem como todas as coisas que eu tento dizer, fazer e escrever na minha vida, mas que nem sempre se safam de serem infames. Mas já estamos no fim de Setembro, que eu nem vi passar direito porque – eu admito – estava ocupado demais tentando atravessar todas as temporadas disponíveis de “Game of Thrones” para sofrer junto com quem já assistiu tudo até a próxima temporada em 2016. E porque, ironicamente, é assim que eu venho me sentindo há muito tempo. Ansioso pelo ano que vem, porque como diria Manuel Bandeira em sua famosa sofrência, 2015 teve em si uma vida inteira que poderia ter sido e não foi. Mas além de não ter sido nada a mais, muita coisa que já estava bem confortável e familiar para mim, deixou de ser.

Eu me formei em um dia, perdi meu emprego no outro. Não saiba o que fazer da vida, até arrumar outro emprego e aprender a me acomodar... Isto é, até eventualmente jogar tudo para o alto e decidir ir atrás do que eu realmente quero desta vida: que ela seja vivida. Abri mão do meu apartamento, da companhia dos meus amigos, coloquei mais alguns quilômetros de distância entre minha família e eu, e fugi para a fronteira. Porque não queria me acomodar, nem desistir. Queria viver e acreditava que poderia, mas que levaria um bom tempo até que eu encontrasse no desconhecido um bar para freqüentar sempre, amigos para irem comigo, e uma nova definição para “liberdade” que não necessariamente signifique que eu preciso morar sozinho.

Vale a pena ressaltar que eu também abri mão de um relacionamento porque, no final das contas, não era ela. Queria que fosse, acreditei que poderia ser, toda uma vida mais uma vez... Que não foi. E acontece. Ninguém errou, ninguém previu, e ninguém será igual depois disto. Eu sei que não serei, e que isso não é totalmente ruim. Entre ser ou não ser, a vida também tem dessas questões.

Eu abri mão de tudo para realmente ir atrás do que eu sempre disse que queria, e surtei mais do que deveria quando três semanas se passaram e nada aconteceu. Quando um mês passou e nada aconteceu.

E agora: dois meses. Dois meses, sessenta e dois dias, mil quatrocentas e oitenta e oito horas... Metade delas gasta em cinco temporadas de “Game of Thrones”, três temporadas de “House of Cards”, e um sonho. O sonho de fazer com que tudo que ficou para trás, valha a pena pelo que vem por aí. Só não sei quando, onde, como, quem ou porque – questões que são, por sinal, perguntas padrões que devem constar com as respostas em toda e qualquer reportagem.

Aprendi um pouco sobre Jornalismo na minha primeira tentativa no curso, e ainda carrego comigo algumas aulas, algumas lições... Alguns arquivos salvos no computador de trabalhos e matérias de prova. Ah. E o arrependimento.

Hoje eu saí pra correr, como quase todo dia tento fazer para criar a sensação de que a vida está seguindo adiante, mas tudo o que pude pensar era que havia dado dois passos para trás. Em dois meses de tempo. É preciso mesmo perder tudo? É possível se encontrar em uma cidade cheia de turistas de todas as partes do mundo, mesmo sem nenhum conhecido? Se existe vida em marte, é possível ainda existir vida em mim para começar mesmo de novo? E quando mais eu me questionava, mais o coração apertava, os olhos fechavam em dor e saudade, e mais eu corria. E, por Deus, eu fui longe. Passando da marca onde geralmente eu paro para caminhar, e da rua em que sempre atravesso para voltar para casa, eu continuei correndo. E refiz todo o caminho mais uma vez, ainda correndo, até que o coração finalmente sossegasse. Não sabia da onde vinha toda aquela adrenalina, aquela garra, aquele fôlego... E foi só depois de finalmente parar em um sinaleiro e atravessar uma rua caminhando de novo que eu olhei para trás e vi: o pôr do sol.

Eu corri por uma hora, por dez quilômetros, por mim. Mais um dia ficou para trás, mas desta vez ele terminou comigo ali, ofegante e vivo, contemplando mais do que um avanço físico, mas a descoberta de que ainda existe sim muito mais vida em mim do que eu pensava. Muito mais fôlego e resiliência para passar mais meses, anos, o que fosse necessário até que este rascunho de vida criasse forma, históricos, companhias e, quem sabe, menos barriga.

Você precisa perder tudo para realmente conseguir se encontrar. E em dois meses talvez nada muito grandioso tenha acontecido, mas o que eu venho aprendendo sobre mim me faz pensar que vale sim a pena. Que o meu nome vai ecoar muito mais por aí do que as promessas e planos que faço para mim mesmo a cada Janeiro. Claro que isso não me faz querer perdoar 2015 pelas dores, pela saudade e pelo desgaste todo. Não foi o melhor ano da minha vida, mas talvez seja aquele tempo que toda temporada tem para preparar suas histórias antes delas puderem mesmo acontecer. E que quando acontecem... Uau.

É isso que 2015 está sendo. Uma vida que poderia ter sido e não foi, porque eu nunca irei me acomodar. Talvez ainda leve mais alguns meses, mas que servirão para que eu descubra que consigo ir ainda mais longe do que já cheguei.

Seja um escritor, Igor, ou morra correndo atrás disso. Não sei se existe vida em marte (pelo visto, existe água), mas ainda existe em mim.