segunda-feira, 2 de maio de 2016

O verdadeiro eu


Você é o que escreve. Não é a toa que ultimamente ando vivendo com base em edições e republicações de devaneios passados. Este é o inegável reflexo de alguém que anda demasiadamente fixado na estrada que ficou para trás, em vez de se concentrar no que pode estar adiante. Parecia mais fácil procurar uma emoção familiar ao que estivesse sentindo em um catálogo pronto, do que colocar-me na posição mais vulnerável de todas: a da originalidade do presente, e quaisquer sentimentos que estivessem implicados nisto. A verdade é que eu não queria escrever exatamente porque não queria dizer em voz alta o que estava sentindo. Não por não saber como descrever o que está acontecendo; exatamente o contrário. É por reconhecer muito bem o que é isto. Algo que eu prometi a mim mesmo que não sentiria mais.

Eu me sinto sozinho.

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Durante os primeiros meses em Foz do Iguaçu, tudo o que eu conseguia pensar era: “O que será que vou conseguir fazer aqui?” Havia projetos, idéias, expectativas. Esperança. Uma noção vaga em questão de detalhes em específico, mas rica em palavras-chave e perspectiva de que, assim como David Bowie indagava se existiria vida em Marte, haveria sim uma vida em Foz do Iguaçu para mim. E depois de esperar, assistir séries para me distrair, aprender a cozinhar, correr alucinadamente por aí até, enfim, começar uma nova faculdade que levaria até o sonho que pensava ter abandonado anos atrás, mas que ainda vivia em mim e agora estava prestes a começar a se realizar, eu consegui. Existe vida em Foz do Iguaçu afinal de contas. Qual o problema então, Igor? Não é isso que você queria?

Era sim. Mas faltou algo... Aliás, faltou alguém.

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Eu tenho um histórico na vida. Longo, distorcido e bem longe de ser memorável. Mas é o que eu tenho para relatar quando meu inventário é obrigado a ser revelado. Seja em entrevistas de emprego ou tentativas de me relacionar com alguém. A essência é a mesma: todos querem saber por onde e por quem você já passou, e do que você é ou já foi capaz de fazer, para considerar se lhe dão ou não uma chance. Meu problema tem sido em conseguir uma oportunidade. Uma tentativa de demonstrar todo o potencial que ainda guardado aqui, empoeirado e definhando, enquanto poderia estar por aí tomando mais sol e reclamando com mais causas do que mero ócio. Mas isto não me incomodava tanto antes. O problema no começo estava em me sentir como se não fosse ninguém aqui. Ou então, alguém que não possuía uma definição curta e direta para quando fosse abordado por seja lá quem fosse que se interessasse em perguntar: “O que você veio fazer aqui?” Algo que era sempre respondido com um projeto futuro, automaticamente seguido por uma enorme frustração passada.

O problema foi que hoje, ao andar pelas ruas da cidade, entre um pequeno afazer e outro, eu pensei pela primeira vez: “O que estou fazendo aqui realmente?

A resposta estava guardada em mim já faz algum tempo, mas era melhor se permanecesse latente. Escondida entre as linhas de alguma republicação antiga, acompanhada por uma trilha sonora mais recente, e uma fala aparentemente despreocupada do tipo: “Achei que combinava. Não quer dizer necessariamente que eu esteja me sentindo assim hoje”. E negar que estava me sentindo assim não foi apenas mais um sintoma; foi o fator determinante.

Não se trata mais do que eu vim fazer aqui, mas com quem eu não ando compartilhando tudo isso.

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Talvez eu não queira um relacionamento. Na verdade eu sei que não quero um. São complicados, enrolados, consumidores, dramáticos, estressantes e enfadonhos. Isto sem considerar o quanto eu tenho pavor de depender de outras pessoas – até mesmo emocionalmente. Mas é este o ponto em que chegamos; a carência e o medo escondidos por trás da aparência de auto-suficiência e da ironia. E já passou da hora de compartilhar isso com quem se interessar em passar os olhos por isso, porque talvez admitir que eu sinta falta de “alguém” seja a verdadeira demasia. Talvez, na melhor das hipóteses, eu só precise mesmo de um amigo gordo para me fazer companhia no final do dia, entre rodadas de cerveja, para que me escute mesmo quando eu realmente não quero dizer nada.

E é por isto que eu ainda tenho minhas dúvidas sobre o que realmente estou fazendo aqui. Ênfase no “real”. Enquanto eu não der à cidade e a todos que eu acabe por encontrar nela uma chance de verdade para que conheçam o verdadeiro eu, não haverá metáfora, ironia ou marco turístico que me satisfaça por aqui.

Este sou eu, tentando. Só o que me resta agora é enfrentar o meu maior medo: descobrir se será recíproco.