Apesar de
todos os obstáculos, toda a correria e cansaço do dia a dia, de tentar lembrar
do que precisa comprar quando passar no mercado à caminho de volta para casa,
depois de duas provas complicadas que seus professores resolveram juntar em uma
mesma noite para apressar o fim do semestre letivo, de conseguir retornar as
treze chamadas da sua mãe no seu celular que você não pôde atender antes porque
não escutou o toque devido ao barulho do trânsito, você finalmente alcança a
cama da onde saiu para enfrentar o resto do mundo pela manhã e pára pra
suspirar em alívio. E então você recebe aquela mensagem, que faz com que tudo
de apressado e desgastante ao redor dela simplesmente desapareça. Porque aquele
é o momento pelo qual você esperou o dia todo. O momento em que vocês pudessem
estar juntos de novo, mesmo separados. Particularmente falando, eu acho isso
incrível. O fato de que, mesmo depois da maratona que corremos ao longo das
horas comerciais, das grades curriculares e dos afazeres domésticos que parecem
estar sempre atrasados, as pessoas ainda conseguem se encontrar. E se gostar. E
disporem de alguns minutos a mais na cama, deitadas apenas ao som do toque do
celular a cada nova mensagem daquela pessoa. É a realidade dos relacionamentos
modernos, e é algo pelo qual eu sou simplesmente apaixonado.
Mas pelos
motivos errados. Ou melhor, pelos relacionamentos errados.
***
Dia desses
eu estava conversando com alguém sobre relacionamentos. E ouvi me contarem sobre
como se conheceram, as mensagens que estavam trocando, os encontros que
tiveram, as discussões que já surgiram, as complicações envolvendo horários,
ex-namoradas, ciúmes, ansiedade, insegurança, medo de deixar que alguém
chegasse perto demais para causar mais algum estrago permanente... E sobre como
apesar de tudo isto, ainda havia uma chance de que aquilo poderia se tornar
algo sério. E foi algo que não me comoveu muito, visto que já ouvi e vivenciei
em primeira mão tantas outras histórias que pareceram terminar antes de
realmente começar, ou então foram rarefazendo-se a medida que a paixão esfriava
e a rotina retomava o espaço que todo aquele furor havia ocupado. Enfim, tudo
aquilo se resumiu a um simples diálogo:
- Acho que
pode ser ela, mas não tenho certeza. É que na verdade...
- Namorar é
chato. É isso que você está tentando dizer, não é?
- É.
Exatamente. Mas o começo é tão bom! Quando se está conhecendo a pessoa,
descobrindo pouco a pouco quem ela é, do que ela gosta, o que sente sobre
você...
- Sim. A
antecipação é legal. O problema é quando o prólogo termina e o interlúdio toma
conta. A rotina, a calma, a despreocupação. Você nunca realmente recupera
aquela emoção a cada nova mensagem que ela te manda. Depois de um tempo você
percebe que pode esperar para vê-la. Que não precisa respondê-la naquele exato
segundo, caso contrário todo o amor que vocês já construíram estará em perigo
de extinção.
- E por que
será que isso acontece?
- Eu não
sei. Já reparou como a véspera de Natal é muito mais aproveitada do que o
próprio dia de Natal? E como a verdadeira festa acontece na véspera do Ano
Novo? E para o primeiro de Janeiro fica a bagunça, as sobras e a preguiça. O
namoro é um primeiro de Janeiro sobre o qual ninguém se atreve a reclamar.
Afinal o ano só começou e há tanto pela frente. Mas que ano será esse que
começou com base em latinhas de cerveja amassadas pelo chão e pernil
requentado?
- Talvez o
segredo seja esse mesmo. A antecipação. A promessa. O que está por vir parece
sempre mais interessante do que há aqui agora. Enquanto forem apenas duas
pessoas distantes, trocando mensagens e compartilhando vidas separadas, as
coisas parecem mais emocionantes. Mas quando as mensagens de madrugada viram
lembretes do tipo “Você vai passar por
algum mercado à tarde? Acabou o leite!” ou “Não estou afim de ir no churrasco do seu amigo hoje, inventa uma
desculpa!” no meio da tarde... Sei lá. Amor parece mais interessante quando
está à distância. Perto demais, disponível demais, parece comodidade. Tipo
Netflix ou ar-condicionado: é muito bom, mas em excesso pode causar dores de
cabeça.
***
-
Ultimamente ela não me responde mais direito.
- Como
assim?
- Bom, no
começo éramos instantâneos. Narrando cada minuto do dia como se cada atividade
fosse algo imperdível. E com fotos, ainda por cima, para nos sentirmos mais
próximos, eu acho. Anexos constantes de rótulos de garrafas e flashes do
pôr-do-sol. E as mensagens de voz à noite. Ah... A voz cansada dela, já com a
cabeça no travesseiro, era tudo o que eu precisava ouvir para dormir bem. Isso
e o “boa noite” dela.
- E agora?
- Agora é
isto. Mensagens enviadas, recebidas e ignoradas com sucesso. Me sinto um refém
desses malditos riscos azuis do WhatsApp.
Se ela leu, por que não responde?!
- Eu não
sei, cara.
- Esses dias
mesmo, ela disse também que poderia ser eu. Que estava gostando cada vez mais e
mais. E agora isso. Não sabia que me importava tanto assim.
- É, a gente
nunca sabe. Até o momento em que se torna indisponível. Independente se um dia
a pessoa realmente esteve disponível para nós. Nunca se sabe. Quem vê status de
WhatsApp não vê coração.
- Eu não
estou brincando, Igor.
- Eu sei!
Com quem acha que está falando? Lembra da...
- Ah, é.
Sim. Desculpe. Já faz quanto tempo que não se falam?
- Tempo
suficiente para te dizer com certeza que deveríamos passar menos tempo em
relacionamentos imaginários, e mais tempo vivendo a nossa vida. Mesmo que seja
por nós mesmos, sem “bom dia” nem “boa noite”.
- Ainda
sente falta dela?
- Toda manhã
e toda noite.
***
Eu continuo
fascinado por relacionamentos. Pelo cuidado com o qual escrevo aquelas
primeiras mensagens e pelo encantamento que sinto pelas que recebo de volta.
Tudo é apaixonante no começo quando não há vidas realmente envolvidas; apenas
dois IPs distantes à procura de uma nova conexão. Mas depois de uma série de
primeiros encontros e últimas palavras trocadas, de músicas que perderam sua
melodia em troca da lembrança de alguém que talvez nem pense mais em mim, e de
uma lista de contatos no celular cheia de vidas inteiras que poderiam ter sido
e não foram, tudo o que eu espero agora é que uma das promessas que já fiz por
aí se cumpra. Que alguém me prove que o nosso prólogo valeu a pena ser escrito
e que a nossa história está só começando. Alguém que não me faça sentir
desconectado quando estiver online sem mim.
Enquanto
isso chega de promessas vazias, interlúdios interrompidos e relacionamentos
imaginários. Já faz algum tempo que carrego comigo a seguinte mensagem: “O mundo não é mais um lugar romântico.
Algumas pessoas, no entanto, ainda são. E a elas cabe uma promessa: não deixe o
mundo vencer.” É algo que ainda carrego comigo, mas algumas promessas podem
se tornar muito pesadas caso você esteja sozinho para levá-las adiante. Alguns
relacionamentos podem parecer mais importantes do que realmente são. Cabe a
você decidir por quem vale a pena perder o seu sono e para quem vale a pena
desejar um bom dia.
Quanto a
mim, hoje eu durmo muito melhor com o celular desligado. E ele funciona bem
melhor depois que deletei aquele aplicativo que vivia dizendo que não havia
ninguém perto de mim. Como se eu não soubesse.