segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Os treze segundos


Foi só o que precisou para que o José Aldo fosse nocauteado pelo Conor McGregor no primeiro round do evento principal de uma edição do UFC que foi tão, mas tão comentada que até eu cheguei a ficar sabendo. Claro que para mim não importam os nomes dos lutadores ou o título que estava em jogo. Tudo o que foi preciso para chamar a minha atenção sobre isto foi o mesmo que o Zé provavelmente ficará repassando em suas memórias pelos próximos anos (depois que o efeito dos seus medicamentos cessarem e seu rosto passar a ter o formato de um rosto de novo): os treze segundos que o levaram da gloria à ruína. E você provavelmente nunca ouvirá falar sobre este texto, Zé, e isto não servirá de consolo para você ou seus patrocinadores, mas eu te entendo, cara.

Campeão invicto por dez anos consecutivos até que os treze segundos mais dolorosos, profissionalmente e literalmente, botaram a perder aquilo que qualquer um de nós secretamente preza mais do que qualquer outra coisa: a sensação de invencibilidade. Algo que existe até em perdedores mais freqüentes, como eu, que posso contar nos dedos de uma mão só as vezes em que ganhei no Banco Imobiliário e que nunca vi uma partida de War se desenvolver até seu fim natural. Até onde me lembro, sempre terminava com a mãe de um dos meus primos os chamando para ir embora, ou com um de nós virando o tabuleiro em um rompante de raiva porque seus esforços para defender a Groelândia foram em vão para o lance de dados do adversário.

 Pode parecer pequeno, mas são esses os exemplos que temos logo cedo na vida que servirão de base para mais tarde, quando nos tornarmos cidadãos aparentemente conscientes e maduros sobre nossas próprias atitudes que, para todos os efeitos, entendem com clareza e espírito esportivo como lidar com suas eventuais vitórias e derrotas. E talvez essas mesmas crianças que não sabiam lidar com seus sentimentos de frustração e perda são as mesmas que crescem para tornarem-se lutadores de MMA: ganhando ou perdendo, você tem a liberdade contratual e o apoio da platéia para socar o seu adversário.

Eu fui do tipo de criança que se revoltava sim, mas não ao ponto de bagunçar as peças do tabuleiro ou de desistir da partida. Mesmo quando a derrota era inevitável, sempre levei meus compromissos até o fim, jamais demonstrando que aquela perda seria absorvida como parte definidora do meu caráter – mas exercendo todo o meu direito de não emprestar mais meus brinquedos para o Fulano daquele dia em diante nem de chamá-lo para brincar. Crianças tem todo o direito de serem rancorosas, especialmente diante das adversidades.

Aí a gente cresce, estuda, conquista títulos e constrói reputações, tudo em prol da sonhada maturidade que esperamos atingir um dia. E digo “sonhada” porque o UFC está aí exatamente para confirmar a minha teoria de que adultos não existem: nós vivemos em um mundo que legalizou, reconheceu como esporte e cobra valores astronômicos para os lugares da primeira fila de um espetáculo de luta livre onde vence aquele que literalmente permanecer de pé. Não me leve a mal; longe de mim querer criticar algum esporte, ainda mais considerando o meu atual porte físico diante de mais um Projeto Verão que poderia ter sido e não foi. Mas não me diga que o financiamento da violência em forma de competição não se trata de mais uma herança da Idade Média, juntamente ao Ebola e os trajes e chapéus toscos que ainda são utilizados em algumas partes do Leste Europeu.

Há quem diga que todos esses comentários não passem da versão literária de um rompante de tabuleiro escrito por um mal perdedor nato, e talvez estejam certos. Eu admito que nunca lidei bem com as minhas derrotas e ao julgar pelo modo como eu continuo encarando a vida quando esta insiste em invadir e conquistar os meus territórios, elaborar um bom espírito esportivo pode ser adicionado à minha lista de resoluções de ano novo. Mas além de admitir derrota em alguns embates, é preciso também aprender a ganhar sem parecer um babaca – coisa que aquele irlandês convencido não soube fazer. Talvez seja pelo perdedor ser um brasileiro que esta história mexeu tanto comigo. No mínimo serviu para me lembrar que mesmo diante de uma derrota histórica, o Zé e eu fazemos parte de um povo que não desiste nunca.