quinta-feira, 19 de maio de 2016

A Igor-dice

Para a entrada, uma porção de contexto.

Dizem que a necessidade é a mãe de todas as invenções, e se este for mesmo o caso, o tédio existencial só pode ser o pai. Porque depois de anos morando sozinho a base de misto quente e lasanhas congeladas, nenhum impulso de sobrevivência sequer me motivou de tentar produzir algo utilizando o fogão que não fosse pipoca. Isto ainda quando estivesse me sentindo mais aventureiro do que o habitual, pois além de ser algo relativamente simples, ainda conseguia queimar a pipoca e o fundo da panela.

Enfim, cozinhar nunca foi o meu forte. Nunca nem foi o meu fraco – era apenas algo que eu subtraí por completo da minha vida, junto a outras necessidades que sempre pareceram mais supérfluas para mim do que o habitual para outras pessoas. Assim como dirigir, economizar ou relacionamentos bem resolvidos, não era algo que parecia chegar ao nível de commodity, até mesmo quando fazia falta; fosse para ajudar a ir de um lugar para outro, para comprar algo fora do orçamento cotidiano, ou para ter uma companhia que não me fizesse questionar toda a minha existência neste mundo.

Precisar de algo, ao contrário do que dizem ser eficaz no processo de resolução de problemas, nunca me levou a tal resultado. Pelo contrário; precisar de algo ou de alguém me causa mais pavor do que inspiração. A pressão até ajuda a desenvolver certos fluxos criativos em mim, mas definitivamente não consegue ser tão eficaz quanto o ócio. É na inércia, na rotina e no desespero silencioso em que eu realmente prospero. E talvez exista o argumento de que isto nada mais seja do que a necessidade de sair do ócio, mas a física é clara: um corpo em repouso tende a continuar em repouso. E eu não deixo o meu repouso porque preciso, especialmente em dias invernais como estes. No fim até os meus próprios instintos são feitos reféns do meu existencialismo recorrente. Só me submeterei às minhas vontades ditas como inerentes quando eu mesmo decidir isto.

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Prato principal: psicologia à moda da casa.

A psicanálise concebe o processo de sublimação como parte do desenvolvimento humano cuja ocorrência habitual se dá durante o período da adolescência; a produção de hormônios em grande escala além de amadurecer o corpo, também causa com que este procure meios de gastar toda a energia extra que produz. Como o amadurecimento sexual é mais gradual do que o jovem gostaria, este acaba por praticar esportes ou a se concentrar mais nos estudos para aproveitar seu superávit de stamina. Ou ele só começa a se masturbar com mais freqüência mesmo. E quando finalmente chegam à idade adulta, as pessoas passam a sublimar sua energia acumulada de outras maneiras, invariavelmente exageradas. Eis os workaholics, os ansiosos, os alcoolotras, as pessoas insuportavelmente otimistas que acordam cantando, e os que se masturbam frequentemente até hoje. Isto quando não encontram outra pessoa tão incansável quanto eles para trocar a partida de cinco contra um por uma a dois.

Foi o que aconteceu com a minha fome. Além da necessidade diária de me alimentar, a fome por algo novo me motivou a buscar um novo extremo em algo familiar – talvez para harmonizar com os outros modos extremos sob os quais eu levo a minha vida. E assim começaram a surgir anotações de receitas no meu quadro de recados, ingredientes que nunca antes compuseram minhas listas de compras no mercado, e fotos de comida no lugar de selfies em meu Instagram.

O que começou com uma vontade de fazer minha própria pizza certa noite evoluiu para uma tentativa de fazer arroz. Que logo evoluiu para um strogonoff. Que abriu brecha para um macarrão. Que, por sua vez inspirou um conchiglione. Seguido por panquecas, lasanhas... Até que passei a visitar setores que sempre ignorei nos mercados para procurar por produtos estrangeiros para mim: orégano, azeite, salsinha, cebolinha, páprica, molho inglês... E então passei a testar técnicas para temperar, selar e reduzir ingredientes na panela, depois que só misturá-los e cozinhá-los perdeu a graça. Logo passei para a confeitaria: bolos simples a princípio, seguido por bolos com cobertura, bolos com cobertura e recheio... Cozinhar não parecia mais uma arte tão indomável. Aliás, já parecia normal, costumeiro, rotina...

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Sobremesa: um mousse de ironia.

Dia desses, enquanto experimentava uma receita de ganache para cobrir um bolo de chocolate que havia feito, eu percebi que levara meu novo passatempo a fronteiras que nunca pensei que seria capaz de atravessar. E ainda havia muito a ser descoberto, testado e experimentado, mas aquele gosto de novidade não parecia mais estar disposto na cozinha. Talvez eu o pesei demais em algum molho que fiz, ou talvez eu simplesmente o perdi de vez. Seja lá o que fosse, parecia que eu havia voltado exatamente aonde comecei. Ao ingrediente-chave das minhas aventuras culinárias: uma boa dose de tédio que, como era de se esperar, estava muito sem sal.

Logo eu encontrarei outra maneira de sublimar o meu vazio interior. Enquanto isso, vou enchê-lo de bolo. O que não me mata de tédio, engorda.