quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Relacionamentos imaginários


Apesar de todos os obstáculos, toda a correria e cansaço do dia a dia, de tentar lembrar do que precisa comprar quando passar no mercado à caminho de volta para casa, depois de duas provas complicadas que seus professores resolveram juntar em uma mesma noite para apressar o fim do semestre letivo, de conseguir retornar as treze chamadas da sua mãe no seu celular que você não pôde atender antes porque não escutou o toque devido ao barulho do trânsito, você finalmente alcança a cama da onde saiu para enfrentar o resto do mundo pela manhã e pára pra suspirar em alívio. E então você recebe aquela mensagem, que faz com que tudo de apressado e desgastante ao redor dela simplesmente desapareça. Porque aquele é o momento pelo qual você esperou o dia todo. O momento em que vocês pudessem estar juntos de novo, mesmo separados. Particularmente falando, eu acho isso incrível. O fato de que, mesmo depois da maratona que corremos ao longo das horas comerciais, das grades curriculares e dos afazeres domésticos que parecem estar sempre atrasados, as pessoas ainda conseguem se encontrar. E se gostar. E disporem de alguns minutos a mais na cama, deitadas apenas ao som do toque do celular a cada nova mensagem daquela pessoa. É a realidade dos relacionamentos modernos, e é algo pelo qual eu sou simplesmente apaixonado.

Mas pelos motivos errados. Ou melhor, pelos relacionamentos errados.

***

Dia desses eu estava conversando com alguém sobre relacionamentos. E ouvi me contarem sobre como se conheceram, as mensagens que estavam trocando, os encontros que tiveram, as discussões que já surgiram, as complicações envolvendo horários, ex-namoradas, ciúmes, ansiedade, insegurança, medo de deixar que alguém chegasse perto demais para causar mais algum estrago permanente... E sobre como apesar de tudo isto, ainda havia uma chance de que aquilo poderia se tornar algo sério. E foi algo que não me comoveu muito, visto que já ouvi e vivenciei em primeira mão tantas outras histórias que pareceram terminar antes de realmente começar, ou então foram rarefazendo-se a medida que a paixão esfriava e a rotina retomava o espaço que todo aquele furor havia ocupado. Enfim, tudo aquilo se resumiu a um simples diálogo:
- Acho que pode ser ela, mas não tenho certeza. É que na verdade...
- Namorar é chato. É isso que você está tentando dizer, não é?
- É. Exatamente. Mas o começo é tão bom! Quando se está conhecendo a pessoa, descobrindo pouco a pouco quem ela é, do que ela gosta, o que sente sobre você...
- Sim. A antecipação é legal. O problema é quando o prólogo termina e o interlúdio toma conta. A rotina, a calma, a despreocupação. Você nunca realmente recupera aquela emoção a cada nova mensagem que ela te manda. Depois de um tempo você percebe que pode esperar para vê-la. Que não precisa respondê-la naquele exato segundo, caso contrário todo o amor que vocês já construíram estará em perigo de extinção.
- E por que será que isso acontece?
- Eu não sei. Já reparou como a véspera de Natal é muito mais aproveitada do que o próprio dia de Natal? E como a verdadeira festa acontece na véspera do Ano Novo? E para o primeiro de Janeiro fica a bagunça, as sobras e a preguiça. O namoro é um primeiro de Janeiro sobre o qual ninguém se atreve a reclamar. Afinal o ano só começou e há tanto pela frente. Mas que ano será esse que começou com base em latinhas de cerveja amassadas pelo chão e pernil requentado?
- Talvez o segredo seja esse mesmo. A antecipação. A promessa. O que está por vir parece sempre mais interessante do que há aqui agora. Enquanto forem apenas duas pessoas distantes, trocando mensagens e compartilhando vidas separadas, as coisas parecem mais emocionantes. Mas quando as mensagens de madrugada viram lembretes do tipo “Você vai passar por algum mercado à tarde? Acabou o leite!” ou “Não estou afim de ir no churrasco do seu amigo hoje, inventa uma desculpa!” no meio da tarde... Sei lá. Amor parece mais interessante quando está à distância. Perto demais, disponível demais, parece comodidade. Tipo Netflix ou ar-condicionado: é muito bom, mas em excesso pode causar dores de cabeça.

***

- Ultimamente ela não me responde mais direito.
- Como assim?
- Bom, no começo éramos instantâneos. Narrando cada minuto do dia como se cada atividade fosse algo imperdível. E com fotos, ainda por cima, para nos sentirmos mais próximos, eu acho. Anexos constantes de rótulos de garrafas e flashes do pôr-do-sol. E as mensagens de voz à noite. Ah... A voz cansada dela, já com a cabeça no travesseiro, era tudo o que eu precisava ouvir para dormir bem. Isso e o “boa noite” dela.
- E agora?
- Agora é isto. Mensagens enviadas, recebidas e ignoradas com sucesso. Me sinto um refém desses malditos riscos azuis do WhatsApp. Se ela leu, por que não responde?!
- Eu não sei, cara.
- Esses dias mesmo, ela disse também que poderia ser eu. Que estava gostando cada vez mais e mais. E agora isso. Não sabia que me importava tanto assim.
- É, a gente nunca sabe. Até o momento em que se torna indisponível. Independente se um dia a pessoa realmente esteve disponível para nós. Nunca se sabe. Quem vê status de WhatsApp não vê coração.
- Eu não estou brincando, Igor.
- Eu sei! Com quem acha que está falando? Lembra da...
- Ah, é. Sim. Desculpe. Já faz quanto tempo que não se falam?
- Tempo suficiente para te dizer com certeza que deveríamos passar menos tempo em relacionamentos imaginários, e mais tempo vivendo a nossa vida. Mesmo que seja por nós mesmos, sem “bom dia” nem “boa noite”.
- Ainda sente falta dela?
- Toda manhã e toda noite.

***

Eu continuo fascinado por relacionamentos. Pelo cuidado com o qual escrevo aquelas primeiras mensagens e pelo encantamento que sinto pelas que recebo de volta. Tudo é apaixonante no começo quando não há vidas realmente envolvidas; apenas dois IPs distantes à procura de uma nova conexão. Mas depois de uma série de primeiros encontros e últimas palavras trocadas, de músicas que perderam sua melodia em troca da lembrança de alguém que talvez nem pense mais em mim, e de uma lista de contatos no celular cheia de vidas inteiras que poderiam ter sido e não foram, tudo o que eu espero agora é que uma das promessas que já fiz por aí se cumpra. Que alguém me prove que o nosso prólogo valeu a pena ser escrito e que a nossa história está só começando. Alguém que não me faça sentir desconectado quando estiver online sem mim.

Enquanto isso chega de promessas vazias, interlúdios interrompidos e relacionamentos imaginários. Já faz algum tempo que carrego comigo a seguinte mensagem: “O mundo não é mais um lugar romântico. Algumas pessoas, no entanto, ainda são. E a elas cabe uma promessa: não deixe o mundo vencer.” É algo que ainda carrego comigo, mas algumas promessas podem se tornar muito pesadas caso você esteja sozinho para levá-las adiante. Alguns relacionamentos podem parecer mais importantes do que realmente são. Cabe a você decidir por quem vale a pena perder o seu sono e para quem vale a pena desejar um bom dia.

Quanto a mim, hoje eu durmo muito melhor com o celular desligado. E ele funciona bem melhor depois que deletei aquele aplicativo que vivia dizendo que não havia ninguém perto de mim. Como se eu não soubesse.