Para cada
mudança que a gente faz, sempre há aquela caixa cheia de coisas aleatórias
cujas quais você ainda não sabe exatamente aonde guardar no seu novo lar. E
então você guarda a caixa em um canto escondido dos olhos das visitas para que
não pensem que você é bagunceiro ou preguiçoso demais para desempacotar tudo.
Dias passam, meses, anos, até que finalmente você lembra de que algo que seria
muito necessário agora não estava junto com as outras malas e caixas que você
organizou no dia da mudança. Está em algum outro lugar... Mas onde? E procura debaixo
da cama, dentro do armário, nas gavetas do criado mudo e nas prateleiras da
estante, até se lembrar de que ficaram algumas coisas guardadas na dispensa “pra
arrumar depois”. E muitas mudanças depois daquela mudança em particular – a que
ocasionou o empacotamento, arquivamento e esquecimento daquelas coisas – você reencontra
aquela caixa e descobre que muitas outras coisas que você estava precisando ou
já precisou antes estiveram ali o tempo todo.
É o
princípio do “quarto da bagunça” que todos nós temos, independente das
variações de móveis ou dependências possíveis para ocultar as nossas coisas que
ficaram “pra arrumar depois”. E é um reflexo assustadoramente exato de como nós
lidamos com as diversas fases que atravessamos pela vida. Caso ainda não
acredite em mim, pense sobre a versão digital do princípio do “quarto da
bagunça”: o desktop cheio de ícones não utilizados e muitas, mas muitas pastas
simplesmente nomeadas como “nova pasta” ou qualquer outro neologismo que você
criou ao digitar dez teclas aleatórias porque não importava como chamaria
aquela nova repartição. Pois é. E talvez eu não precisasse falar sobre a forma
mais preocupante deste princípio, mas é a que está mais camuflada entre todas
as minhas gavetas bagunçadas e pastas de fotos salvas dentro de outras pastas
de fotos; o meu coração.
Ainda sobre
o exemplo digital, pense no seu coração com o mesmo carinho que você trata o
seu disco rígido – ou, em outros casos, o cartão de memória do seu celular.
Agora imagine ele travando, reiniciando sozinho ou ignorando seus comandos cada
vez que você experimenta instalar um aplicativo novo, até ficar entediado e
desinstalar para poupar seus gigabytes. Agora imagine você sendo obrigado a
esperar alguns minutos para que um anti-vírus tente excluir todos os resíduos e
arquivos temporários que estas várias desinstalações foram acumulando, só para
se irritar quando o anti-vírus conclui metade da sua varredura e te notifica
que caso queira seu disco rígido 100% limpo, você pode optar por imprimir um
boleto ou efetuar o pagamento online com seu cartão de crédito para obter o
programa completo. O coração é assim; as pessoas vem e vão, os lugares são
descobertos e às vezes revisitados, mas sempre ficam os excessos, os ícones e
atalhos que já não abrem mais nenhum programa, tampouco levam a lugar algum. E
na vida não há nada equivalente a um anti-vírus desbloqueado, mas há a
contraparte dos arquivos temporários: a saudade, o medo, a insegurança. E ao
contrário dos discos rígidos que esquentam ao serem sobrecarregados pelos
aplicativos e processos em aberto, nós vamos esfriando cada vez mais.
O que eu
quero dizer com tudo isso? Bom, certamente não é para dar uma lição de moral em
alguém, visto que minha constelação de novas pastas é recriminatória por si só
e minha necessidade por um celular novo já não é mais novidade desde que me
acostumei com ele travando e reiniciando sozinho pelo menos três vezes por dia.
Mas voltando à minha mudança, que permanece recorrente em meus novos dias
Iguaçuenses, hoje me peguei pensando sobre todos os quartos de bagunça que já
tive e sobre como hoje, milagrosamente, só o que tenho para provar-me humano é
uma pequena dispensa que vai além da área de serviço, onde as caixas que
empilhei lá não estão necessariamente organizadas – mas ao menos estão nomeadas
para que à primeira vista já se saiba o que há nelas e se valem a pena serem
abertas ou não. A bagunça que mais me assombra hoje é a do meu coração que
ainda não se situou completamente de tudo que já viu passar este ano, e que
teme pelo que mais poderá vir. Para fugir da minha bagunça eu prefiro aplicar
as minhas estratégias de fuga favoritas: maratonas inacabáveis de temporadas de
séries novas, reprises desnecessárias de séries antigas, e uma hora de corrida
por dia para ao menos demonstrar para a cidade e para mim mesmo que estou
tentando fazer parte dela. Por mais que nada nem ninguém caiba a mim aqui ainda
a não ser pelos meus próprios registros sobre como tem sido visitar marcos
turísticos e andar pelas ruas em uma multidão de estrangeiros. É reconfortante
saber que, apesar dos contextos diferentes, eu não sou o único que se sente
perdido por aqui.
Hoje me pus
a escrever de novo, ainda com o intuito de desabafar comigo mesmo em vês de
meramente contar uma história cíclica envolvendo uma nova aventura e uma velha
metáfora sobre as palavras-chave que destaco ao fim de cada texto, ao me
perceber exatamente como o exemplo que descrevi no começo desta nova crônica.
Estava correndo pelas ruas de Foz do Iguaçu com os fones de ouvido ao som
máximo sem muita vontade de voltar logo para casa ou de dar continuidade à
minha odisséia rumo à boa forma. Ultimamente o que me atrai em correr são
apenas os momentos gastos fora de casa e em um caminho que eu já aprendi a
percorrer. Quando a única coisa entre você e as coisas que você procura é o
próprio tempo, todos os dias se tornam Domingos intermináveis. E por mais
microscópico que pareça em comparação com o resto da minha vida, tem sido bom
utilizar um pouco deste tempo todo dia para trilhar um caminho. Qualquer
caminho que você crie para si mesmo vale a pena quando a única alternativa é
ficar parado à mercê do tempo. E foi em uma dessas corridas que eu me peguei
tendo aquele insight repentino, do tipo “lembrei-aonde-guardei-tal-coisa!”, e
voltei para casa para criar coragem de remexer no meu coração. E foi nele que
eu reencontrei a minha confiança de que as palavras que eu sinta que preciso
escrever valem a pena serem digitadas, que caminhos em que eu procure correr
valem a pena serem trilhados, e que mudanças que eu aceite para a minha vida
valerão a pena desde que nenhuma bagunça fique para trás. E antes que Foz do
Iguaçu e eu possamos realmente nos apegar um ao outro, eu preciso me certificar
de que acredito que as coisas poderão dar certo aqui. E talvez a única maneira
de fazer isto seja exatamente esta, ao deixar registrados os passos que dei em
direção ao que vim aqui para fazer: tornar-me um escritor.
Às vezes eu
sinto que estou me aperfeiçoando cada vez mais na arte de recomeçar. Ou então,
que eu estou finalmente descobrindo onde expor as coisas que mantive guardadas
em mim como, por acaso, a minha felicidade.