quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Beber, rezar, amar


Ontem eu comemorei 45 dias de sobriedade filosófica em Foz do Iguaçu, resistindo às tentações de mergulhar em questionamentos sobre a vida, o amor e a cidade que fossem além das minhas distrações metafóricas (como, por exemplo, pensar sobre o quanto a péssima direção dos motoristas paraguaios nos estacionamentos de mercados aqui pode representar o desequilíbrio do dólar na bolsa de valores mundial). E talvez eu conseguiria me manter sóbrio por mais tempo, se não fosse a minha irônica sorte de redescobrir a minha fé nos lugares mais aleatórios. Ou, neste caso, nos lugares e nos horários de funcionamento certos.

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De agora em diante, vamos considerar que estes relatos infames sobre mudanças que ando registrando por aqui vão mais além do que um mero caminhão de mudança que viajou cento e trinta quilômetros para levar as minhas coisas de um familiar ponto A para um distinto ponto B. O que eu quero com tudo isto na verdade é contar uma história que faça mais sentido do que a última que vivi, pois apesar de ter terminado tudo relativamente bem, o começo em si foi algo mais difícil de desenvolver. Bem como todos os começos de qualquer coisa, creio eu.  Mas o prólogo é sempre simples: você faz uma escolha, e assume as ramificações dela ao longo do caminho que se forma à sua frente. É a lei natural da vida – a causa e o efeito – em sua versão mais cotidiana. Não querendo soar determinista demais, nem ofender aqueles que acreditam que é possível cometer erros sem comprometer o seu destino, assim como eu secretamente ainda acredito. Parece até juvenil admitir em voz alta que algo como destino pode existir; como se ao atingir certa idade, conceitos como “destino” e expressões como “nunca” e “para sempre” tornam-se ocos diante do mundo real, e irreconhecíveis para aqueles que realmente levam este mundo a sério. Voltando à minha história, cujo prólogo tem esfriado assim como o clima lá fora, este talvez seja o momento em que o leitor chega até a página em branco que separa o prefácio do primeiro capítulo. Um capítulo que chamarei carinhosamente de “A Espera”.

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Se o mundo pertence aos dispostos, talvez eles considerem me aceitar à sua comunidade ao relevarem o quanto eu estou tentando fazer parte disso tudo pra valer. Caminhando pelas ruas de Foz do Iguaçu, visitando seus marcos históricos, registrando minhas experiências por esta terra de imigrantes e estrangeiros, um sentimento constante pairava sobre mim cuja nomenclatura permanecia indescritível. E talvez tenha sido esta a brecha que o destino estava aguardando que eu alcançasse – ou qualquer outra força que você leitor creia que rege o universo: Deus, o governo, ou os fabricantes daquela pílula vermelha do Matrix. Enfim, em minhas aventuras pela terra das cataratas, eu descobri a palavra que me faltava no que quase seria o lugar mais inesperado de todos: a parede da lateral exterior dos banheiros do Templo Budista Internacional.


Foi em uma visita a mais um ponto turístico da cidade que eu me percebi realmente tentando ir além das minhas zonas de conforto – e as chamo de “zonas” pelo caráter bagunçado que toma conta do meu quarto ultimamente. Admirando as estátuas e os dizeres em chinês sobre prosperidade e paz, eu senti uma calma que há muito tempo não sentia, visto que passo a maior parte do meu tempo entretido por maratonas de séries americanas e surtos de ansiedade generalizada sobre o futuro. Mas depois de passar por todas as estátuas, eu avistei mais alguns dizeres escritos pelas paredes da lojinha de lembranças e dos banheiros próximos a saída. E um deles prendeu a minha atenção ainda mais do que toda a minha mini-experiência budista até então:


E logo abaixo:


De acordo com a religião budista, a impermanência é um dos conceitos essenciais para a descrição do universo e diz respeito à constante mutação de todas as coisas. É importante compreender a importância da impermanência e, acima de tudo, aceitá-la como parte natural da vida. E como todo processo, toda mudança e toda viagem, é preciso dar o primeiro passo – que, por sua vez, sempre será o mais doloroso.

Coincidentemente ou não, a impermanência é a palavra-chave que simboliza esta parte da minha jornada hoje em Foz do Iguaçu. Na travessia entre o ponto A e o B, o mundo novo e o antigo, meu passado e o meu futuro, é preciso entender o porquê de certas coisas ficarem para trás antes de realmente seguir em frente. E ao dar fim à minha visita no templo (e de descobrir o quanto são caras as lembrancinhas daquela lojinha), levei algo bem mais valioso comigo: a crença de que mudanças são inevitáveis na vida de qualquer um, mas ao aceitá-las como um presente, a viagem rumo ao Nirvana pode se tornar bem mais proveitosa.