Por volta de 1800 e alguma coisa as tragédias românticas se passavam
em forma de peças e óperas. Espetáculos musicais cheios de performances estrondosas
e maestria sem fim, tudo muito bem ensaiado, coreografado e meticulosamente
traçado para levar seus espectadores aos prantos, às ruínas das lamúrias da existência
e aos círculos sociais mais promissores da época que prezavam pelas discussões
literárias após se entregarem às suas emoções mais reprimidas ao som e fúria do
palco e a gratidão por seus artistas com uma salva de palmas em pé. Mas entre
um ato e outro, originou-se o interlúdio – algo que chamamos comumente hoje de “é agora que dá para ir ao banheiro?”. Trata-se
de uma pequena composição feita especialmente para preencher o espaço entre
dois atos em uma peça – ou, atualmente, algo que cantamos aos múrmuros enquanto
estamos no banheiro do teatro.
A vida em si é um grande espetáculo. Seu palco depende da onde
você apresenta as suas performances. Quando perguntaram à Mara Rúbia (a
Fernanda Montenegro dos anos 50) suas considerações sobre a morte, ela foi
sucinta e clássica em sua colocação: “Para
mim há dois lugares maravilhosos para se morrer; na cama, amando, e no palco,
trabalhando.” Mas durante todo espetáculo há o momento em que os refletores
precisam descansar, a platéia precisa esticar as pernas e a orquestra precisa
harmonizar o silêncio que toma conta do espaço que há pouco estava cheio de som
e fúria. E quando o teatro se esvazia e restam apenas o artista e um holofote
prestes a ser desligado até que a trupe possa se reorganizar para o próximo
ato, entra o interlúdio. E com ele, o meu problema.
Eu não sei como você leva a sua vida, mas a minha em particular
costuma ser bastante agitada. Não necessariamente pela minha atração a dramas e
tragédias, mas talvez porque quando se possui uma teatralidade nata, qualquer
roteiro serve de material para dramaturgia. Das grandes apresentações aos
pequenos sideshows, eu sempre prezei
muito pela minha veia artística. Porque é o que faz com que eu me sinta vivo e,
quem sabe, será o que pagará minhas contas em um futuro próximo. Mas o material ultimamente tem se tornado
bastante escasso, ao ponto de nenhum trecho ou parágrafo que eu considero
escrever pareça bom o bastante para anunciar um novo número a ser apresentado.
E talvez não exista nada mais fatídico para um artista que se sente incansável
do que um interlúdio que parece interminável.
Nos dias de hoje, um interlúdio entre um emprego e outro é
desesperador. Bem como um interlúdio entre um amor e outro. Quanto mais se
espera, maior é a expectativa para que os refletores se acendam de novo e seja
possível rever a platéia em seus lugares marcados, prontos para mais um número.
E quando chega a hora de aposentar uma apresentação e elaborar um novo show, a
antecipação torna-se a assombração do dramaturgo. Imensa é a alma do artista e
daquilo que ele apresenta para o mundo, pois sem isto restam apenas os borrões
da maquiagem e os ecos dos ensaios.
Apesar da alma ferida pelo tempo, o artista entende sim a
importância do interlúdio em seu show. É preciso descansar, rever alguns passos
e recapitular a história que já se passou até aqui para que o próximo ato, além
de impressionar, seja coeso e faça jus ao personagem. Algo que não pode ser
feito se o carrossel não parar por alguns instantes, e é uma espera que deve
ser compreendida e respeitada tanto por quem habita os palcos da vida, quanto
por quem prefere fazer sua parte nos bastidores.
Este ano foi um grande interlúdio. Cheio de necessidades que
precisavam ter seu espaço para respirar, de mudanças de cenários que
reorganizaram o modo como o show passaria a ser dali adiante, e de personagens
que tiveram seus números aposentados para dar a vez a outras performances.
Falando como um pequeno e impaciente artista à procura de um novo papel, minha
ansiedade pelo reascender das luzes parece ofuscar minha visão às vezes. Mas é
só uma divisão de atos que toda magnum
opus requer para manter-se fresca, memorável e, assim espero, inesquecível.