Se eu considerar o quanto a maior
parte de mim é feita na verdade de contradições e não de ironia e comentários
sarcásticos (ao contrário do voto popular), isto não deveria surpreender
ninguém – muito menos a mim mesmo – enquanto andava pelas ruas do centro de Foz
de Iguaçu durante uma noite qualquer. Incomodado com um pensamento que havia
tido algumas semanas antes, em outro dia qualquer, ao andar por outra rua nos mesmos arredores. Cogitei a
hipótese de que talvez a solução para o meu problema estivesse na iniciativa em
desbravar novos territórios da terra das Cataratas que ainda não demarcados por
mim e as minhas contradições. Mas então me lembrei de que a cidade, embora
cheia de marcos históricos e rotas estratégicas de fuga para dois países vizinhos,
não é tão grande assim. Embora a cidade e eu ainda tenhamos algo em comum
nisto: nossos dilemas envolvem três fronteiras diferentes.
A
contradição em questão está no seguinte: o que mais me assustava quando cheguei
à Foz do Iguaçu era exatamente a mesma coisa que me animava e que me motivou a
me mudar para cá: o novo. O potencial de um recomeço. O alívio de um histórico
limpo. Era assustador porque não havia nada familiar no que me apoiar durante
os primeiros dias, e é por isto que me desafiei a ser sincero em meus devaneios
que publico aqui. Para que fossem relidos em noites como esta, quando eu me
sentisse perdido ou sozinho, e que eu me lembrasse de que o começo é sempre a
pior parte. Dias melhores viriam, e de fato vieram. A contradição está na contrapartida.
Enquanto
andava por uma rua em particular da cidade, me lembrei da primeira vez que
trilhei aquele caminho. Ainda não sabia aonde ele me levaria, mas queria
descobrir. Queria conhecer aquela cidade e suas curvas, porque não via a hora
de que tudo deixasse de ser novo e assustador para se tornar, enfim, familiar. E
então passei por um ponto de ônibus, que serviu de cenário para um primeiro
beijo de um quarto encontro com uma garota com quem eu esperava ter um novo
relacionamento. E não tão distante ali, passei por um bar onde havia tido outro
encontro com outra garota, com quem também compartilhei beijos e outras
expectativas. Ao chegar à avenida principal, próxima da minha casa, me lembrei
do fim de outro encontro, e de que foi em um momento daquele percurso em que
outra garota tomou a minha mão na dela, insinuando que havia gostado da
companhia que encontrou e, quem sabe, eu entendesse que ela queria que eu
continuasse por perto.
Pois eu não
entendi. E aquela foi a última vez que eu a vi. E as outras eventualmente
também tomaram outros rumos para si. Talvez porque encontraram companhias mais
atraentes. Ou talvez porque andávamos em ritmos diferentes, e com o passar do
tempo eu não senti mais vontade de tentar acompanhá-las. Ou não permiti que elas
me acompanhassem. Fosse o que fosse, aquele foi um caminho que percorri sozinho
naquela noite. Assim como naquele outro dia em que pensei sobre isto, e muitos
outros desde então. E naquela noite eu percebi que entre encontros e
desencontros, Foz do Iguaçu já não é mais novidade para mim. Mas passou a me
assustar com o quão terrivelmente familiar esta se tornou, em comparação com
meus antigos lares em outras cidades, e os fantasmas que pensei ter deixado
para trás.
A cidade já
possuía uma história minha. Currículos que distribuí por aí. Encontros que
tive. Caminhos que procurei percorrer simplesmente para aprender aonde levam.
Tudo reconhecido, desbravado, e manchado de alguma maneira. Assombrado por
sombras daqueles primeiros dias que não voltam mais, e primeiros momentos que
já não despertam mais tanto interesse. Um padrão bastante familiar com o modo
que tratei minha filial – Cascavel – e minha matriz – Londrina. E o que eu fiz
quando estas pareciam não ter mais nada de novo para me apresentar? A mesma
coisa que faço quando o suspense dos encontros se dissipa no ar do primeiro
beijo, primeiro toque, primeiro apelido carinhoso... Eu faço as malas e sigo em
frente.
Talvez Foz
do Iguaçu não esteja tão assombrada quanto eu penso. Talvez a verdadeira maldição
esteja em mim. A maldição de perder o interesse nas coisas e nas pessoas depois
que a novidade se perde na intimidade. E só existe uma maneira de exorcizar
esta sensação: eu preciso reaprender a deixar que alguém me traga de volta à
vida, antes que eu me torne cada vez mais monótono, insosso e chato. Recluso de
uma cidade que já não parece me cativar tanto quanto aqueles primeiros dias,
que eu mesmo costumava odiar e rezar para que passassem logo. A maldição que
reside em mim é a contradição.
Meus fantasmas
são produtos de relacionamentos imaginários. De uma vida de andar de mãos dadas
no shopping que poderia ter sido e não foi. A solução? Amor real. Vida de
verdade.