quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Condições adversas


Segunda feira, 6:45 da manhã. Acordei com um barulho súbito vindo da esquina que vai de encontro à vista da janela do meu quarto. Um barulho inconfundível, de vidro quebrado e gritos de choque, e de vidas sendo interrompidas por algo. Rapidamente me levantei e abri a janela para ver o que era de se esperar: um acidente de carro. Uma van derrapou para evitar a colisão com outro carro, perdeu o equilíbrio e caiu de lado na rua, enquanto o outro carro se evadiu da cena. Ninguém se feriu, e em questão de instantes uma viatura que costuma policiar o bairro encostou para ajudar a família que se sentou no meio-fio para recuperar o fôlego. Também não demorou muito para que a rua fosse fechada até que um guincho chegasse para levantar a van da rua, e para que todos os vizinhos das redondezas e as pessoas que passavam por ali a caminho do trabalho se juntassem ao redor para se horrorizarem com o ocorrido. Eu não consegui mais dormir depois daquilo, até porque o barulho da sirene da viatura precisava alertar os outros motoristas sobre o fechamento da rua. Mais ainda, eu permaneci estarrecido com aquilo; foi o meu primeiro choque de realidade sobre a cidade em que eu estava morando.

Foz do Iguaçu é uma das cidades brasileiras que nunca dorme graças ao seu caráter turístico, mas manter em constante movimento o fluxo de vidas entre as ruas da cidade também abre um potencial imenso para acidentes como aquele. Também não devo criticar muito o trânsito local, especialmente ao considerar a zona de mortalidade em que eu costumava morar, também conhecida como a cidade de Cascavel – um dos pólos universitários do Paraná com teor alcoólico idêntico ao seu caráter. Sobre Foz do Iguaçu, ainda me pego desacostumado com o respeito que encontrei ao atravessar as inúmeras ruas do centro da cidade – é infelizmente de se surpreender quando o motorista reduz a velocidade bem antes da onde deve parar e sinaliza para que você cruze a rua com segurança. Mas ainda considerando o susto que havia me acordado naquela manhã, eu me peguei pensando sobre outros tipos de choques cotidianos – ou, no meu caso, sobre a mudança de direção que eu havia feito recentemente com a minha vida, e para onde eu sinalizaria o meu foco agora.

Recém graduado em uma faculdade, o mundo pós-formatura parece se configurar entre as seguintes vias: uma pós, um mestrado, uma tentativa de se encaixar na área de formação por sorte, empenho ou indicação, ou quem sabe até mesmo tirar umas férias de tudo por algum tempo até que a poeira se abaixasse e os confetes grudados nos sapatos da festa finalmente fossem limpos por completo. Quanto a mim, eu ainda não sabia exatamente o que fazer, salvo pelas escolhas profissionais que fiz desde o momento em que foi me concedido um grau superior. E enquanto não sabia o que fazer, por algum tempo trabalhei em uma área que nem de longe se comparava ao que eu havia estudado e muito menos ao que eu conhecia, até que a frustração do dia-a-dia me venceu por completo, como um conta-gotas pressionando um copo d’água ao limite do seu derramamento. E quando as minhas inseguranças finalmente me inundaram, parecia haver uma única alternativa restante: começar de novo. E depois de me despedir de tudo e de todos, de encaixotar meus pertences e minhas aspirações por algo a mais, eu adentrei uma nova cidade com mais rapidez do que eu esperava e nem tomei nota dos nomes das ruas a caminho do meu novo lar. Isto é, até aquela batida me acordar.

Eventualmente na vida todo mundo tem o seu despertar. O momento em que você olha para o seu amor e percebe que talvez seja ela aquela destinada a ficar, ou que talvez ele precise partir para dar lugar a alguém que realmente te entenda. Ou a sensação de que este lugar foi muito produtivo por um tempo, mas que o sucesso não depende de uma fórmula muito coesa e às vezes é preciso se perder para se encontrar, ou recuar antes de seguir em frente. Quanto a mim, eu decidi que a minha carreira precisava primeiramente de um foco. Como uma das minhas professoras me desejou pouco antes da nossa cerimônia de formatura; “Desejo para cada um de vocês um caminho e que vocês entendam como poderão trilhá-lo”. E apesar de ter mudado de CEP, minhas inseguranças permaneceram comigo até aquele exato momento. O momento em que a vida lá fora me acordou e eu decidi que precisava fazer isto valer a pena.

Alguns dias depois eu dei uma pesquisada e não encontrei nenhum registro daquele acidente. Nem em jornais impressos ou virtuais, mas de alguma maneira foi algo marcante para mim. Talvez assim como nem todas as histórias se tornem manchetes, nem todas as pessoas acertem seu caminho na primeira tentativa. É preciso continuar investigando, questionando e imaginando o que mais poderá haver em mim para encontrar meu lugar neste mundo. E eu decidi que o meu lugar seria em uma redação de jornal, trabalhando ao máximo para que histórias como esta pudessem ser contadas. Seria o inicio de outra longa jornada, mas só de me sentir um pouco mais seguro pela primeira vez em muito tempo sobre aonde eu quero chegar, já ajuda a me sentir um pouco menos perdido.

Algumas horas depois o guincho removeu a van da rua e a viatura retirou a barreira para que os carros pudessem passar. O caminho estava livre novamente e aquela família, menos assustada e mais atenta, seguiu em frente de novo. E eles não foram os únicos.