Você é o que escreve. Não é a toa
que ultimamente ando vivendo com base em edições e republicações de devaneios
passados. Este é o inegável reflexo de alguém que anda demasiadamente fixado na
estrada que ficou para trás, em vez de se concentrar no que pode estar adiante.
Parecia mais fácil procurar uma emoção familiar ao que estivesse sentindo em um
catálogo pronto, do que colocar-me na posição mais vulnerável de todas: a da
originalidade do presente, e quaisquer sentimentos que estivessem implicados
nisto. A verdade é que eu não queria escrever exatamente porque não queria
dizer em voz alta o que estava sentindo. Não por não saber como descrever o que
está acontecendo; exatamente o contrário. É por reconhecer muito bem o que é
isto. Algo que eu prometi a mim mesmo que não sentiria mais.
Eu me sinto
sozinho.
***
Durante os
primeiros meses em Foz do Iguaçu, tudo o que eu conseguia pensar era: “O que será que vou conseguir fazer aqui?”
Havia projetos, idéias, expectativas. Esperança. Uma noção vaga em questão de
detalhes em específico, mas rica em palavras-chave e perspectiva de que, assim
como David Bowie indagava se existiria vida em Marte, haveria sim uma vida em
Foz do Iguaçu para mim. E depois de esperar, assistir séries para me distrair,
aprender a cozinhar, correr alucinadamente por aí até, enfim, começar uma nova
faculdade que levaria até o sonho que pensava ter abandonado anos atrás, mas
que ainda vivia em mim e agora estava prestes a começar a se realizar, eu
consegui. Existe vida
em Foz do Iguaçu afinal de contas. Qual o problema então, Igor? Não é isso
que você queria?
Era sim. Mas
faltou algo... Aliás, faltou alguém.
***
Eu tenho um
histórico na vida. Longo, distorcido e bem longe de ser memorável. Mas é o que
eu tenho para relatar quando meu inventário é obrigado a ser revelado. Seja em
entrevistas de emprego ou tentativas de me relacionar com alguém. A essência é
a mesma: todos querem saber por onde e por quem você já passou, e do que você é
ou já foi capaz de fazer, para considerar se lhe dão ou não uma chance. Meu
problema tem sido em conseguir uma oportunidade. Uma tentativa de demonstrar
todo o potencial que ainda guardado aqui, empoeirado e definhando, enquanto
poderia estar por aí tomando mais sol e reclamando com mais causas do que mero
ócio. Mas isto não me incomodava tanto antes. O problema no começo estava em me
sentir como se não fosse ninguém aqui. Ou então, alguém que não possuía uma
definição curta e direta para quando fosse abordado por seja lá quem fosse que
se interessasse em perguntar: “O que você
veio fazer aqui?” Algo que era sempre respondido com um projeto futuro,
automaticamente seguido por uma enorme frustração passada.
O problema
foi que hoje, ao andar pelas ruas da cidade, entre um pequeno afazer e outro,
eu pensei pela primeira vez: “O que estou
fazendo aqui realmente?”
A resposta
estava guardada em mim já faz algum tempo, mas era melhor se permanecesse
latente. Escondida entre as linhas de alguma republicação antiga, acompanhada
por uma trilha sonora mais recente, e uma fala aparentemente despreocupada do
tipo: “Achei que combinava. Não quer
dizer necessariamente que eu esteja me sentindo assim hoje”. E negar que
estava me sentindo assim não foi apenas mais um sintoma; foi o fator
determinante.
Não se trata
mais do que eu vim fazer aqui, mas com quem eu não ando compartilhando
tudo isso.
***
Talvez eu
não queira um relacionamento. Na verdade eu sei que não quero um. São
complicados, enrolados, consumidores, dramáticos, estressantes e enfadonhos.
Isto sem considerar o quanto eu tenho pavor de depender de outras pessoas – até
mesmo emocionalmente. Mas é este o ponto em que chegamos; a carência e o medo
escondidos por trás da aparência de auto-suficiência e da ironia. E já passou
da hora de compartilhar isso com quem se interessar em passar os olhos por
isso, porque talvez admitir que eu sinta falta de “alguém” seja a verdadeira demasia. Talvez, na melhor das hipóteses,
eu só precise mesmo de um amigo gordo para me fazer companhia no final do dia,
entre rodadas de cerveja, para que me escute mesmo quando eu realmente não
quero dizer nada.
E é por isto
que eu ainda tenho minhas dúvidas sobre o que realmente estou fazendo aqui.
Ênfase no “real”. Enquanto eu não der
à cidade e a todos que eu acabe por encontrar nela uma chance de verdade para
que conheçam o verdadeiro eu, não haverá metáfora, ironia ou marco turístico
que me satisfaça por aqui.
Este sou eu,
tentando. Só o que me resta agora é enfrentar o meu maior medo: descobrir se será
recíproco.