“É isso que eu
quero pra mim hoje: mudança. Possibilidades. Desvios e retornos, ou qualquer
direção para qual esta cidade me leve. Porque certo tempo atrás, entre outras
ruas e outros centros, eu aprendi que crescer e amadurecer não são estágios
finitos na vida; eles continuam até o fim das nossas jornadas. Porque nunca
saberemos “tudo” o que há para ser aprendido, e não há “nada” a perder com cada
experiência que colecionamos ao longo do caminho. Pra ser sincero eu não sei se
isso vai dar certo, mas pelo menos eu acredito que em se tratando de
possibilidades, eu pelo menos devo estar no lugar certo.”
Dia desses eu estava andando pela rua à caminho de uma das quinze
definições de “centro” que Foz do Iguaçu possui quando dois turistas chilenos
me pararam para perguntar como podiam
chegar até o terminal. Talvez fosse apenas coincidência o fato de que estávamos
exatamente na rua que leva à entrada do terminal, mas é de mim que estamos
falando aqui e não existem coincidências; apenas sinais a serem interpretados.
E depois de um leve constrangimento ao andar mais alguns quarteirões na mesma
direção, os chilenos seguiram seu rumo enquanto eu parei para contemplar o que
aquilo realmente significava. Afinal de contas, quem sou eu para dar instruções
de qual direção seguir para alguém? Especialmente por essas terras em que,
cinco meses atrás, eu não fazia idéia de que não precisava andar até outros centros
para encontrar um chaveiro, uma farmácia ou um posto de gasolina para comprar
cerveja porque havia tudo isso e muito mais só no raio de um quilômetro da
minha casa. Enfim, são coisas que a gente só aprende quando se está em um mesmo
percurso há algum tempo. E é algo que eu sinceramente não via a hora para que
acontecesse comigo aqui.
Agora quando recebemos uma visita aqui em casa, é natural sugerir opções
de passeios para conhecer um pouco de todo o leque de possibilidades turísticas
que Foz do Iguaçu tem para oferecer. E por mais marcos históricos e passeios
que existam por aqui, como o marco das três fronteiras, o parque das aves ou o
templo budista – isso sem cruzar nenhuma “aduana”
ainda – tudo já me parece surpreendentemente familiar. Mas é sempre bom estar
por perto para ver as primeiras impressões de quem os visita pela primeira vez,
porque me lembra do quão impressionado eu mesmo fiquei quando cheguei aqui.
Impressionado e ridiculamente perdido. Cercado por um vai-e-vem constante de
pessoas do mundo inteiro que vem para visitar e conhecer um pouco do que
recentemente tornou-se a “capital do turismo do Paraná”, era
reconfortante saber que eu não era o único a se sentir desorientado.
E depois do que provavelmente será lembrado como um ano estranho e disforme,
é bom saber que aquele começo tão incômodo e desconcertante já correu seu
curso. A cidade já não parece tão grande e desconhecida, embora ainda tenha
muito o que explorar pela frente. Todas aquelas possibilidades que imaginei
quando cheguei aqui ainda estão adiante no caminho, entre tantos outros que a
cidade possui até os que levam para os países vizinhos. Vale lembrar que até a
moça que sempre me atende naquele mercadinho Argentino já me conhece o bastante para me apontar
onde estão as novas garrafas de Pinot Noir que chegaram na loja. Para quem chegou
aqui sem saber exatamente aonde estava ou para onde queria ir, é bom saber que
já vivi o suficiente para ser reconhecido em alguns lugares e para orientar
como chegar a outros. E estou só começando.
Nós ficaremos bem, Foz do Iguaçu. O outro lado desta vida nunca pareceu
tão certo.
“Eu vou achar um caminho, e eu vou ficar bem. Esta é uma promessa da
qual eu não abro mão.”
Era tudo o que eu queria para 2015. Um ano que estava só começando, mas
já tão cheio de portas que se fecharam e ciclos que se encerraram, que ficou
difícil se orientar para descobrir aonde ir em seguida. Um emprego se foi, uma
faculdade terminou, e ainda estávamos só em Fevereiro. E não havia nada que eu
conseguisse fazer a não ser sentir-me perdido em todos os aspectos possíveis.
Na verdade eu não queria um caminho; eu precisava de um. Quando o mundo que
você tinha como base deixa de existir, para onde você vai?
Por outro lado eu nunca realmente deixei de acreditar que dias melhores
viriam. Até porque, se ainda resta alguma esperança no fim de um dia ruim, é
natural que a gente persista para ver o que mais há por vir. E seguir em
frente, apesar dos pesares, é tudo o que qualquer um de nós pode fazer. Voltar
atrás é impossível. A outra opção é desistir.
Agora, existe uma diferença entre admitir derrota e o fim natural das
coisas. E entre uma coisa e outra existe a aceitação. Desistir implica em falta
de dedicação, fraqueza e orgulho ferido. Mas quando um ciclo chega mesmo ao
fim, é preciso aceitá-lo e sair em busca de algo novo. O problema era que
aceitar o fim das coisas nunca foi o meu forte. E a minha crença no amanhã –
depois anos escrevendo sobre nunca deixar de acreditar, dias melhores e
esperança em tempos difíceis – acabou se misturando com um conceito bem mais
abstrato do que qualquer outro: o infinito.
Nada dura para sempre. O mundo gira, a vida muda e nós crescemos. A
qualidade das mudanças em si são variáveis, mas é inevitável que a gente
transite de um status quo para o outro a medida em que as nossas escolhas
traçam nosso rumo. E durante seis anos e seiscentos e quinze postagens, meu
status quo baseava-se em um pequeno blog chamado “Você
vai adorar o amanhã”. Foi a maneira que encontrei para me
adaptar a um novo estágio da minha vida em que fiz questão que tudo fosse mesmo
novo: a cidade, as companhias e as experiências que eu pudesse vivenciar
através delas. E com o tempo vieram amigos, empregos, matérias fáceis e
relatórios complexos durante o curso da minha primeira faculdade, primeiras
descobertas, segundas intenções, laços desfeitos, amores temporários e muitos,
mas muitos textos inspirados em tudo isso. E o que começou como um simples
passatempo pessoal cresceu ao ponto de englobar tantos marcos históricos e
homenagens para tantas outras pessoas, que me fez perceber que era exatamente
isto o que eu queria fazer da minha vida como um todo: escrever sobre as
pessoas, relacionamentos, problemas cotidianos e globais, e o quanto o mundo ao
nosso redor nos afeta mais do que conseguimos perceber às vezes. Nas pequenas
coisas do dia a dia existem traços da nossa personalidade, metáforas a serem
exploradas e refletidas e, vez por outra, uma fração do nosso reflexo no
universo que passa batido por nós em um dia atarefado ou uma semana corrida. E
a cada homenagem escrita, cada metáfora explorada, cada desabafo infame, eu fui
feliz.
Tão feliz, inclusive, que certo dia eu entendi que aquela pequena
página virtual não era apenas um diário de bordo para crônicas e outros
rascunhos. Era o caminho que me levou a finalmente descobrir, ironicamente, o
caminho que eu queria seguir pelo resto da minha vida. E quando eu entendi o
motivo daquela página ter sido criada e ter perdurado por anos, eu tomei uma
decisão que a levou ao inevitável fim do seu próprio ciclo: eu segui em frente
mais uma vez.
Eu sinto falta daquela página e da liberdade que criei a cada vez que
escrevia nela. Às vezes sobre mim mesmo, às vezes sobre outras pessoas que me
inspiravam de alguma maneira ou que eu gostaria de deixar registrado ali o
quanto fora importante a sua participação na minha história. Já se passaram
seis meses desde que eu optei por encerrar as suas atividades para escrever em
outro blog, e fiz isso unicamente para fazer jus à essência àquele “amanhã”
sobre o qual escrevi por anos. Quando se segue em frente, é preciso mesmo
manter o olhar adiante e construir novas possibilidades para você mesmo. E a
saudade é meio pelo qual tudo o que você vivenciou e sente falta, permanece
viva.
Ainda tenho grandes planos para homenagear o que aquela página fez por
mim, que indiretamente também servirá para todos que também fizeram parte dela.
Mas por enquanto só o que eu queria dizer mesmo é tirar um momento, antes que
esse ano termine, para reconhecer que aquele “amanhã” nada tem a ver com o
“infinito”. Era sobre esperança, e foi o que me trouxe até aqui.
Chegou a
época do ano de promessas, resoluções e outros band-aids que inventamos para
justificar nossas desventuras durante os últimos meses. Sabe né? Algo que não
acontece desde a última vez em que paramos nesta parte do ciclo. E não é com
alguma inspiração súbita sobre fazer do próximo ano o melhor da minha vida que
eu pretendo deixar 2015 porque, convenhamos, você e eu sabemos que a expressão
“margem de erro” não foi criada a toa. Sempre haverá uma parcela de desenganos sob
as quais todos nós estamos fadados a repetir, desde as hesitações para
atravessar uma rua pensando que “ah, dá tempo!” (até descobrir que não, não
dava), até jurar que levará a sério aquele projeto verão que teve que ser
engavetado devido às normativas secundárias que entraram em vigor junto com o
novo rito do impeachment.
E são graças
a esses pequenos desvios padrões que todos nós temos na nossa curva em direção
à tão sonhada maturidade que nos permitimos um pouco de ilusão de ótica,
misturando frisante e esperança ao som dos rojões à meia-noite para que quando
chegar a manhã seguinte – que é realmente quando consideramos que um novo ano
começou. Pois enquanto a festa de réveillon continuar, ainda vale tudo.
Regeneração é todo um processo que deve ser celebrado até quando a meta é
diminuir nas doses, entende?
Quanto a
mim, meu objetivo é claro: haverá mudanças, bem como sempre há em qualquer dia
de um novo ano que começou. Mas em vês de focar em colocá-las em prática
imediatamente – o que pode ser complicado, considerando que o almoço do dia
primeiro tende a ser uma continuação das frivolidades da festa de réveillon, e
a verdadeira ressaca do ano que mal terminou, mas ainda está entre nós cobrando
seus revés – eu optei por um procedimento mais simples: o da eliminatória. Se
haverão erros pela frente, de que adianta jurar que nenhum deles absolutamente
não acontecerá até acontecerem? O segredo está em juntar o máximo de maturidade
possível e decidir de uma vez por todas quais erros você quer mesmo deixar para
trás.
Tudo o que
eu quero para o ano que está por vir é uma consciência tranqüila que me guie
por doze meses sem me perder pelo caminho para que, no mínimo, eu chegue até a
próxima festa de réveillon com os arrependimentos certos. E o melhor jeito de
fazer isto é deixando para trás a maior bagagem que ainda arrasto comigo: o
peso de relacionamentos passados que terminaram mal, tornaram-se incógnitas ou
sequer começaram.
Talvez a
melhor maneira de tornar-se uma nova pessoa neste novo ano, como tantas propagandas
de panetone e lojas de departamentos esperam de nós desde que as mantenhamos
por perto, seja finalmente deixando as pessoas erradas para trás. E acho que se
eu for capaz disto, é possível que emagreça o suficiente para me motivar a
continuar me exercitando depois que o cheiro de ano novo dissipe durante a
segunda quinzena de Janeiro.
Acho que
nós, como espécie, já não temos muito o que criar em termos de relacionamentos.
Pode parecer pessimista mas na verdade é só uma pequena afirmação em prol da
minha própria paz de espírito para que, ao menos daqui em diante, algumas
comodidades não pareçam tão alarmantes quanto antes. Porque mais cedo ou mais
tarde toda relação cede aos clichês. Desde o cara que manda flores para
surpreender a amada, até a namorada que passa no sex shop antes de chegar em
casa para preparar uma noite mais apimentada. E não há nada de errado com isso,
por mais que todos nos aspiremos pela originalidade. Mas depois de séculos de
primeiros encontros, discussões, reconciliações, dentre outras modalidades da
vida à dois, é de se esperar que alguns padrões venham à tona.
***
Algum tempo
atrás uma amiga comentou comigo suas considerações a respeito de um artigo que
havia lido sobre a “geração Y” e sua
infelicidade orgânica como resultado direto de todos terem sido criados com a
noção de que são “únicos” e “especiais”. Falava muito sobre como o
descontentamento da juventude estava enraizado na noção de que todos se
consideravam dotados de habilidades que ultrapassavam a curva da normalidade de
maneira exorbitante – e que, exatamente por isto, era trágico viver em uma
realidade que não os recebera do modo como esperavam que mereciam diante da sua
raridade. Também não me lembro ao certo, mas tenho quase certeza de que havia
vinho durante esta conversa.
- Todo mundo se acha especial e então se
frustra quando a vida não os reconhece.
- Isso quer dizer que ninguém é especial?
- Não, só significa que as pessoas precisam
saber enxergar as suas próprias limitações em um contexto maior do que seu
próprio umbigo.
- Uau! Impressionante. Me lembre de anotar a
marca desse vinho.
- Estou falando sério, Igor. Vivemos em um
tempo onde os jovens entram no mercado de trabalho achando que se tornarão
profissionais instantâneos! E são os mesmos jovens que acreditam que ninguém ao
seu redor sirva como parceiro pois são inferiores às suas próprias qualidades.
É uma geração fadada ao fracasso exatamente por se achar predestinada ao
sucesso!
- Fascinante... Ei, sirva outra taça para mim.
- Ok. Então, como eu dizia... Ah,
relacionamentos! Esses jovens são cada vez mais exigentes sobre o que procuram
e o modo como seu parceiro deve ser. E até quando encontram alguém, o descartam
por algum motivo besta que só serve para reafirmar sua suposta superioridade.
- Jovens como nós? Solteiros à mercê de
ciência e vinho nesse exato momento para nos sentirmos melhor sobre estarmos
sozinhos?
- Não dá pra conversar com você, Igor.
- Desculpe... Mais vinho?
- Claro.
***
Quanto mais
eu penso sobre relacionamentos, mais eu me recordo sobre todos os clichês que
já vivenciei. Daqueles que parecem existir só nos filmes ou nos livros de
romance sobre os quais fazem esses filmes, que parecem tão ridículos e óbvios
até você perceber o quanto não passavam de mensagens subliminares que se
traduzem nas maneiras que você procura para não deixar o seu namoro cair na
rotina – através de outras rotinas que são passadas de geração para geração.
O importante
talvez não seja recriminar os clichês pela falta de originalidade ou do
elemento surpresa, mas reconhecer o quanto ainda são eficazes em sua função.
Algumas mulheres ainda se empolgam por receber um buque de flores do mesmo modo
que a maioria dos homens responde da maneira esperada diante daquela lingerie
debaixo dos lençóis. E por fim sempre haverá o clichê que se repete em todos os
relacionamentos: o momento em que ele ou ela decidem dizer “eu te amo”. Agora, se é uma expressão
desgastada ou não, só depende de quem diz.
Clichês só
não funcionam quando não há sentimento. Caso contrário, serão sempre bem
vindos.
Se você
desconsiderar os efeitos especiais, os dinossauros que inexplicavelmente também
viviam na ilha da caveira e a melancolia da Naomi Watts, o filme “King Kong” se
trata mesmo de uma comédia romântica. Isto é, até o seu final triste. Enquanto
assistia pela enésima vez em um dia desses de ócio criativo e descaso
gastronômico – dois fatores que parecem sempre me levar ao sofá para uma sessão
reprise com direito a pipoca com muito sal e uma garrafa de refrigerante ao seu
dispor sem o peso das calorias na sua consciência – eu me senti particularmente
inspirado desta vez quanto mais via a Naomi Watts indecisa sobre ficar com o
Kong naquela ilha ou fugir com o outro cara que foi salvá-la. É um triângulo
amoroso clássico, mas só funciona se você enxergar o Kong pelo que ele sente,
não pelas pegadas gigantes que ele deixa pela floresta. E me fez pensar também
sobre o fator crucial que deve existir em qualquer relacionamento para que este
seja bem sucedido ou não: a reciprocidade.
Durante
minhas desventuras amorosas sempre confiei nos meus amigos para servirem de
bússolas para que eu não me perdesse na minha própria insensatez. Mesmo sabendo
quando concordariam comigo ou não, era bom ao menos dizer as palavras em voz
alta quando me encontrava em mais uma encruzilhada amorosa e era preciso
engolir o orgulho para parar e pedir por uma direção. E uma amiga em particular
sempre foi precisa em suas considerações perante os meus entreveros:
- Toda relação tem alguém que gosta um pouco
mais do que o outro, Igor. Partindo disso fica fácil saber se estamos nos perdendo
demais ou doando menos. O que “gosta mais” tem iniciativa, planos, idéias, puxa
assunto, cria cenários... O que “gosta menos” aceita tudo isso numa boa, mas a
sua reciprocidade tem um limite que aos poucos vai testando o que “gosta mais”
até que.. Bom. Até que a gente sente aqui para beber e teorizar sobre
relacionamentos.
Não sei
dizer se existe mesmo equilíbrio em relacionamentos ou se reciprocidade é um
fenômeno ocasional que envolve empenho de ambas as partes somente quando os
dois sairão ganhando algo que não seja necessariamente um orgasmo. De qualquer
forma, eu entendo o quanto “gostar mais”
e procurar alcançar alguém que não nos encontra em um meio termo pode ser
frustrante, assim como entendo como “gostar
menos” pode ser uma posição confortavelmente entorpecente, mas ao custo da
nossa consciência de manter alguém por perto que nos encha de amor sem pedir
muito em troca. São situações igualmente desajustadas pelas quais eu e alguns
dos meus amigos já passaram, enquanto o equilíbrio puro permanece distante como
um fenômeno raro da natureza que pode ser visto por um piscar de olhos antes de
se perder em expectativas infames.
O problema
com King Kong é que ele não tinha amigos para conversar enquanto a Naomi Watts
não se decidia sobre lhe dar uma chance ou embarcar de volta para Nova York,
embora todos aqueles insetos gigantes também não ajudassem ninguém a tomar uma
decisão racional. Quanto a mim, decisões racionais nunca foram o meu forte,
independente de qualquer ecossistema. Eu gosto de pensar que considero as
conseqüências a longo prazo de tudo o que decido fazer por mim, mas é só quando
me encontro sofrendo-as que realmente considero se aquilo valeu a pena. Em
parte é assim que me sinto hoje pelos arredores de Foz do Iguaçu – atualmente
servindo como a minha versão particular da ilha da caveira, completa com todos
os insetos possíveis e imagináveis que invadem o meu quarto ao menor sinal de
uma luz acesa.
Felizmente
hoje não existe nenhum conflito amoroso perturbando o meu sono. Este mérito vai
para causas naturais como a minha rinite ou os barulhos dos carros lá fora que
encaram o quebra-molas da minha rua como um obstáculo a ser ultrapassado em
velocidade máxima. Mas entre filmes repetidos e relacionamentos desequilibrados,
tem sido bom dedicar mais tempo para minhas teorias infames do que criar
expectativas surreais sobre coisas e pessoas que estão além do meu alcance. O
que me leva a concluir que 1) talvez eu precise ser o que “gosta mais” em um relacionamento, caso a possibilidade do
equilíbrio realmente não exista, embora 2) Kong, obviamente o que “gosta mais” naquela relação,
definitivamente merecia alguém que lhe desse mais valor.
Foi só o que
precisou para que o José Aldo fosse nocauteado pelo Conor McGregor no primeiro
round do evento principal de uma edição do UFC que foi tão, mas tão comentada
que até eu cheguei a ficar sabendo. Claro que para mim não importam os nomes
dos lutadores ou o título que estava em jogo. Tudo o que foi preciso para
chamar a minha atenção sobre isto foi o mesmo que o Zé provavelmente ficará
repassando em suas memórias pelos próximos anos (depois que o efeito dos seus
medicamentos cessarem e seu rosto passar a ter o formato de um rosto de novo):
os treze segundos que o levaram da gloria à ruína. E você provavelmente nunca
ouvirá falar sobre este texto, Zé, e isto não servirá de consolo para você ou
seus patrocinadores, mas eu te entendo, cara.
Campeão
invicto por dez anos consecutivos até que os treze segundos mais dolorosos,
profissionalmente e literalmente, botaram a perder aquilo que qualquer um de
nós secretamente preza mais do que qualquer outra coisa: a sensação de
invencibilidade. Algo que existe até em perdedores mais freqüentes, como eu,
que posso contar nos dedos de uma mão só as vezes em que ganhei no Banco
Imobiliário e que nunca vi uma partida de War se desenvolver até seu fim
natural. Até onde me lembro, sempre terminava com a mãe de um dos meus primos
os chamando para ir embora, ou com um de nós virando o tabuleiro em um rompante
de raiva porque seus esforços para defender a Groelândia foram em vão para o
lance de dados do adversário.
Pode parecer
pequeno, mas são esses os exemplos que temos logo cedo na vida que servirão de
base para mais tarde, quando nos tornarmos cidadãos aparentemente conscientes e
maduros sobre nossas próprias atitudes que, para todos os efeitos, entendem com
clareza e espírito esportivo como lidar com suas eventuais vitórias e derrotas.
E talvez essas mesmas crianças que não sabiam lidar com seus sentimentos de frustração
e perda são as mesmas que crescem para tornarem-se lutadores de MMA: ganhando
ou perdendo, você tem a liberdade contratual e o apoio da platéia para socar o
seu adversário.
Eu fui do
tipo de criança que se revoltava sim, mas não ao ponto de bagunçar as peças do
tabuleiro ou de desistir da partida. Mesmo quando a derrota era inevitável,
sempre levei meus compromissos até o fim, jamais demonstrando que aquela perda
seria absorvida como parte definidora do meu caráter – mas exercendo todo o meu
direito de não emprestar mais meus brinquedos para o Fulano daquele dia em
diante nem de chamá-lo para brincar. Crianças tem todo o direito de serem
rancorosas, especialmente diante das adversidades.
Aí a gente
cresce, estuda, conquista títulos e constrói reputações, tudo em prol da
sonhada maturidade que esperamos atingir um dia. E digo “sonhada” porque o UFC
está aí exatamente para confirmar a minha teoria de que adultos não existem:
nós vivemos em um mundo que legalizou, reconheceu como esporte e cobra valores
astronômicos para os lugares da primeira fila de um espetáculo de luta livre
onde vence aquele que literalmente permanecer de pé. Não me leve a mal; longe
de mim querer criticar algum esporte, ainda mais considerando o meu atual porte
físico diante de mais um Projeto Verão que poderia ter sido e não foi. Mas não
me diga que o financiamento da violência em forma de competição não se trata de
mais uma herança da Idade Média, juntamente ao Ebola e os trajes e chapéus
toscos que ainda são utilizados em algumas partes do Leste Europeu.
Há quem diga
que todos esses comentários não passem da versão literária de um rompante de
tabuleiro escrito por um mal perdedor nato, e talvez estejam certos. Eu admito
que nunca lidei bem com as minhas derrotas e ao julgar pelo modo como eu
continuo encarando a vida quando esta insiste em invadir e conquistar os meus
territórios, elaborar um bom espírito esportivo pode ser adicionado à minha
lista de resoluções de ano novo. Mas além de admitir derrota em alguns embates,
é preciso também aprender a ganhar sem parecer um babaca – coisa que aquele irlandês
convencido não soube fazer. Talvez seja pelo perdedor ser um brasileiro que
esta história mexeu tanto comigo. No mínimo serviu para me lembrar que mesmo
diante de uma derrota histórica, o Zé e eu fazemos parte de um povo que não
desiste nunca.
Por volta de 1800 e alguma coisa as tragédias românticas se passavam
em forma de peças e óperas. Espetáculos musicais cheios de performances estrondosas
e maestria sem fim, tudo muito bem ensaiado, coreografado e meticulosamente
traçado para levar seus espectadores aos prantos, às ruínas das lamúrias da existência
e aos círculos sociais mais promissores da época que prezavam pelas discussões
literárias após se entregarem às suas emoções mais reprimidas ao som e fúria do
palco e a gratidão por seus artistas com uma salva de palmas em pé. Mas entre
um ato e outro, originou-se o interlúdio – algo que chamamos comumente hoje de “é agora que dá para ir ao banheiro?”. Trata-se
de uma pequena composição feita especialmente para preencher o espaço entre
dois atos em uma peça – ou, atualmente, algo que cantamos aos múrmuros enquanto
estamos no banheiro do teatro.
A vida em si é um grande espetáculo. Seu palco depende da onde
você apresenta as suas performances. Quando perguntaram à Mara Rúbia (a
Fernanda Montenegro dos anos 50) suas considerações sobre a morte, ela foi
sucinta e clássica em sua colocação: “Para
mim há dois lugares maravilhosos para se morrer; na cama, amando, e no palco,
trabalhando.” Mas durante todo espetáculo há o momento em que os refletores
precisam descansar, a platéia precisa esticar as pernas e a orquestra precisa
harmonizar o silêncio que toma conta do espaço que há pouco estava cheio de som
e fúria. E quando o teatro se esvazia e restam apenas o artista e um holofote
prestes a ser desligado até que a trupe possa se reorganizar para o próximo
ato, entra o interlúdio. E com ele, o meu problema.
Eu não sei como você leva a sua vida, mas a minha em particular
costuma ser bastante agitada. Não necessariamente pela minha atração a dramas e
tragédias, mas talvez porque quando se possui uma teatralidade nata, qualquer
roteiro serve de material para dramaturgia. Das grandes apresentações aos
pequenos sideshows, eu sempre prezei
muito pela minha veia artística. Porque é o que faz com que eu me sinta vivo e,
quem sabe, será o que pagará minhas contas em um futuro próximo. Mas o material ultimamente tem se tornado
bastante escasso, ao ponto de nenhum trecho ou parágrafo que eu considero
escrever pareça bom o bastante para anunciar um novo número a ser apresentado.
E talvez não exista nada mais fatídico para um artista que se sente incansável
do que um interlúdio que parece interminável.
Nos dias de hoje, um interlúdio entre um emprego e outro é
desesperador. Bem como um interlúdio entre um amor e outro. Quanto mais se
espera, maior é a expectativa para que os refletores se acendam de novo e seja
possível rever a platéia em seus lugares marcados, prontos para mais um número.
E quando chega a hora de aposentar uma apresentação e elaborar um novo show, a
antecipação torna-se a assombração do dramaturgo. Imensa é a alma do artista e
daquilo que ele apresenta para o mundo, pois sem isto restam apenas os borrões
da maquiagem e os ecos dos ensaios.
Apesar da alma ferida pelo tempo, o artista entende sim a
importância do interlúdio em seu show. É preciso descansar, rever alguns passos
e recapitular a história que já se passou até aqui para que o próximo ato, além
de impressionar, seja coeso e faça jus ao personagem. Algo que não pode ser
feito se o carrossel não parar por alguns instantes, e é uma espera que deve
ser compreendida e respeitada tanto por quem habita os palcos da vida, quanto
por quem prefere fazer sua parte nos bastidores.
Este ano foi um grande interlúdio. Cheio de necessidades que
precisavam ter seu espaço para respirar, de mudanças de cenários que
reorganizaram o modo como o show passaria a ser dali adiante, e de personagens
que tiveram seus números aposentados para dar a vez a outras performances.
Falando como um pequeno e impaciente artista à procura de um novo papel, minha
ansiedade pelo reascender das luzes parece ofuscar minha visão às vezes. Mas é
só uma divisão de atos que toda magnum
opus requer para manter-se fresca, memorável e, assim espero, inesquecível.
Tem sido um
ano estranho. Talvez seja esta a definição que 2015 deixará comigo depois que
todas as agendas e calendários marcados com este ano tornarem-se rascunhos para
quaisquer outras coisas que não envolvam mais nenhum tipo de plano para o
futuro. Muita coisa aconteceu... Tanto que já não sei mais por onde começar a
desenrolar mais um capítulo de nostalgia para deixar registrado por aqui. Para
que a esta altura, em 2016, quando eu me sentir inseguro ou perdido uma vez mais,
eu tenha algo para me apoiar. E convenhamos que isto é inteiramente possível,
considerando que além do meu próprio CEP e algumas fotos tiradas em pontos
turísticos famosos, eu ainda não conheço muito sobre este pequeno e tumultuado
município que batizaram de Terra das Cataratas. Mas o pouco que conheci até
aqui me convenceu o suficiente para continuar. E no final das contas, talvez
fosse esta a lição que 2015 tentou tanto me ensinar enquanto eu estava ocupado
só reclamando, indignado sobre tudo e todos estarem mudando tanto. Por que as
coisas não podiam continuar do jeito que eram? Por que tudo tem que terminar?
Bom... Eu gosto de pensar que para tudo existe um motivo. Mesmo que eu não
saiba exatamente qual é no momento em que algo dá errado, ou quando alguém que
parecia tão promissora simplesmente pára de responder as minhas mensagens.
Continuar, acima de tudo, é o segredo.
E eu me
lembro bem, logo no começo de 2015, enquanto estava aprendendo a criar fôlego
para manter uma corrida que durasse mais do que os acordes inicias de uma
música tocando nos meus fones de ouvido, que tudo o que eu queria deste ano era
encontrar um caminho para seguir. Só não sabia qual nem aonde me levaria. O que
conseqüentemente justifica não somente a necessidade de me colocar à prova para
descobrir aonde quero chegar nesta vida como, bom, Foz do Iguaçu é um lugar tão
promissor quanto qualquer outro para quem se sente perdido. Talvez Foz do Iguaçu
seja um caso ainda mais especial, considerando que grandes grupos em trânsito
pela cidade estão geralmente sendo acompanhados por um guia. Ou seja: é
totalmente aceitável sentir-se perdido aqui. E talvez seja isto o que tenha me
conquistado para continuar aqui e, enfim, plantar algumas sementes por aí para
que quando estivermos vivenciando os primeiros instantes de 2016, eu já me
sinta muito mais tranqüilo com relação ao meu futuro.
Meu nome é
Igor Costa Moresca. 24 anos. Brasileiro, solteiro, escorpiano. Sem afiliações
políticas até que a obrigatoriedade de possuir bom senso para as coisas
torne-se um projeto de lei de algum partido. Cor favorita: azul, mas às vezes
verde. Também tem aquele azul meio esverdeado, ou verde meio azulado...
Ceruleano? Não sei. Enfim. Graduado em psicologia e futuro jornalista. Escritor
de coração e eterno apaixonado, por mais que o amor esteja mais ocupado com
outras coisas. E está tudo bem. E tudo continuará bem. Sabe por que? Porque eu
acredito nisso. E em mim. Aconselho você a tirar cinco minutos da sua correria
para tentar fazer o mesmo. Ainda falta um mês para o Natal, mas de nada adianta
comemorar a primeira meia noite de 2016 se o seu passado continua abafando suas
promessas de ano novo.
Ok, 2015.
Era isto que eu precisava aprender? Sobre o fim das coisas e o começo das
outras? Sobre redescobrir possibilidades e construir caminhos para seguir?
Sobre entender que quem teve que partir, foi desta vida para melhor, e que quem
continua tem seus propósitos que vão além do meu ego inflado? Por que será que
as lições só se tornam claras quando a história se aproxima do fim? Bom, vai
ver isso era mais uma sobre a qual eu precisava me atentar neste ano...
Mas já deu,
2015. Ou melhor, dois mil e chega. Foi um ano e tanto. Estranho e inesquecível.
Do jeito que as estranhezas costumam ser.
Não é que eu
deteste o modo como o mundo contemporâneo incorporou as opções online/offline
ao modo como nós levamos as nossas vidas. Muito pelo contrário, vez por outras
passo mais dias online no vácuo do que offline do lado de fora de casa, longe
do alcance de qualquer Wi-Fi. Aliás, às vezes é difícil saber até o que fazer
com as mãos quando estas não possuem um celular conectado com o resto do mundo.
Mas existem certos aspectos que ainda não consigo adaptar completamente – o que,
por conseqüência, pode tornar a minha visão de mundo incompatível com os vários
aplicativos que temos ao nosso dispor hoje. E dia desses me peguei pensando
sobre tempos mais simples, quando conhecer e desconhecer pessoas costumava ser
mais audacioso do que suar frio de ansiedade após tentar puxar conversa em um
bate-papo virtual, e imaginar as mil e uma maneiras de reação que a pessoa do
outro lado poderia ter. Quase todas, geralmente, beirando aos traumas do nosso
ego ferido em outras janelas de conversação, fadadas ao eco de uma simples
palavrinha maldita:
“Visualizado”
***
Desta vez eu
me surpreendi com algo sobre o qual realmente não deveria reclamar. Já que no
final das contas, quando pesquiso meu próprio nome no Google – e não aconselho
você a fazer o mesmo com o seu, caso queira continuar dormindo tranqüilo à
noite – os primeiros resultados são, não necessariamente nesta ordem, os links
para meus perfis criados no Facebook, no Instagram, no Twitter (que há muito
tempo é usado apenas para fins voyeuristas do que para publicações autênticas)
até, enfim, ao perfil que lidera as publicações deste blog. Seria deveras hipócrita
da minha parte utilizar das ferramentas da internet para criticar, bom, a
própria Internet. Mas isto não é uma crítica; é uma confissão. Quando foi que
eu permiti que estas ferramentas se transformassem em correntes? E se você
ainda não entendeu o que eu quero dizer, talvez um diálogo que tive algum tempo
atrás (e que você provavelmente também já teve), ajude:
- Você está bravo comigo ou coisa parecida?!
- Não! Por que?!
- Nunca mais falou comigo.
- Mas você também nunca mais mandou nada.
- Mas fui
quem te chamou para conversar por último!
Se você já
teve, ou está envolvido neste exato momento em algum tipo de cabo-de-guerra imaginário
com alguém com quem você não conversa há muito tempo, nem em um milhão de anos
considera a hipótese de arriscar suar frio para escrever um “oi” para ela e
apostar todo o seu amor próprio ao clicar em “enviar”... Bom, eu te entendo. Mas
quando eu paro pra pensar nas alternativas, ainda vale aquela antiga verdade
universal sobre sermos irremediavelmente atraídos por aquilo que não podemos
ter. É o motivo pelo qual sentimos vontade – para não dizer “necessidade” – de desabafar
com alguém quando nossos relacionamentos parecem padecer e deteriorar a cada
novo vácuo no qual caímos. Porque alguém esqueceu de nos responder, ou
simplesmente não pôde nos responder naquele momento em particular. As mensagens
instantâneas nos ensinaram a esperar por respostas instantâneas, seja em
qualquer visor que esteja ao alcance das nossas mãos, até toda a vida que
continua se atualizando ao redor dele.
Eu não sei.
Talvez seja tudo uma questão de limites. De paciência, compreensão e outras
virtudes que nunca consideramos de fato quando o nosso humor se torna
diretamente proporcional à velocidade e o conteúdo da sua resposta para o meu “oi”.
Mas a Internet está aí e não irá embora tão cedo. Aliás, provavelmente seremos
nós quem iremos partir bem antes da Internet. Deixando de lembrança para ela uma
série de perfis e fotos publicados com nossas imagens e nossos “mimimis”, daqui
para a eternidade. Mas hoje tudo o que eu gostaria é que o meu ego, minha
auto-estima e minha auto-confiança voltassem a depender só de mim mesmo, em vez
de roteadores e cabos de fibra óptica.
***
Mas só para
constar: todos nós temos nossas fraquezas. E é claro que existem alguns que
ando ignorando de propósito. Se existe algo que a tecnologia nunca irá
extinguir de vez, é o nosso orgulho. Mais do que isto: existem plugins para ele.
Apesar de
todos os obstáculos, toda a correria e cansaço do dia a dia, de tentar lembrar
do que precisa comprar quando passar no mercado à caminho de volta para casa,
depois de duas provas complicadas que seus professores resolveram juntar em uma
mesma noite para apressar o fim do semestre letivo, de conseguir retornar as
treze chamadas da sua mãe no seu celular que você não pôde atender antes porque
não escutou o toque devido ao barulho do trânsito, você finalmente alcança a
cama da onde saiu para enfrentar o resto do mundo pela manhã e pára pra
suspirar em alívio. E então você recebe aquela mensagem, que faz com que tudo
de apressado e desgastante ao redor dela simplesmente desapareça. Porque aquele
é o momento pelo qual você esperou o dia todo. O momento em que vocês pudessem
estar juntos de novo, mesmo separados. Particularmente falando, eu acho isso
incrível. O fato de que, mesmo depois da maratona que corremos ao longo das
horas comerciais, das grades curriculares e dos afazeres domésticos que parecem
estar sempre atrasados, as pessoas ainda conseguem se encontrar. E se gostar. E
disporem de alguns minutos a mais na cama, deitadas apenas ao som do toque do
celular a cada nova mensagem daquela pessoa. É a realidade dos relacionamentos
modernos, e é algo pelo qual eu sou simplesmente apaixonado.
Mas pelos
motivos errados. Ou melhor, pelos relacionamentos errados.
***
Dia desses
eu estava conversando com alguém sobre relacionamentos. E ouvi me contarem sobre
como se conheceram, as mensagens que estavam trocando, os encontros que
tiveram, as discussões que já surgiram, as complicações envolvendo horários,
ex-namoradas, ciúmes, ansiedade, insegurança, medo de deixar que alguém
chegasse perto demais para causar mais algum estrago permanente... E sobre como
apesar de tudo isto, ainda havia uma chance de que aquilo poderia se tornar
algo sério. E foi algo que não me comoveu muito, visto que já ouvi e vivenciei
em primeira mão tantas outras histórias que pareceram terminar antes de
realmente começar, ou então foram rarefazendo-se a medida que a paixão esfriava
e a rotina retomava o espaço que todo aquele furor havia ocupado. Enfim, tudo
aquilo se resumiu a um simples diálogo:
- Acho que
pode ser ela, mas não tenho certeza. É que na verdade...
- Namorar é
chato. É isso que você está tentando dizer, não é?
- É.
Exatamente. Mas o começo é tão bom! Quando se está conhecendo a pessoa,
descobrindo pouco a pouco quem ela é, do que ela gosta, o que sente sobre
você...
- Sim. A
antecipação é legal. O problema é quando o prólogo termina e o interlúdio toma
conta. A rotina, a calma, a despreocupação. Você nunca realmente recupera
aquela emoção a cada nova mensagem que ela te manda. Depois de um tempo você
percebe que pode esperar para vê-la. Que não precisa respondê-la naquele exato
segundo, caso contrário todo o amor que vocês já construíram estará em perigo
de extinção.
- E por que
será que isso acontece?
- Eu não
sei. Já reparou como a véspera de Natal é muito mais aproveitada do que o
próprio dia de Natal? E como a verdadeira festa acontece na véspera do Ano
Novo? E para o primeiro de Janeiro fica a bagunça, as sobras e a preguiça. O
namoro é um primeiro de Janeiro sobre o qual ninguém se atreve a reclamar.
Afinal o ano só começou e há tanto pela frente. Mas que ano será esse que
começou com base em latinhas de cerveja amassadas pelo chão e pernil
requentado?
- Talvez o
segredo seja esse mesmo. A antecipação. A promessa. O que está por vir parece
sempre mais interessante do que há aqui agora. Enquanto forem apenas duas
pessoas distantes, trocando mensagens e compartilhando vidas separadas, as
coisas parecem mais emocionantes. Mas quando as mensagens de madrugada viram
lembretes do tipo “Você vai passar por
algum mercado à tarde? Acabou o leite!” ou “Não estou afim de ir no churrasco do seu amigo hoje, inventa uma
desculpa!” no meio da tarde... Sei lá. Amor parece mais interessante quando
está à distância. Perto demais, disponível demais, parece comodidade. Tipo
Netflix ou ar-condicionado: é muito bom, mas em excesso pode causar dores de
cabeça.
***
-
Ultimamente ela não me responde mais direito.
- Como
assim?
- Bom, no
começo éramos instantâneos. Narrando cada minuto do dia como se cada atividade
fosse algo imperdível. E com fotos, ainda por cima, para nos sentirmos mais
próximos, eu acho. Anexos constantes de rótulos de garrafas e flashes do
pôr-do-sol. E as mensagens de voz à noite. Ah... A voz cansada dela, já com a
cabeça no travesseiro, era tudo o que eu precisava ouvir para dormir bem. Isso
e o “boa noite” dela.
- E agora?
- Agora é
isto. Mensagens enviadas, recebidas e ignoradas com sucesso. Me sinto um refém
desses malditos riscos azuis do WhatsApp.
Se ela leu, por que não responde?!
- Eu não
sei, cara.
- Esses dias
mesmo, ela disse também que poderia ser eu. Que estava gostando cada vez mais e
mais. E agora isso. Não sabia que me importava tanto assim.
- É, a gente
nunca sabe. Até o momento em que se torna indisponível. Independente se um dia
a pessoa realmente esteve disponível para nós. Nunca se sabe. Quem vê status de
WhatsApp não vê coração.
- Eu não
estou brincando, Igor.
- Eu sei!
Com quem acha que está falando? Lembra da...
- Ah, é.
Sim. Desculpe. Já faz quanto tempo que não se falam?
- Tempo
suficiente para te dizer com certeza que deveríamos passar menos tempo em
relacionamentos imaginários, e mais tempo vivendo a nossa vida. Mesmo que seja
por nós mesmos, sem “bom dia” nem “boa noite”.
- Ainda
sente falta dela?
- Toda manhã
e toda noite.
***
Eu continuo
fascinado por relacionamentos. Pelo cuidado com o qual escrevo aquelas
primeiras mensagens e pelo encantamento que sinto pelas que recebo de volta.
Tudo é apaixonante no começo quando não há vidas realmente envolvidas; apenas
dois IPs distantes à procura de uma nova conexão. Mas depois de uma série de
primeiros encontros e últimas palavras trocadas, de músicas que perderam sua
melodia em troca da lembrança de alguém que talvez nem pense mais em mim, e de
uma lista de contatos no celular cheia de vidas inteiras que poderiam ter sido
e não foram, tudo o que eu espero agora é que uma das promessas que já fiz por
aí se cumpra. Que alguém me prove que o nosso prólogo valeu a pena ser escrito
e que a nossa história está só começando. Alguém que não me faça sentir
desconectado quando estiver online sem mim.
Enquanto
isso chega de promessas vazias, interlúdios interrompidos e relacionamentos
imaginários. Já faz algum tempo que carrego comigo a seguinte mensagem: “O mundo não é mais um lugar romântico.
Algumas pessoas, no entanto, ainda são. E a elas cabe uma promessa: não deixe o
mundo vencer.” É algo que ainda carrego comigo, mas algumas promessas podem
se tornar muito pesadas caso você esteja sozinho para levá-las adiante. Alguns
relacionamentos podem parecer mais importantes do que realmente são. Cabe a
você decidir por quem vale a pena perder o seu sono e para quem vale a pena
desejar um bom dia.
Quanto a
mim, hoje eu durmo muito melhor com o celular desligado. E ele funciona bem
melhor depois que deletei aquele aplicativo que vivia dizendo que não havia
ninguém perto de mim. Como se eu não soubesse.
Pode parecer aleatório, mas é só a minha mania de enxergar uma profundidade
em coisas que na verdade são inocentemente rasas. Porque eu quero escrever um
pouco sobre relacionamentos hoje, mas antes eu preciso te contar sobre como eu
estava assistindo os improvisos sinceros do Chico Pinheiro no Bom Dia Brasil (sirva-se
de uma amostra) em
uma manhã dessas. Até que chegaram a uma matéria sobre um novo aplicativo que
permitiria aos espectadores assistirem o que bem quisessem de um vasto banco de
dados que compunha a programação da TV, desde o que já havia passado até o que
estiver no ar naquele momento. E inaugurariam o aplicativo ao subirem o que foi
chamado de “capítulo zero” da nova novela das sete. Nele passaria um pouco do
que os personagens estavam fazendo há uma semana antes da trama central ser
desencadeada aos olhos de quem, assim como eu, não possui espaço de
armazenamento suficiente para se dar ao luxo de ter aplicativos no celular. Mas
a idéia por trás disso foi algo que me subiu à cabeça de maneira bem mais
eficiente do que o estresse pelo meu frustrante pacote de dados móveis.
Só o conceito de conhecer alguém já é conflituoso por natureza: a
ansiedade, o nervosismo, a insegurança, o monitoramento de quando foi a sua
última visualização no WhatsApp... Mas quando se pára pra pensar em como deve
ser entrar na vida de alguém – uma vida que estava em movimento há muito tempo,
bem antes de que eu pudesse considerar te chamar para conversar com todos os
meus rascunhos de organogramas em mãos para manter o assunto fluindo – fica ainda
mais difícil acreditar que possam existir mesmo os lugares e as horas certas
para o amor acontecer. Ou qualquer outro sentimento caloroso que não
necessariamente circule pelos seus órgãos genitais ao mesmo tempo em que te cause
borboletas no estômago.
E então eu comecei a pensar sobre o “capítulo zero” das pessoas e em
como seria muito mais difícil tentar pedir permissão para participar da trama
de alguém caso soubéssemos de antemão o que vem acontecendo com ela. Claro que
existem os spoilers: as postagens no Facebook, as fotos no Instagram, os
check-ins no Foursquare... Mas nada disso realmente te garante que a vida de
alguém “dá pé” para que você tente entrar sem medo de se afogar. Redes sociais
são como outdoors: propagandas especialmente selecionadas para que você passe
por mim e fique contente por alguns segundos sobre o restaurante que eu fui, ou
por onde e com quem eu andei naquela balada. Mas que jamais te faça considerar
que talvez, só talvez, seja muita estética para pouca filosofia.
O que nos leva aos primeiros encontros – e o motivo pelo qual às vezes
eles não acontecem. Quando nos orientam a criar absolutamente qualquer outra
coisa a não ser por expectativas, nosso instinto natural de desordem toma conta
de nós antes mesmo que pudéssemos dizer algo do tipo “Não, não, pode deixar, não é nada sério. Só estamos conversando, numa
boa, sem pressão!”, enquanto na verdade já pensamos em qual é o caminho
mais prático para chegar até a papelaria mais barata da cidade, para comprar os
plásticos que usaremos para encapar os cadernos dos nossos filhos, quando nós
os matricularmos naquela escola particular em que já deixamos nossos nomes na
lista de espera, pouco antes do casamento. E nem tente negar. Eu sei que você
também pensou nisso.
A pressão envolvida em conhecer alguém agora começa muito antes mesmo de
realmente conhecer alguém. E digo por experiência de quem já passou pela árdua
espera para ver alguém que no final das contas não quis ser vista, bem como já
acabei por fazer o mesmo. O motivo é simples: eu não estava pronto. As
expectativas, assim como as tretas embutidas, já haviam sido plantadas. “E se
você não gostar de mim? E se achar que a minha foto, depois de muita edição e
três tipos de filtros diferentes, não tem nada a ver comigo pessoalmente? E se
aquelas conversas de madrugada desaparecerem na luz do dia? E se a realidade
não corresponder? Quer saber? Não vou arriscar.” E de todas as possibilidade, desde
todos os sonhos do mundo sobre os quais Fernando Pessoa escreveu, até os que
você esconde debaixo do seu travesseiro para que ninguém jamais descubra que
você é daqueles que procura alguém para amar mas não sabe como nem quem nem
aonde, nada acontece.
No final das contas, entre spoilers e “capítulos zero”, ninguém quer tentar
dar uma chance para que um personagem novo possa desencadear novas emoções à
sua trama, até mesmo quando uma dessas emoções possa ser um amor. E é por isso
que estou tentando escrever a minha história ao mesmo tom em que começo todos
os meus dias: com a espontaneidade do Chico Pinheiro e a esperança por um amor
que ainda não encontrei.