Antes de
admitir qualquer problema, vocês precisam tentar entender o meu lado. E não é
que eu queira defender um comportamento que talvez seja mesmo inconsequente,
ineficiente e imaturo, muito menos exagerar na proporção disto... Mas eu sou
irremediavelmente obcecado por competições. Por comparar o quanto eu já
percorri na vida em comparação a todos as outras pessoas/competidores pelos
quais eu já passei, e por aqueles que estão – teoricamente – à minha frente. E
provavelmente você também é assim, ou então já teve seus momentos que
obviamente guardou para si. Porque competir é a base da evolução humana; é
instintivo, desde o espermatozoide mais rápido que cruza a linha de chegada,
até o candidato que demonstra ser mais eficiente nas perguntas eliminatórias de
uma entrevista de emprego. Até mesmo quando se está caminhando pacificamente
pelo shopping e alguém significantemente mais lento que você surge na sua
frente; é instintivo querer ultrapassá-lo, e quem sabe até murmurar baixinho, “Por
que gente lerda sai de casa?!”. No trânsito a competição fica bem mais
evidente; é uma guerra e cada motorista pensa em si mesmo como se fosse o Bruce
Willis tentando avançar todos os sinais vermelhos para capturar algum
terrorista – mas não sem xingar em voz alta ou buzinar para quem tem a ousadia
de respeitar os limites de velocidade.
Enfim, todos
nós enfrentamos as nossas provações diárias, sejam pequenas ou grandes, silenciosas
ou barulhentas. E caso eu esteja errado sobre isso, eis o problema que eu
precise admitir. E eu estou sinceramente tentando mudar, começando por hábitos
mais enraizados na arte de competir para, quem sabe, aderir o padrão aos outros
contextos da minha vida. Toda tarde quando saio para correr, venho tentando
cuidar da velocidade com a qual eu faço meu percurso para não terminar ofegante
e visivelmente exausto ao passar por algumas avenidas movimentadas no caminho
de volta para casa. Tento me concentrar no percurso e não na pressa, visto que
o importante é exercitar-se, sair de casa para respirar ar puro, distrair-se
dos problemas escutando minhas playlists favoritas... Não tem porque ficar se
comparando com outros corredores; talvez eles tenham começado antes, talvez
treinem há mais tempo, talvez estejam indo para outro caminho. Cada um na sua
vibe... E eu juro que ia conseguir, se não fosse por aquele cara.
Já na metade
do caminho, atravessando o bosque na avenida Paraná, um cara surgiu na minha
frente e me ultrapassou. Tudo bem; cada um tem o seu ritmo, o importante é
exercitar-se, bla, bla bla... Só quanto mais eu seguia em frente, mais ele
continuava à minha frente. Não disparado na minha frente, apenas ali; existindo
há apenas alguns passos de mim, porém “à frente” na corrida.
“Ok... Tudo bem. Nada de pânico. É só um
cara; você não precisa ultrapassá-lo. Siga com esse ritmo porque ainda tem
muito chão pela frente; a descida na avenida República Argentina é sempre tensa
e cheia de gente pra desviar. Não adianta querer se desgastar só porque ele
está na sua frente. Na verdade ele nem está na sua frente; só está correndo no
ritmo dele. Você não conhece ele. Não precisa provar nada pra ele, nem pra ninguém.
É só um exercício, um passatempo, uma redução de danos na sua gama defeituosa
de sanduíches, bifes à parmegiana e strognoffs que você se atreve a chamar de “hábitos
alimentares”. Isso pra não falar da cerveja, dos vinhos... Mantenha o ritmo.
Foco, força e fé! Talvez ele não siga no mesmo caminho que você! Olha, ele pode
atravessar aqui e sair do seu caminho! Ok, não é “meu caminho”. Pare de pensar
assim! Enfim, no que eu estava pensando? Ah, sim! Lá vai ele, lá vai ele, lá
vai ele... Ok, não foi. Seguiu em frente. Tudo bem; deixe ir... Concentre-se em
se desviar das pessoas e tudo vai ficar bMAS QUE DROGA, GENTE! NÃO ESTÃO VENDO
QUE ESTOU CORRENDO E VOU PASSAR MAIS RÁPIDO POR VOCÊS?! SAIAM DA FRENTE,
CARAMBA! Vish! Que coisa, viu! Gente lerda é um atraso de vida mesmo! Mas ta,
já passou. Pelo menos esse pessoal agora teve mais noção! E lá está aquele
cara. Ainda na minha frente. Ainda no meu caminho. Ainda me caçoando. Ainda
provando que é mais rápido que eu. Que é melhor na única coisa que eu tenho
para fazer nesta droga de cidade calorenta! Acha que eu não tenho mais o que
fazer, hein?! ACHA QUE É MAIS RÁPIDO QUE EU, É?! ISSO É O QUE NÓS VAMOS VER!”
Eventualmente
eu ultrapassei o cara e me senti vergonhosamente vitorioso. Mas o pior mesmo
foi passar reto pela rua em que eu sempre atravesso para voltar para casa, e
seguir reto pela avenida até o próximo cruzamento, ainda correndo, até chegar
na Presidente Kennedy e passar mais uma vez pelo cara
que anuncia o fim do mundo em quatro línguas diferentes (desta vez em
espanhol!). E ao chegar na rua de casa, continuei correndo até a portaria do
prédio. Quando finalmente parei, hesitei um pouco antes de entrar em casa.
Depois de ultrapassar o cara nem me preocupei em olhar para trás, para ver se
havia mesmo ganho a corrida imaginária em que eu havia nos colocado, ou se ele
seguiu por outro caminho – provando mais uma vez que competições deste tipo só
fazem mal para pessoas como eu, enquanto os outros estão (aparentemente) despreocupados
com este tipo de coisa.
Naquela
tarde eu aprendi duas coisas:
1) Eu sou
tragicamente obcecado por competições e admito que preciso me preocupar com
coisas mais importantes como o meu próprio caminho, e entender que para tudo na
vida há um tempo certo e não adianta querer apressar as coisas. É preciso
crescer, amadurecer, restabelecer metas, ser paciente e parar com as
infantilidades, pois sou um adulto e já passou da hora de agir como tal.
2) Só pra
constar: eu ganhei. Pelo menos por hoje.