Segunda
feira, 6:45 da manhã. Acordei com um barulho súbito vindo da esquina que vai de
encontro à vista da janela do meu quarto. Um barulho inconfundível, de vidro
quebrado e gritos de choque, e de vidas sendo interrompidas por algo.
Rapidamente me levantei e abri a janela para ver o que era de se esperar: um
acidente de carro. Uma van derrapou para evitar a colisão com outro carro,
perdeu o equilíbrio e caiu de lado na rua, enquanto o outro carro se evadiu da
cena. Ninguém se feriu, e em questão de instantes uma viatura que costuma
policiar o bairro encostou para ajudar a família que se sentou no meio-fio para
recuperar o fôlego. Também não demorou muito para que a rua fosse fechada até
que um guincho chegasse para levantar a van da rua, e para que todos os
vizinhos das redondezas e as pessoas que passavam por ali a caminho do trabalho
se juntassem ao redor para se horrorizarem com o ocorrido. Eu não consegui mais
dormir depois daquilo, até porque o barulho da sirene da viatura precisava
alertar os outros motoristas sobre o fechamento da rua. Mais ainda, eu
permaneci estarrecido com aquilo; foi o meu primeiro choque de realidade sobre
a cidade em que eu estava morando.
Foz
do Iguaçu é uma das cidades brasileiras que nunca dorme graças ao seu caráter
turístico, mas manter em constante movimento o fluxo de vidas entre as ruas da
cidade também abre um potencial imenso para acidentes como aquele. Também não
devo criticar muito o trânsito local, especialmente ao considerar a zona de
mortalidade em que eu costumava morar, também conhecida como a cidade de
Cascavel – um dos pólos universitários do Paraná com teor alcoólico idêntico ao
seu caráter. Sobre Foz do Iguaçu, ainda me pego desacostumado com o respeito
que encontrei ao atravessar as inúmeras ruas do centro da cidade – é infelizmente
de se surpreender quando o motorista reduz a velocidade bem antes da onde deve
parar e sinaliza para que você cruze a rua com segurança. Mas ainda
considerando o susto que havia me acordado naquela manhã, eu me peguei pensando
sobre outros tipos de choques cotidianos – ou, no meu caso, sobre a mudança de
direção que eu havia feito recentemente com a minha vida, e para onde eu
sinalizaria o meu foco agora.
Recém
graduado em uma faculdade, o mundo pós-formatura parece se configurar entre as
seguintes vias: uma pós, um mestrado, uma tentativa de se encaixar na área de
formação por sorte, empenho ou indicação, ou quem sabe até mesmo tirar umas
férias de tudo por algum tempo até que a poeira se abaixasse e os confetes
grudados nos sapatos da festa finalmente fossem limpos por completo. Quanto a
mim, eu ainda não sabia exatamente o que fazer, salvo pelas escolhas
profissionais que fiz desde o momento em que foi me concedido um grau superior.
E enquanto não sabia o que fazer, por algum tempo trabalhei em uma área que nem
de longe se comparava ao que eu havia estudado e muito menos ao que eu
conhecia, até que a frustração do dia-a-dia me venceu por completo, como um
conta-gotas pressionando um copo d’água ao limite do seu derramamento. E quando
as minhas inseguranças finalmente me inundaram, parecia haver uma única
alternativa restante: começar de novo. E depois de me despedir de tudo e de
todos, de encaixotar meus pertences e minhas aspirações por algo a mais, eu
adentrei uma nova cidade com mais rapidez do que eu esperava e nem tomei nota
dos nomes das ruas a caminho do meu novo lar. Isto é, até aquela batida me
acordar.
Eventualmente
na vida todo mundo tem o seu despertar. O momento em que você olha para o seu
amor e percebe que talvez seja ela aquela destinada a ficar, ou que talvez ele
precise partir para dar lugar a alguém que realmente te entenda. Ou a sensação
de que este lugar foi muito produtivo por um tempo, mas que o sucesso não
depende de uma fórmula muito coesa e às vezes é preciso se perder para se
encontrar, ou recuar antes de seguir em frente. Quanto a mim, eu decidi que a
minha carreira precisava primeiramente de um foco. Como uma das minhas
professoras me desejou pouco antes da nossa cerimônia de formatura; “Desejo para cada um de vocês um caminho e
que vocês entendam como poderão trilhá-lo”. E apesar de ter mudado de CEP,
minhas inseguranças permaneceram comigo até aquele exato momento. O momento em
que a vida lá fora me acordou e eu decidi que precisava fazer isto valer a
pena.
Alguns
dias depois eu dei uma pesquisada e não encontrei nenhum registro daquele
acidente. Nem em jornais impressos ou virtuais, mas de alguma maneira foi algo
marcante para mim. Talvez assim como nem todas as histórias se tornem
manchetes, nem todas as pessoas acertem seu caminho na primeira tentativa. É
preciso continuar investigando, questionando e imaginando o que mais poderá
haver em mim para encontrar meu lugar neste mundo. E eu decidi que o meu lugar
seria em uma redação de jornal, trabalhando ao máximo para que histórias como
esta pudessem ser contadas. Seria o inicio de outra longa jornada, mas só de me
sentir um pouco mais seguro pela primeira vez em muito tempo sobre aonde eu
quero chegar, já ajuda a me sentir um pouco menos perdido.
Algumas
horas depois o guincho removeu a van da rua e a viatura retirou a barreira para
que os carros pudessem passar. O caminho estava livre novamente e aquela
família, menos assustada e mais atenta, seguiu em frente de novo. E eles não
foram os únicos.