segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O outro lado desta vida


“É isso que eu quero pra mim hoje: mudança. Possibilidades. Desvios e retornos, ou qualquer direção para qual esta cidade me leve. Porque certo tempo atrás, entre outras ruas e outros centros, eu aprendi que crescer e amadurecer não são estágios finitos na vida; eles continuam até o fim das nossas jornadas. Porque nunca saberemos “tudo” o que há para ser aprendido, e não há “nada” a perder com cada experiência que colecionamos ao longo do caminho. Pra ser sincero eu não sei se isso vai dar certo, mas pelo menos eu acredito que em se tratando de possibilidades, eu pelo menos devo estar no lugar certo.”

Dia desses eu estava andando pela rua à caminho de uma das quinze definições de “centro” que Foz do Iguaçu possui quando dois turistas chilenos me pararam para  perguntar como podiam chegar até o terminal. Talvez fosse apenas coincidência o fato de que estávamos exatamente na rua que leva à entrada do terminal, mas é de mim que estamos falando aqui e não existem coincidências; apenas sinais a serem interpretados. E depois de um leve constrangimento ao andar mais alguns quarteirões na mesma direção, os chilenos seguiram seu rumo enquanto eu parei para contemplar o que aquilo realmente significava. Afinal de contas, quem sou eu para dar instruções de qual direção seguir para alguém? Especialmente por essas terras em que, cinco meses atrás, eu não fazia idéia de que não precisava andar até outros centros para encontrar um chaveiro, uma farmácia ou um posto de gasolina para comprar cerveja porque havia tudo isso e muito mais só no raio de um quilômetro da minha casa. Enfim, são coisas que a gente só aprende quando se está em um mesmo percurso há algum tempo. E é algo que eu sinceramente não via a hora para que acontecesse comigo aqui.

Agora quando recebemos uma visita aqui em casa, é natural sugerir opções de passeios para conhecer um pouco de todo o leque de possibilidades turísticas que Foz do Iguaçu tem para oferecer. E por mais marcos históricos e passeios que existam por aqui, como o marco das três fronteiras, o parque das aves ou o templo budista – isso sem cruzar nenhuma “aduana” ainda – tudo já me parece surpreendentemente familiar. Mas é sempre bom estar por perto para ver as primeiras impressões de quem os visita pela primeira vez, porque me lembra do quão impressionado eu mesmo fiquei quando cheguei aqui. Impressionado e ridiculamente perdido. Cercado por um vai-e-vem constante de pessoas do mundo inteiro que vem para visitar e conhecer um pouco do que recentemente tornou-se a “capital do turismo do Paraná”, era reconfortante saber que eu não era o único a se sentir desorientado.

E depois do que provavelmente será lembrado como um ano estranho e disforme, é bom saber que aquele começo tão incômodo e desconcertante já correu seu curso. A cidade já não parece tão grande e desconhecida, embora ainda tenha muito o que explorar pela frente. Todas aquelas possibilidades que imaginei quando cheguei aqui ainda estão adiante no caminho, entre tantos outros que a cidade possui até os que levam para os países vizinhos. Vale lembrar que até a moça que sempre me atende naquele mercadinho Argentino já me conhece o bastante para me apontar onde estão as novas garrafas de Pinot Noir que chegaram na loja. Para quem chegou aqui sem saber exatamente aonde estava ou para onde queria ir, é bom saber que já vivi o suficiente para ser reconhecido em alguns lugares e para orientar como chegar a outros. E estou só começando.

Nós ficaremos bem, Foz do Iguaçu. O outro lado desta vida nunca pareceu tão certo.

Feliz ano novo!

domingo, 20 de dezembro de 2015

Ontem


Eu vou achar um caminho, e eu vou ficar bem. Esta é uma promessa da qual eu não abro mão.”

Era tudo o que eu queria para 2015. Um ano que estava só começando, mas já tão cheio de portas que se fecharam e ciclos que se encerraram, que ficou difícil se orientar para descobrir aonde ir em seguida. Um emprego se foi, uma faculdade terminou, e ainda estávamos só em Fevereiro. E não havia nada que eu conseguisse fazer a não ser sentir-me perdido em todos os aspectos possíveis. Na verdade eu não queria um caminho; eu precisava de um. Quando o mundo que você tinha como base deixa de existir, para onde você vai?

Por outro lado eu nunca realmente deixei de acreditar que dias melhores viriam. Até porque, se ainda resta alguma esperança no fim de um dia ruim, é natural que a gente persista para ver o que mais há por vir. E seguir em frente, apesar dos pesares, é tudo o que qualquer um de nós pode fazer. Voltar atrás é impossível. A outra opção é desistir.

Agora, existe uma diferença entre admitir derrota e o fim natural das coisas. E entre uma coisa e outra existe a aceitação. Desistir implica em falta de dedicação, fraqueza e orgulho ferido. Mas quando um ciclo chega mesmo ao fim, é preciso aceitá-lo e sair em busca de algo novo. O problema era que aceitar o fim das coisas nunca foi o meu forte. E a minha crença no amanhã – depois anos escrevendo sobre nunca deixar de acreditar, dias melhores e esperança em tempos difíceis – acabou se misturando com um conceito bem mais abstrato do que qualquer outro: o infinito.

Nada dura para sempre. O mundo gira, a vida muda e nós crescemos. A qualidade das mudanças em si são variáveis, mas é inevitável que a gente transite de um status quo para o outro a medida em que as nossas escolhas traçam nosso rumo. E durante seis anos e seiscentos e quinze postagens, meu status quo baseava-se em um pequeno blog chamado “Você vai adorar o amanhã”. Foi a maneira que encontrei para me adaptar a um novo estágio da minha vida em que fiz questão que tudo fosse mesmo novo: a cidade, as companhias e as experiências que eu pudesse vivenciar através delas. E com o tempo vieram amigos, empregos, matérias fáceis e relatórios complexos durante o curso da minha primeira faculdade, primeiras descobertas, segundas intenções, laços desfeitos, amores temporários e muitos, mas muitos textos inspirados em tudo isso. E o que começou como um simples passatempo pessoal cresceu ao ponto de englobar tantos marcos históricos e homenagens para tantas outras pessoas, que me fez perceber que era exatamente isto o que eu queria fazer da minha vida como um todo: escrever sobre as pessoas, relacionamentos, problemas cotidianos e globais, e o quanto o mundo ao nosso redor nos afeta mais do que conseguimos perceber às vezes. Nas pequenas coisas do dia a dia existem traços da nossa personalidade, metáforas a serem exploradas e refletidas e, vez por outra, uma fração do nosso reflexo no universo que passa batido por nós em um dia atarefado ou uma semana corrida. E a cada homenagem escrita, cada metáfora explorada, cada desabafo infame, eu fui feliz.

Tão feliz, inclusive, que certo dia eu entendi que aquela pequena página virtual não era apenas um diário de bordo para crônicas e outros rascunhos. Era o caminho que me levou a finalmente descobrir, ironicamente, o caminho que eu queria seguir pelo resto da minha vida. E quando eu entendi o motivo daquela página ter sido criada e ter perdurado por anos, eu tomei uma decisão que a levou ao inevitável fim do seu próprio ciclo: eu segui em frente mais uma vez.

Eu sinto falta daquela página e da liberdade que criei a cada vez que escrevia nela. Às vezes sobre mim mesmo, às vezes sobre outras pessoas que me inspiravam de alguma maneira ou que eu gostaria de deixar registrado ali o quanto fora importante a sua participação na minha história. Já se passaram seis meses desde que eu optei por encerrar as suas atividades para escrever em outro blog, e fiz isso unicamente para fazer jus à essência àquele “amanhã” sobre o qual escrevi por anos. Quando se segue em frente, é preciso mesmo manter o olhar adiante e construir novas possibilidades para você mesmo. E a saudade é meio pelo qual tudo o que você vivenciou e sente falta, permanece viva.

Ainda tenho grandes planos para homenagear o que aquela página fez por mim, que indiretamente também servirá para todos que também fizeram parte dela. Mas por enquanto só o que eu queria dizer mesmo é tirar um momento, antes que esse ano termine, para reconhecer que aquele “amanhã” nada tem a ver com o “infinito”. Era sobre esperança, e foi o que me trouxe até aqui.

E que continue registrado: eu adorei.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Os arrependimentos certos


Chegou a época do ano de promessas, resoluções e outros band-aids que inventamos para justificar nossas desventuras durante os últimos meses. Sabe né? Algo que não acontece desde a última vez em que paramos nesta parte do ciclo. E não é com alguma inspiração súbita sobre fazer do próximo ano o melhor da minha vida que eu pretendo deixar 2015 porque, convenhamos, você e eu sabemos que a expressão “margem de erro” não foi criada a toa. Sempre haverá uma parcela de desenganos sob as quais todos nós estamos fadados a repetir, desde as hesitações para atravessar uma rua pensando que “ah, dá tempo!” (até descobrir que não, não dava), até jurar que levará a sério aquele projeto verão que teve que ser engavetado devido às normativas secundárias que entraram em vigor junto com o novo rito do impeachment.

E são graças a esses pequenos desvios padrões que todos nós temos na nossa curva em direção à tão sonhada maturidade que nos permitimos um pouco de ilusão de ótica, misturando frisante e esperança ao som dos rojões à meia-noite para que quando chegar a manhã seguinte – que é realmente quando consideramos que um novo ano começou. Pois enquanto a festa de réveillon continuar, ainda vale tudo. Regeneração é todo um processo que deve ser celebrado até quando a meta é diminuir nas doses, entende?

Quanto a mim, meu objetivo é claro: haverá mudanças, bem como sempre há em qualquer dia de um novo ano que começou. Mas em vês de focar em colocá-las em prática imediatamente – o que pode ser complicado, considerando que o almoço do dia primeiro tende a ser uma continuação das frivolidades da festa de réveillon, e a verdadeira ressaca do ano que mal terminou, mas ainda está entre nós cobrando seus revés – eu optei por um procedimento mais simples: o da eliminatória. Se haverão erros pela frente, de que adianta jurar que nenhum deles absolutamente não acontecerá até acontecerem? O segredo está em juntar o máximo de maturidade possível e decidir de uma vez por todas quais erros você quer mesmo deixar para trás.

Tudo o que eu quero para o ano que está por vir é uma consciência tranqüila que me guie por doze meses sem me perder pelo caminho para que, no mínimo, eu chegue até a próxima festa de réveillon com os arrependimentos certos. E o melhor jeito de fazer isto é deixando para trás a maior bagagem que ainda arrasto comigo: o peso de relacionamentos passados que terminaram mal, tornaram-se incógnitas ou sequer começaram.

Talvez a melhor maneira de tornar-se uma nova pessoa neste novo ano, como tantas propagandas de panetone e lojas de departamentos esperam de nós desde que as mantenhamos por perto, seja finalmente deixando as pessoas erradas para trás. E acho que se eu for capaz disto, é possível que emagreça o suficiente para me motivar a continuar me exercitando depois que o cheiro de ano novo dissipe durante a segunda quinzena de Janeiro.


Um brinde!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Os clichês

Acho que nós, como espécie, já não temos muito o que criar em termos de relacionamentos. Pode parecer pessimista mas na verdade é só uma pequena afirmação em prol da minha própria paz de espírito para que, ao menos daqui em diante, algumas comodidades não pareçam tão alarmantes quanto antes. Porque mais cedo ou mais tarde toda relação cede aos clichês. Desde o cara que manda flores para surpreender a amada, até a namorada que passa no sex shop antes de chegar em casa para preparar uma noite mais apimentada. E não há nada de errado com isso, por mais que todos nos aspiremos pela originalidade. Mas depois de séculos de primeiros encontros, discussões, reconciliações, dentre outras modalidades da vida à dois, é de se esperar que alguns padrões venham à tona.

***

Algum tempo atrás uma amiga comentou comigo suas considerações a respeito de um artigo que havia lido sobre a “geração Y” e sua infelicidade orgânica como resultado direto de todos terem sido criados com a noção de que são “únicos” e “especiais”. Falava muito sobre como o descontentamento da juventude estava enraizado na noção de que todos se consideravam dotados de habilidades que ultrapassavam a curva da normalidade de maneira exorbitante – e que, exatamente por isto, era trágico viver em uma realidade que não os recebera do modo como esperavam que mereciam diante da sua raridade. Também não me lembro ao certo, mas tenho quase certeza de que havia vinho durante esta conversa.

- Todo mundo se acha especial e então se frustra quando a vida não os reconhece.
- Isso quer dizer que ninguém é especial?
- Não, só significa que as pessoas precisam saber enxergar as suas próprias limitações em um contexto maior do que seu próprio umbigo.
- Uau! Impressionante. Me lembre de anotar a marca desse vinho.
- Estou falando sério, Igor. Vivemos em um tempo onde os jovens entram no mercado de trabalho achando que se tornarão profissionais instantâneos! E são os mesmos jovens que acreditam que ninguém ao seu redor sirva como parceiro pois são inferiores às suas próprias qualidades. É uma geração fadada ao fracasso exatamente por se achar predestinada ao sucesso!
- Fascinante... Ei, sirva outra taça para mim.
- Ok. Então, como eu dizia... Ah, relacionamentos! Esses jovens são cada vez mais exigentes sobre o que procuram e o modo como seu parceiro deve ser. E até quando encontram alguém, o descartam por algum motivo besta que só serve para reafirmar sua suposta superioridade.
- Jovens como nós? Solteiros à mercê de ciência e vinho nesse exato momento para nos sentirmos melhor sobre estarmos sozinhos?
- Não dá pra conversar com você, Igor.
- Desculpe... Mais vinho?
- Claro.

***

Quanto mais eu penso sobre relacionamentos, mais eu me recordo sobre todos os clichês que já vivenciei. Daqueles que parecem existir só nos filmes ou nos livros de romance sobre os quais fazem esses filmes, que parecem tão ridículos e óbvios até você perceber o quanto não passavam de mensagens subliminares que se traduzem nas maneiras que você procura para não deixar o seu namoro cair na rotina – através de outras rotinas que são passadas de geração para geração.

O importante talvez não seja recriminar os clichês pela falta de originalidade ou do elemento surpresa, mas reconhecer o quanto ainda são eficazes em sua função. Algumas mulheres ainda se empolgam por receber um buque de flores do mesmo modo que a maioria dos homens responde da maneira esperada diante daquela lingerie debaixo dos lençóis. E por fim sempre haverá o clichê que se repete em todos os relacionamentos: o momento em que ele ou ela decidem dizer “eu te amo”. Agora, se é uma expressão desgastada ou não, só depende de quem diz.

Clichês só não funcionam quando não há sentimento. Caso contrário, serão sempre bem vindos.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A lenda do amor correspondido

Se você desconsiderar os efeitos especiais, os dinossauros que inexplicavelmente também viviam na ilha da caveira e a melancolia da Naomi Watts, o filme “King Kong” se trata mesmo de uma comédia romântica. Isto é, até o seu final triste. Enquanto assistia pela enésima vez em um dia desses de ócio criativo e descaso gastronômico – dois fatores que parecem sempre me levar ao sofá para uma sessão reprise com direito a pipoca com muito sal e uma garrafa de refrigerante ao seu dispor sem o peso das calorias na sua consciência – eu me senti particularmente inspirado desta vez quanto mais via a Naomi Watts indecisa sobre ficar com o Kong naquela ilha ou fugir com o outro cara que foi salvá-la. É um triângulo amoroso clássico, mas só funciona se você enxergar o Kong pelo que ele sente, não pelas pegadas gigantes que ele deixa pela floresta. E me fez pensar também sobre o fator crucial que deve existir em qualquer relacionamento para que este seja bem sucedido ou não: a reciprocidade.

Durante minhas desventuras amorosas sempre confiei nos meus amigos para servirem de bússolas para que eu não me perdesse na minha própria insensatez. Mesmo sabendo quando concordariam comigo ou não, era bom ao menos dizer as palavras em voz alta quando me encontrava em mais uma encruzilhada amorosa e era preciso engolir o orgulho para parar e pedir por uma direção. E uma amiga em particular sempre foi precisa em suas considerações perante os meus entreveros:

- Toda relação tem alguém que gosta um pouco mais do que o outro, Igor. Partindo disso fica fácil saber se estamos nos perdendo demais ou doando menos. O que “gosta mais” tem iniciativa, planos, idéias, puxa assunto, cria cenários... O que “gosta menos” aceita tudo isso numa boa, mas a sua reciprocidade tem um limite que aos poucos vai testando o que “gosta mais” até que.. Bom. Até que a gente sente aqui para beber e teorizar sobre relacionamentos.

Não sei dizer se existe mesmo equilíbrio em relacionamentos ou se reciprocidade é um fenômeno ocasional que envolve empenho de ambas as partes somente quando os dois sairão ganhando algo que não seja necessariamente um orgasmo. De qualquer forma, eu entendo o quanto “gostar mais” e procurar alcançar alguém que não nos encontra em um meio termo pode ser frustrante, assim como entendo como “gostar menos” pode ser uma posição confortavelmente entorpecente, mas ao custo da nossa consciência de manter alguém por perto que nos encha de amor sem pedir muito em troca. São situações igualmente desajustadas pelas quais eu e alguns dos meus amigos já passaram, enquanto o equilíbrio puro permanece distante como um fenômeno raro da natureza que pode ser visto por um piscar de olhos antes de se perder em expectativas infames.

O problema com King Kong é que ele não tinha amigos para conversar enquanto a Naomi Watts não se decidia sobre lhe dar uma chance ou embarcar de volta para Nova York, embora todos aqueles insetos gigantes também não ajudassem ninguém a tomar uma decisão racional. Quanto a mim, decisões racionais nunca foram o meu forte, independente de qualquer ecossistema. Eu gosto de pensar que considero as conseqüências a longo prazo de tudo o que decido fazer por mim, mas é só quando me encontro sofrendo-as que realmente considero se aquilo valeu a pena. Em parte é assim que me sinto hoje pelos arredores de Foz do Iguaçu – atualmente servindo como a minha versão particular da ilha da caveira, completa com todos os insetos possíveis e imagináveis que invadem o meu quarto ao menor sinal de uma luz acesa.

Felizmente hoje não existe nenhum conflito amoroso perturbando o meu sono. Este mérito vai para causas naturais como a minha rinite ou os barulhos dos carros lá fora que encaram o quebra-molas da minha rua como um obstáculo a ser ultrapassado em velocidade máxima. Mas entre filmes repetidos e relacionamentos desequilibrados, tem sido bom dedicar mais tempo para minhas teorias infames do que criar expectativas surreais sobre coisas e pessoas que estão além do meu alcance. O que me leva a concluir que 1) talvez eu precise ser o que “gosta mais” em um relacionamento, caso a possibilidade do equilíbrio realmente não exista, embora 2) Kong, obviamente o que “gosta mais” naquela relação, definitivamente merecia alguém que lhe desse mais valor.

Enfim, relacionamentos são complicados.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Os treze segundos


Foi só o que precisou para que o José Aldo fosse nocauteado pelo Conor McGregor no primeiro round do evento principal de uma edição do UFC que foi tão, mas tão comentada que até eu cheguei a ficar sabendo. Claro que para mim não importam os nomes dos lutadores ou o título que estava em jogo. Tudo o que foi preciso para chamar a minha atenção sobre isto foi o mesmo que o Zé provavelmente ficará repassando em suas memórias pelos próximos anos (depois que o efeito dos seus medicamentos cessarem e seu rosto passar a ter o formato de um rosto de novo): os treze segundos que o levaram da gloria à ruína. E você provavelmente nunca ouvirá falar sobre este texto, Zé, e isto não servirá de consolo para você ou seus patrocinadores, mas eu te entendo, cara.

Campeão invicto por dez anos consecutivos até que os treze segundos mais dolorosos, profissionalmente e literalmente, botaram a perder aquilo que qualquer um de nós secretamente preza mais do que qualquer outra coisa: a sensação de invencibilidade. Algo que existe até em perdedores mais freqüentes, como eu, que posso contar nos dedos de uma mão só as vezes em que ganhei no Banco Imobiliário e que nunca vi uma partida de War se desenvolver até seu fim natural. Até onde me lembro, sempre terminava com a mãe de um dos meus primos os chamando para ir embora, ou com um de nós virando o tabuleiro em um rompante de raiva porque seus esforços para defender a Groelândia foram em vão para o lance de dados do adversário.

 Pode parecer pequeno, mas são esses os exemplos que temos logo cedo na vida que servirão de base para mais tarde, quando nos tornarmos cidadãos aparentemente conscientes e maduros sobre nossas próprias atitudes que, para todos os efeitos, entendem com clareza e espírito esportivo como lidar com suas eventuais vitórias e derrotas. E talvez essas mesmas crianças que não sabiam lidar com seus sentimentos de frustração e perda são as mesmas que crescem para tornarem-se lutadores de MMA: ganhando ou perdendo, você tem a liberdade contratual e o apoio da platéia para socar o seu adversário.

Eu fui do tipo de criança que se revoltava sim, mas não ao ponto de bagunçar as peças do tabuleiro ou de desistir da partida. Mesmo quando a derrota era inevitável, sempre levei meus compromissos até o fim, jamais demonstrando que aquela perda seria absorvida como parte definidora do meu caráter – mas exercendo todo o meu direito de não emprestar mais meus brinquedos para o Fulano daquele dia em diante nem de chamá-lo para brincar. Crianças tem todo o direito de serem rancorosas, especialmente diante das adversidades.

Aí a gente cresce, estuda, conquista títulos e constrói reputações, tudo em prol da sonhada maturidade que esperamos atingir um dia. E digo “sonhada” porque o UFC está aí exatamente para confirmar a minha teoria de que adultos não existem: nós vivemos em um mundo que legalizou, reconheceu como esporte e cobra valores astronômicos para os lugares da primeira fila de um espetáculo de luta livre onde vence aquele que literalmente permanecer de pé. Não me leve a mal; longe de mim querer criticar algum esporte, ainda mais considerando o meu atual porte físico diante de mais um Projeto Verão que poderia ter sido e não foi. Mas não me diga que o financiamento da violência em forma de competição não se trata de mais uma herança da Idade Média, juntamente ao Ebola e os trajes e chapéus toscos que ainda são utilizados em algumas partes do Leste Europeu.

Há quem diga que todos esses comentários não passem da versão literária de um rompante de tabuleiro escrito por um mal perdedor nato, e talvez estejam certos. Eu admito que nunca lidei bem com as minhas derrotas e ao julgar pelo modo como eu continuo encarando a vida quando esta insiste em invadir e conquistar os meus territórios, elaborar um bom espírito esportivo pode ser adicionado à minha lista de resoluções de ano novo. Mas além de admitir derrota em alguns embates, é preciso também aprender a ganhar sem parecer um babaca – coisa que aquele irlandês convencido não soube fazer. Talvez seja pelo perdedor ser um brasileiro que esta história mexeu tanto comigo. No mínimo serviu para me lembrar que mesmo diante de uma derrota histórica, o Zé e eu fazemos parte de um povo que não desiste nunca.

domingo, 13 de dezembro de 2015

O interlúdio


Por volta de 1800 e alguma coisa as tragédias românticas se passavam em forma de peças e óperas. Espetáculos musicais cheios de performances estrondosas e maestria sem fim, tudo muito bem ensaiado, coreografado e meticulosamente traçado para levar seus espectadores aos prantos, às ruínas das lamúrias da existência e aos círculos sociais mais promissores da época que prezavam pelas discussões literárias após se entregarem às suas emoções mais reprimidas ao som e fúria do palco e a gratidão por seus artistas com uma salva de palmas em pé. Mas entre um ato e outro, originou-se o interlúdio – algo que chamamos comumente hoje de “é agora que dá para ir ao banheiro?”. Trata-se de uma pequena composição feita especialmente para preencher o espaço entre dois atos em uma peça – ou, atualmente, algo que cantamos aos múrmuros enquanto estamos no banheiro do teatro.

A vida em si é um grande espetáculo. Seu palco depende da onde você apresenta as suas performances. Quando perguntaram à Mara Rúbia (a Fernanda Montenegro dos anos 50) suas considerações sobre a morte, ela foi sucinta e clássica em sua colocação: “Para mim há dois lugares maravilhosos para se morrer; na cama, amando, e no palco, trabalhando.” Mas durante todo espetáculo há o momento em que os refletores precisam descansar, a platéia precisa esticar as pernas e a orquestra precisa harmonizar o silêncio que toma conta do espaço que há pouco estava cheio de som e fúria. E quando o teatro se esvazia e restam apenas o artista e um holofote prestes a ser desligado até que a trupe possa se reorganizar para o próximo ato, entra o interlúdio. E com ele, o meu problema.

Eu não sei como você leva a sua vida, mas a minha em particular costuma ser bastante agitada. Não necessariamente pela minha atração a dramas e tragédias, mas talvez porque quando se possui uma teatralidade nata, qualquer roteiro serve de material para dramaturgia. Das grandes apresentações aos pequenos sideshows, eu sempre prezei muito pela minha veia artística. Porque é o que faz com que eu me sinta vivo e, quem sabe, será o que pagará minhas contas em um futuro próximo.  Mas o material ultimamente tem se tornado bastante escasso, ao ponto de nenhum trecho ou parágrafo que eu considero escrever pareça bom o bastante para anunciar um novo número a ser apresentado. E talvez não exista nada mais fatídico para um artista que se sente incansável do que um interlúdio que parece interminável.

Nos dias de hoje, um interlúdio entre um emprego e outro é desesperador. Bem como um interlúdio entre um amor e outro. Quanto mais se espera, maior é a expectativa para que os refletores se acendam de novo e seja possível rever a platéia em seus lugares marcados, prontos para mais um número. E quando chega a hora de aposentar uma apresentação e elaborar um novo show, a antecipação torna-se a assombração do dramaturgo. Imensa é a alma do artista e daquilo que ele apresenta para o mundo, pois sem isto restam apenas os borrões da maquiagem e os ecos dos ensaios.

Apesar da alma ferida pelo tempo, o artista entende sim a importância do interlúdio em seu show. É preciso descansar, rever alguns passos e recapitular a história que já se passou até aqui para que o próximo ato, além de impressionar, seja coeso e faça jus ao personagem. Algo que não pode ser feito se o carrossel não parar por alguns instantes, e é uma espera que deve ser compreendida e respeitada tanto por quem habita os palcos da vida, quanto por quem prefere fazer sua parte nos bastidores.

Este ano foi um grande interlúdio. Cheio de necessidades que precisavam ter seu espaço para respirar, de mudanças de cenários que reorganizaram o modo como o show passaria a ser dali adiante, e de personagens que tiveram seus números aposentados para dar a vez a outras performances. Falando como um pequeno e impaciente artista à procura de um novo papel, minha ansiedade pelo reascender das luzes parece ofuscar minha visão às vezes. Mas é só uma divisão de atos que toda magnum opus requer para manter-se fresca, memorável e, assim espero, inesquecível.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Dois mil e chega

Tem sido um ano estranho. Talvez seja esta a definição que 2015 deixará comigo depois que todas as agendas e calendários marcados com este ano tornarem-se rascunhos para quaisquer outras coisas que não envolvam mais nenhum tipo de plano para o futuro. Muita coisa aconteceu... Tanto que já não sei mais por onde começar a desenrolar mais um capítulo de nostalgia para deixar registrado por aqui. Para que a esta altura, em 2016, quando eu me sentir inseguro ou perdido uma vez mais, eu tenha algo para me apoiar. E convenhamos que isto é inteiramente possível, considerando que além do meu próprio CEP e algumas fotos tiradas em pontos turísticos famosos, eu ainda não conheço muito sobre este pequeno e tumultuado município que batizaram de Terra das Cataratas. Mas o pouco que conheci até aqui me convenceu o suficiente para continuar. E no final das contas, talvez fosse esta a lição que 2015 tentou tanto me ensinar enquanto eu estava ocupado só reclamando, indignado sobre tudo e todos estarem mudando tanto. Por que as coisas não podiam continuar do jeito que eram? Por que tudo tem que terminar? Bom... Eu gosto de pensar que para tudo existe um motivo. Mesmo que eu não saiba exatamente qual é no momento em que algo dá errado, ou quando alguém que parecia tão promissora simplesmente pára de responder as minhas mensagens. Continuar, acima de tudo, é o segredo.

E eu me lembro bem, logo no começo de 2015, enquanto estava aprendendo a criar fôlego para manter uma corrida que durasse mais do que os acordes inicias de uma música tocando nos meus fones de ouvido, que tudo o que eu queria deste ano era encontrar um caminho para seguir. Só não sabia qual nem aonde me levaria. O que conseqüentemente justifica não somente a necessidade de me colocar à prova para descobrir aonde quero chegar nesta vida como, bom, Foz do Iguaçu é um lugar tão promissor quanto qualquer outro para quem se sente perdido. Talvez Foz do Iguaçu seja um caso ainda mais especial, considerando que grandes grupos em trânsito pela cidade estão geralmente sendo acompanhados por um guia. Ou seja: é totalmente aceitável sentir-se perdido aqui. E talvez seja isto o que tenha me conquistado para continuar aqui e, enfim, plantar algumas sementes por aí para que quando estivermos vivenciando os primeiros instantes de 2016, eu já me sinta muito mais tranqüilo com relação ao meu futuro.

Meu nome é Igor Costa Moresca. 24 anos. Brasileiro, solteiro, escorpiano. Sem afiliações políticas até que a obrigatoriedade de possuir bom senso para as coisas torne-se um projeto de lei de algum partido. Cor favorita: azul, mas às vezes verde. Também tem aquele azul meio esverdeado, ou verde meio azulado... Ceruleano? Não sei. Enfim. Graduado em psicologia e futuro jornalista. Escritor de coração e eterno apaixonado, por mais que o amor esteja mais ocupado com outras coisas. E está tudo bem. E tudo continuará bem. Sabe por que? Porque eu acredito nisso. E em mim. Aconselho você a tirar cinco minutos da sua correria para tentar fazer o mesmo. Ainda falta um mês para o Natal, mas de nada adianta comemorar a primeira meia noite de 2016 se o seu passado continua abafando suas promessas de ano novo.

Ok, 2015. Era isto que eu precisava aprender? Sobre o fim das coisas e o começo das outras? Sobre redescobrir possibilidades e construir caminhos para seguir? Sobre entender que quem teve que partir, foi desta vida para melhor, e que quem continua tem seus propósitos que vão além do meu ego inflado? Por que será que as lições só se tornam claras quando a história se aproxima do fim? Bom, vai ver isso era mais uma sobre a qual eu precisava me atentar neste ano...

Mas já deu, 2015. Ou melhor, dois mil e chega. Foi um ano e tanto. Estranho e inesquecível. Do jeito que as estranhezas costumam ser.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Conexão perdida

Não é que eu deteste o modo como o mundo contemporâneo incorporou as opções online/offline ao modo como nós levamos as nossas vidas. Muito pelo contrário, vez por outras passo mais dias online no vácuo do que offline do lado de fora de casa, longe do alcance de qualquer Wi-Fi. Aliás, às vezes é difícil saber até o que fazer com as mãos quando estas não possuem um celular conectado com o resto do mundo. Mas existem certos aspectos que ainda não consigo adaptar completamente – o que, por conseqüência, pode tornar a minha visão de mundo incompatível com os vários aplicativos que temos ao nosso dispor hoje. E dia desses me peguei pensando sobre tempos mais simples, quando conhecer e desconhecer pessoas costumava ser mais audacioso do que suar frio de ansiedade após tentar puxar conversa em um bate-papo virtual, e imaginar as mil e uma maneiras de reação que a pessoa do outro lado poderia ter. Quase todas, geralmente, beirando aos traumas do nosso ego ferido em outras janelas de conversação, fadadas ao eco de uma simples palavrinha maldita:

“Visualizado”

***

Desta vez eu me surpreendi com algo sobre o qual realmente não deveria reclamar. Já que no final das contas, quando pesquiso meu próprio nome no Google – e não aconselho você a fazer o mesmo com o seu, caso queira continuar dormindo tranqüilo à noite – os primeiros resultados são, não necessariamente nesta ordem, os links para meus perfis criados no Facebook, no Instagram, no Twitter (que há muito tempo é usado apenas para fins voyeuristas do que para publicações autênticas) até, enfim, ao perfil que lidera as publicações deste blog. Seria deveras hipócrita da minha parte utilizar das ferramentas da internet para criticar, bom, a própria Internet. Mas isto não é uma crítica; é uma confissão. Quando foi que eu permiti que estas ferramentas se transformassem em correntes? E se você ainda não entendeu o que eu quero dizer, talvez um diálogo que tive algum tempo atrás (e que você provavelmente também já teve), ajude:

- Você está bravo comigo ou coisa parecida?!
- Não! Por que?!
- Nunca mais falou comigo.
- Mas você também nunca mais mandou nada.
- Mas fui quem te chamou para conversar por último!

Se você já teve, ou está envolvido neste exato momento em algum tipo de cabo-de-guerra imaginário com alguém com quem você não conversa há muito tempo, nem em um milhão de anos considera a hipótese de arriscar suar frio para escrever um “oi” para ela e apostar todo o seu amor próprio ao clicar em “enviar”... Bom, eu te entendo. Mas quando eu paro pra pensar nas alternativas, ainda vale aquela antiga verdade universal sobre sermos irremediavelmente atraídos por aquilo que não podemos ter. É o motivo pelo qual sentimos vontade – para não dizer “necessidade” – de desabafar com alguém quando nossos relacionamentos parecem padecer e deteriorar a cada novo vácuo no qual caímos. Porque alguém esqueceu de nos responder, ou simplesmente não pôde nos responder naquele momento em particular. As mensagens instantâneas nos ensinaram a esperar por respostas instantâneas, seja em qualquer visor que esteja ao alcance das nossas mãos, até toda a vida que continua se atualizando ao redor dele.

Eu não sei. Talvez seja tudo uma questão de limites. De paciência, compreensão e outras virtudes que nunca consideramos de fato quando o nosso humor se torna diretamente proporcional à velocidade e o conteúdo da sua resposta para o meu “oi”. Mas a Internet está aí e não irá embora tão cedo. Aliás, provavelmente seremos nós quem iremos partir bem antes da Internet. Deixando de lembrança para ela uma série de perfis e fotos publicados com nossas imagens e nossos “mimimis”, daqui para a eternidade. Mas hoje tudo o que eu gostaria é que o meu ego, minha auto-estima e minha auto-confiança voltassem a depender só de mim mesmo, em vez de roteadores e cabos de fibra óptica.

***

Mas só para constar: todos nós temos nossas fraquezas. E é claro que existem alguns que ando ignorando de propósito. Se existe algo que a tecnologia nunca irá extinguir de vez, é o nosso orgulho. Mais do que isto: existem plugins para ele.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Relacionamentos imaginários


Apesar de todos os obstáculos, toda a correria e cansaço do dia a dia, de tentar lembrar do que precisa comprar quando passar no mercado à caminho de volta para casa, depois de duas provas complicadas que seus professores resolveram juntar em uma mesma noite para apressar o fim do semestre letivo, de conseguir retornar as treze chamadas da sua mãe no seu celular que você não pôde atender antes porque não escutou o toque devido ao barulho do trânsito, você finalmente alcança a cama da onde saiu para enfrentar o resto do mundo pela manhã e pára pra suspirar em alívio. E então você recebe aquela mensagem, que faz com que tudo de apressado e desgastante ao redor dela simplesmente desapareça. Porque aquele é o momento pelo qual você esperou o dia todo. O momento em que vocês pudessem estar juntos de novo, mesmo separados. Particularmente falando, eu acho isso incrível. O fato de que, mesmo depois da maratona que corremos ao longo das horas comerciais, das grades curriculares e dos afazeres domésticos que parecem estar sempre atrasados, as pessoas ainda conseguem se encontrar. E se gostar. E disporem de alguns minutos a mais na cama, deitadas apenas ao som do toque do celular a cada nova mensagem daquela pessoa. É a realidade dos relacionamentos modernos, e é algo pelo qual eu sou simplesmente apaixonado.

Mas pelos motivos errados. Ou melhor, pelos relacionamentos errados.

***

Dia desses eu estava conversando com alguém sobre relacionamentos. E ouvi me contarem sobre como se conheceram, as mensagens que estavam trocando, os encontros que tiveram, as discussões que já surgiram, as complicações envolvendo horários, ex-namoradas, ciúmes, ansiedade, insegurança, medo de deixar que alguém chegasse perto demais para causar mais algum estrago permanente... E sobre como apesar de tudo isto, ainda havia uma chance de que aquilo poderia se tornar algo sério. E foi algo que não me comoveu muito, visto que já ouvi e vivenciei em primeira mão tantas outras histórias que pareceram terminar antes de realmente começar, ou então foram rarefazendo-se a medida que a paixão esfriava e a rotina retomava o espaço que todo aquele furor havia ocupado. Enfim, tudo aquilo se resumiu a um simples diálogo:
- Acho que pode ser ela, mas não tenho certeza. É que na verdade...
- Namorar é chato. É isso que você está tentando dizer, não é?
- É. Exatamente. Mas o começo é tão bom! Quando se está conhecendo a pessoa, descobrindo pouco a pouco quem ela é, do que ela gosta, o que sente sobre você...
- Sim. A antecipação é legal. O problema é quando o prólogo termina e o interlúdio toma conta. A rotina, a calma, a despreocupação. Você nunca realmente recupera aquela emoção a cada nova mensagem que ela te manda. Depois de um tempo você percebe que pode esperar para vê-la. Que não precisa respondê-la naquele exato segundo, caso contrário todo o amor que vocês já construíram estará em perigo de extinção.
- E por que será que isso acontece?
- Eu não sei. Já reparou como a véspera de Natal é muito mais aproveitada do que o próprio dia de Natal? E como a verdadeira festa acontece na véspera do Ano Novo? E para o primeiro de Janeiro fica a bagunça, as sobras e a preguiça. O namoro é um primeiro de Janeiro sobre o qual ninguém se atreve a reclamar. Afinal o ano só começou e há tanto pela frente. Mas que ano será esse que começou com base em latinhas de cerveja amassadas pelo chão e pernil requentado?
- Talvez o segredo seja esse mesmo. A antecipação. A promessa. O que está por vir parece sempre mais interessante do que há aqui agora. Enquanto forem apenas duas pessoas distantes, trocando mensagens e compartilhando vidas separadas, as coisas parecem mais emocionantes. Mas quando as mensagens de madrugada viram lembretes do tipo “Você vai passar por algum mercado à tarde? Acabou o leite!” ou “Não estou afim de ir no churrasco do seu amigo hoje, inventa uma desculpa!” no meio da tarde... Sei lá. Amor parece mais interessante quando está à distância. Perto demais, disponível demais, parece comodidade. Tipo Netflix ou ar-condicionado: é muito bom, mas em excesso pode causar dores de cabeça.

***

- Ultimamente ela não me responde mais direito.
- Como assim?
- Bom, no começo éramos instantâneos. Narrando cada minuto do dia como se cada atividade fosse algo imperdível. E com fotos, ainda por cima, para nos sentirmos mais próximos, eu acho. Anexos constantes de rótulos de garrafas e flashes do pôr-do-sol. E as mensagens de voz à noite. Ah... A voz cansada dela, já com a cabeça no travesseiro, era tudo o que eu precisava ouvir para dormir bem. Isso e o “boa noite” dela.
- E agora?
- Agora é isto. Mensagens enviadas, recebidas e ignoradas com sucesso. Me sinto um refém desses malditos riscos azuis do WhatsApp. Se ela leu, por que não responde?!
- Eu não sei, cara.
- Esses dias mesmo, ela disse também que poderia ser eu. Que estava gostando cada vez mais e mais. E agora isso. Não sabia que me importava tanto assim.
- É, a gente nunca sabe. Até o momento em que se torna indisponível. Independente se um dia a pessoa realmente esteve disponível para nós. Nunca se sabe. Quem vê status de WhatsApp não vê coração.
- Eu não estou brincando, Igor.
- Eu sei! Com quem acha que está falando? Lembra da...
- Ah, é. Sim. Desculpe. Já faz quanto tempo que não se falam?
- Tempo suficiente para te dizer com certeza que deveríamos passar menos tempo em relacionamentos imaginários, e mais tempo vivendo a nossa vida. Mesmo que seja por nós mesmos, sem “bom dia” nem “boa noite”.
- Ainda sente falta dela?
- Toda manhã e toda noite.

***

Eu continuo fascinado por relacionamentos. Pelo cuidado com o qual escrevo aquelas primeiras mensagens e pelo encantamento que sinto pelas que recebo de volta. Tudo é apaixonante no começo quando não há vidas realmente envolvidas; apenas dois IPs distantes à procura de uma nova conexão. Mas depois de uma série de primeiros encontros e últimas palavras trocadas, de músicas que perderam sua melodia em troca da lembrança de alguém que talvez nem pense mais em mim, e de uma lista de contatos no celular cheia de vidas inteiras que poderiam ter sido e não foram, tudo o que eu espero agora é que uma das promessas que já fiz por aí se cumpra. Que alguém me prove que o nosso prólogo valeu a pena ser escrito e que a nossa história está só começando. Alguém que não me faça sentir desconectado quando estiver online sem mim.

Enquanto isso chega de promessas vazias, interlúdios interrompidos e relacionamentos imaginários. Já faz algum tempo que carrego comigo a seguinte mensagem: “O mundo não é mais um lugar romântico. Algumas pessoas, no entanto, ainda são. E a elas cabe uma promessa: não deixe o mundo vencer.” É algo que ainda carrego comigo, mas algumas promessas podem se tornar muito pesadas caso você esteja sozinho para levá-las adiante. Alguns relacionamentos podem parecer mais importantes do que realmente são. Cabe a você decidir por quem vale a pena perder o seu sono e para quem vale a pena desejar um bom dia.

Quanto a mim, hoje eu durmo muito melhor com o celular desligado. E ele funciona bem melhor depois que deletei aquele aplicativo que vivia dizendo que não havia ninguém perto de mim. Como se eu não soubesse.

domingo, 15 de novembro de 2015

Amor: o aplicativo indisponível


Pode parecer aleatório, mas é só a minha mania de enxergar uma profundidade em coisas que na verdade são inocentemente rasas. Porque eu quero escrever um pouco sobre relacionamentos hoje, mas antes eu preciso te contar sobre como eu estava assistindo os improvisos sinceros do Chico Pinheiro no Bom Dia Brasil (sirva-se de uma amostra) em uma manhã dessas. Até que chegaram a uma matéria sobre um novo aplicativo que permitiria aos espectadores assistirem o que bem quisessem de um vasto banco de dados que compunha a programação da TV, desde o que já havia passado até o que estiver no ar naquele momento. E inaugurariam o aplicativo ao subirem o que foi chamado de “capítulo zero” da nova novela das sete. Nele passaria um pouco do que os personagens estavam fazendo há uma semana antes da trama central ser desencadeada aos olhos de quem, assim como eu, não possui espaço de armazenamento suficiente para se dar ao luxo de ter aplicativos no celular. Mas a idéia por trás disso foi algo que me subiu à cabeça de maneira bem mais eficiente do que o estresse pelo meu frustrante pacote de dados móveis.

Só o conceito de conhecer alguém já é conflituoso por natureza: a ansiedade, o nervosismo, a insegurança, o monitoramento de quando foi a sua última visualização no WhatsApp... Mas quando se pára pra pensar em como deve ser entrar na vida de alguém – uma vida que estava em movimento há muito tempo, bem antes de que eu pudesse considerar te chamar para conversar com todos os meus rascunhos de organogramas em mãos para manter o assunto fluindo – fica ainda mais difícil acreditar que possam existir mesmo os lugares e as horas certas para o amor acontecer. Ou qualquer outro sentimento caloroso que não necessariamente circule pelos seus órgãos genitais ao mesmo tempo em que te cause borboletas no estômago.

E então eu comecei a pensar sobre o “capítulo zero” das pessoas e em como seria muito mais difícil tentar pedir permissão para participar da trama de alguém caso soubéssemos de antemão o que vem acontecendo com ela. Claro que existem os spoilers: as postagens no Facebook, as fotos no Instagram, os check-ins no Foursquare... Mas nada disso realmente te garante que a vida de alguém “dá pé” para que você tente entrar sem medo de se afogar. Redes sociais são como outdoors: propagandas especialmente selecionadas para que você passe por mim e fique contente por alguns segundos sobre o restaurante que eu fui, ou por onde e com quem eu andei naquela balada. Mas que jamais te faça considerar que talvez, só talvez, seja muita estética para pouca filosofia.
O que nos leva aos primeiros encontros – e o motivo pelo qual às vezes eles não acontecem. Quando nos orientam a criar absolutamente qualquer outra coisa a não ser por expectativas, nosso instinto natural de desordem toma conta de nós antes mesmo que pudéssemos dizer algo do tipo “Não, não, pode deixar, não é nada sério. Só estamos conversando, numa boa, sem pressão!”, enquanto na verdade já pensamos em qual é o caminho mais prático para chegar até a papelaria mais barata da cidade, para comprar os plásticos que usaremos para encapar os cadernos dos nossos filhos, quando nós os matricularmos naquela escola particular em que já deixamos nossos nomes na lista de espera, pouco antes do casamento. E nem tente negar. Eu sei que você também pensou nisso.

A pressão envolvida em conhecer alguém agora começa muito antes mesmo de realmente conhecer alguém. E digo por experiência de quem já passou pela árdua espera para ver alguém que no final das contas não quis ser vista, bem como já acabei por fazer o mesmo. O motivo é simples: eu não estava pronto. As expectativas, assim como as tretas embutidas, já haviam sido plantadas. “E se você não gostar de mim? E se achar que a minha foto, depois de muita edição e três tipos de filtros diferentes, não tem nada a ver comigo pessoalmente? E se aquelas conversas de madrugada desaparecerem na luz do dia? E se a realidade não corresponder? Quer saber? Não vou arriscar.” E de todas as possibilidade, desde todos os sonhos do mundo sobre os quais Fernando Pessoa escreveu, até os que você esconde debaixo do seu travesseiro para que ninguém jamais descubra que você é daqueles que procura alguém para amar mas não sabe como nem quem nem aonde, nada acontece.

No final das contas, entre spoilers e “capítulos zero”, ninguém quer tentar dar uma chance para que um personagem novo possa desencadear novas emoções à sua trama, até mesmo quando uma dessas emoções possa ser um amor. E é por isso que estou tentando escrever a minha história ao mesmo tom em que começo todos os meus dias: com a espontaneidade do Chico Pinheiro e a esperança por um amor que ainda não encontrei.