quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Os clichês

Acho que nós, como espécie, já não temos muito o que criar em termos de relacionamentos. Pode parecer pessimista mas na verdade é só uma pequena afirmação em prol da minha própria paz de espírito para que, ao menos daqui em diante, algumas comodidades não pareçam tão alarmantes quanto antes. Porque mais cedo ou mais tarde toda relação cede aos clichês. Desde o cara que manda flores para surpreender a amada, até a namorada que passa no sex shop antes de chegar em casa para preparar uma noite mais apimentada. E não há nada de errado com isso, por mais que todos nos aspiremos pela originalidade. Mas depois de séculos de primeiros encontros, discussões, reconciliações, dentre outras modalidades da vida à dois, é de se esperar que alguns padrões venham à tona.

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Algum tempo atrás uma amiga comentou comigo suas considerações a respeito de um artigo que havia lido sobre a “geração Y” e sua infelicidade orgânica como resultado direto de todos terem sido criados com a noção de que são “únicos” e “especiais”. Falava muito sobre como o descontentamento da juventude estava enraizado na noção de que todos se consideravam dotados de habilidades que ultrapassavam a curva da normalidade de maneira exorbitante – e que, exatamente por isto, era trágico viver em uma realidade que não os recebera do modo como esperavam que mereciam diante da sua raridade. Também não me lembro ao certo, mas tenho quase certeza de que havia vinho durante esta conversa.

- Todo mundo se acha especial e então se frustra quando a vida não os reconhece.
- Isso quer dizer que ninguém é especial?
- Não, só significa que as pessoas precisam saber enxergar as suas próprias limitações em um contexto maior do que seu próprio umbigo.
- Uau! Impressionante. Me lembre de anotar a marca desse vinho.
- Estou falando sério, Igor. Vivemos em um tempo onde os jovens entram no mercado de trabalho achando que se tornarão profissionais instantâneos! E são os mesmos jovens que acreditam que ninguém ao seu redor sirva como parceiro pois são inferiores às suas próprias qualidades. É uma geração fadada ao fracasso exatamente por se achar predestinada ao sucesso!
- Fascinante... Ei, sirva outra taça para mim.
- Ok. Então, como eu dizia... Ah, relacionamentos! Esses jovens são cada vez mais exigentes sobre o que procuram e o modo como seu parceiro deve ser. E até quando encontram alguém, o descartam por algum motivo besta que só serve para reafirmar sua suposta superioridade.
- Jovens como nós? Solteiros à mercê de ciência e vinho nesse exato momento para nos sentirmos melhor sobre estarmos sozinhos?
- Não dá pra conversar com você, Igor.
- Desculpe... Mais vinho?
- Claro.

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Quanto mais eu penso sobre relacionamentos, mais eu me recordo sobre todos os clichês que já vivenciei. Daqueles que parecem existir só nos filmes ou nos livros de romance sobre os quais fazem esses filmes, que parecem tão ridículos e óbvios até você perceber o quanto não passavam de mensagens subliminares que se traduzem nas maneiras que você procura para não deixar o seu namoro cair na rotina – através de outras rotinas que são passadas de geração para geração.

O importante talvez não seja recriminar os clichês pela falta de originalidade ou do elemento surpresa, mas reconhecer o quanto ainda são eficazes em sua função. Algumas mulheres ainda se empolgam por receber um buque de flores do mesmo modo que a maioria dos homens responde da maneira esperada diante daquela lingerie debaixo dos lençóis. E por fim sempre haverá o clichê que se repete em todos os relacionamentos: o momento em que ele ou ela decidem dizer “eu te amo”. Agora, se é uma expressão desgastada ou não, só depende de quem diz.

Clichês só não funcionam quando não há sentimento. Caso contrário, serão sempre bem vindos.