Se você
desconsiderar os efeitos especiais, os dinossauros que inexplicavelmente também
viviam na ilha da caveira e a melancolia da Naomi Watts, o filme “King Kong” se
trata mesmo de uma comédia romântica. Isto é, até o seu final triste. Enquanto
assistia pela enésima vez em um dia desses de ócio criativo e descaso
gastronômico – dois fatores que parecem sempre me levar ao sofá para uma sessão
reprise com direito a pipoca com muito sal e uma garrafa de refrigerante ao seu
dispor sem o peso das calorias na sua consciência – eu me senti particularmente
inspirado desta vez quanto mais via a Naomi Watts indecisa sobre ficar com o
Kong naquela ilha ou fugir com o outro cara que foi salvá-la. É um triângulo
amoroso clássico, mas só funciona se você enxergar o Kong pelo que ele sente,
não pelas pegadas gigantes que ele deixa pela floresta. E me fez pensar também
sobre o fator crucial que deve existir em qualquer relacionamento para que este
seja bem sucedido ou não: a reciprocidade.
Durante
minhas desventuras amorosas sempre confiei nos meus amigos para servirem de
bússolas para que eu não me perdesse na minha própria insensatez. Mesmo sabendo
quando concordariam comigo ou não, era bom ao menos dizer as palavras em voz
alta quando me encontrava em mais uma encruzilhada amorosa e era preciso
engolir o orgulho para parar e pedir por uma direção. E uma amiga em particular
sempre foi precisa em suas considerações perante os meus entreveros:
- Toda relação tem alguém que gosta um pouco
mais do que o outro, Igor. Partindo disso fica fácil saber se estamos nos perdendo
demais ou doando menos. O que “gosta mais” tem iniciativa, planos, idéias, puxa
assunto, cria cenários... O que “gosta menos” aceita tudo isso numa boa, mas a
sua reciprocidade tem um limite que aos poucos vai testando o que “gosta mais”
até que.. Bom. Até que a gente sente aqui para beber e teorizar sobre
relacionamentos.
Não sei
dizer se existe mesmo equilíbrio em relacionamentos ou se reciprocidade é um
fenômeno ocasional que envolve empenho de ambas as partes somente quando os
dois sairão ganhando algo que não seja necessariamente um orgasmo. De qualquer
forma, eu entendo o quanto “gostar mais”
e procurar alcançar alguém que não nos encontra em um meio termo pode ser
frustrante, assim como entendo como “gostar
menos” pode ser uma posição confortavelmente entorpecente, mas ao custo da
nossa consciência de manter alguém por perto que nos encha de amor sem pedir
muito em troca. São situações igualmente desajustadas pelas quais eu e alguns
dos meus amigos já passaram, enquanto o equilíbrio puro permanece distante como
um fenômeno raro da natureza que pode ser visto por um piscar de olhos antes de
se perder em expectativas infames.
O problema
com King Kong é que ele não tinha amigos para conversar enquanto a Naomi Watts
não se decidia sobre lhe dar uma chance ou embarcar de volta para Nova York,
embora todos aqueles insetos gigantes também não ajudassem ninguém a tomar uma
decisão racional. Quanto a mim, decisões racionais nunca foram o meu forte,
independente de qualquer ecossistema. Eu gosto de pensar que considero as
conseqüências a longo prazo de tudo o que decido fazer por mim, mas é só quando
me encontro sofrendo-as que realmente considero se aquilo valeu a pena. Em
parte é assim que me sinto hoje pelos arredores de Foz do Iguaçu – atualmente
servindo como a minha versão particular da ilha da caveira, completa com todos
os insetos possíveis e imagináveis que invadem o meu quarto ao menor sinal de
uma luz acesa.
Felizmente
hoje não existe nenhum conflito amoroso perturbando o meu sono. Este mérito vai
para causas naturais como a minha rinite ou os barulhos dos carros lá fora que
encaram o quebra-molas da minha rua como um obstáculo a ser ultrapassado em
velocidade máxima. Mas entre filmes repetidos e relacionamentos desequilibrados,
tem sido bom dedicar mais tempo para minhas teorias infames do que criar
expectativas surreais sobre coisas e pessoas que estão além do meu alcance. O
que me leva a concluir que 1) talvez eu precise ser o que “gosta mais” em um relacionamento, caso a possibilidade do
equilíbrio realmente não exista, embora 2) Kong, obviamente o que “gosta mais” naquela relação,
definitivamente merecia alguém que lhe desse mais valor.
Enfim,
relacionamentos são complicados.