Quase um ano atrás, eu
encontrei uma mensagem
da sorte dentro de um biscoito em um restaurante japonês. E ao contrário do
que eu jantei naquela noite, a lembrança das palavras que estavam guardadas
dentro da minha pequena sobremesa continua comigo até hoje, porque fiz questão
de passá-las a limpo para outro papel de recado quando aquele começou a
desgastar. São pequenos detalhes do dia a dia que eu sempre procuro guardar com
cuidado, porque invariavelmente acabam sendo os mesmos que me mantêm fiel a mim
mesmo através do tempo. E dentro daquele biscoito da sorte, eu encontrei uma
das primeiras pistas que viriam a me convencer de que me mudar para Foz do
Iguaçu para correr atrás de um velho sonho foi mesmo a melhor coisa que eu
poderia ter decidido fazer. Mesmo que não parecesse – pelo menos, durante
aquelas primeiras semanas.
Eu queria
ser um escritor. Queria construir uma carreira com base em algo que eu
considerava ser a melhor coisa que era capaz de produzir: palavras, parágrafos,
poesias. Queria contar histórias além das minhas, porque apesar da minha
dificuldade inata em dominar a arte da coexistência com outras pessoas, eu
tinha curiosidade em saber da onde vieram, no que acreditam, e aonde queriam
chegar. E foram com isto em mente que eu procurei uma graduação que pensei ser
pertinente aos meus sonhos, só para descobrir que seria algo que Fernando
Pessoa batizou imortalmente como “a vida inteira
que poderia ter sido e que não foi”. Por ter a sorte de ser jovem o
bastante para começar de novo, vi uma vida inteira passar diante dos meus
olhos, ficando para trás aos poucos, pelo retrovisor de um caminhão de mudanças
que me trouxe até aqui.
Eu não
queria apenas conhecer as histórias das pessoas, e ajudá-las a chegar aonde
queriam. Mais do que isso: eu queria ser um autor.
***
Quem, como,
quando, onde, por que? As perguntas essenciais que todo início de reportagem
deve responder para poupar a atenção do leitor, são quase as mesmas que venho
tentando responder sobre mim mesmo. E não somente desde o dia em que cheguei em
Foz do Iguaçu, porque ainda não havia decidido o que iria fazer com o resto da
minha vida neste dia. Até então eu só estava preocupado em desfazer as malas e
descobrir em quais caixas estavam empacotados os pratos e copos, para evitar
mais acidentes do que já havia causado. Acho que eu só iria conseguir pensar
sobre o que queria ser, depois que finalmente encontrasse um lugar apropriado
para todas as coisas que julguei serem pertinentes para carregar comigo até
aqui. E quando dei um lugar para todas as coisas, decidi, enfim, ir atrás do
meu.
Vou encontrar
um novo emprego para começar a guardar dinheiro. Vou me matricular de novo no
curso de jornalismo. Vou encontrar um estágio na área que me prepare para o
trabalho desde o começo do curso. E vou começar a criar um nome para mim dentro
da área.
O sonho não
era tornar-me referência, profissional ou bibliográfica. Eu só queria ser
feliz, escrevendo. E ser reconhecido por isto.
Eu não
conhecia a rotina de um jornalista. Não entendia exatamente quais funções
existiam dentro de uma redação. E esperava menos ainda que eu pudesse me
arriscar em qualquer outra que não envolvesse a escrita. Mas o último mês tem
sido mais rico em aprendizado do que eu poderia imaginar. Mesmo sem ter
encontrado um emprego, e de quase perder mais um ano para voltar a estudar, a
última parte do meu plano – talvez aquela com a qual eu sonhasse há mais tempo –
deu certo.
O que nós
nunca nos lembramos de pensar, ironicamente, é que até as coisas boas geram
consequências inesperadas.
Tem dias que
eu não durmo. Passo a noite virando de um lado para o outro, preocupado.
Quantas pautas conseguimos produzir hoje? Quantas temos para amanhã? Temos
conteúdo o suficiente para fechar o jornal? O que eu deixei passar? O que mais
poderia ter feito, escrito, criado? O enfoque foi bem elaborado? O vídeo vai
ser chamativo o bastante? Os assessores foram avisados? Os repórteres sabem com
quem falar? O editor sabe que isto precisa ser entregue hoje?
Saber diferenciar
o que é supérfluo do que é importante, e saber lidar com o abandono disto em
prol do que é urgente. Ter anotados os números dos assessores com quem mais
preciso falar, e saber de antemão quando terá alguma coletiva de imprensa de
última hora. Eu amo o que faço. Talvez como nunca tenha amado fazer algo antes.
O que justifica as noites que já passei sem dormir, as crises nervosas, os
bloqueios criativos, e a leitura dinâmica que aprendi a fazer para poupar tempo.
Mas no último mês foram poucos os momentos que dediquei para simplesmente
pensar sobre o caminho que trilhei até aqui. As escolhas – certas e erradas –
que tomei em busca de algo que dizia querer tanto, e que enfim vingaram para
mim.
***
Foi o que
aconteceu hoje. Em vez de procurar me informar o máximo que eu poderia, e de
deixar anotadas possíveis notas em meu caderno de pautas, eu tirei o dia para
não pensar, não produzir, não surtar. Só para relembrar do quanto certas coisas
só parecem atingir seu significado depois de um tempo – como eu mesmo –
enquanto outras tem seu significado claro, mas precisam de tempo para que a
prática prove a sua veracidade – como aquele biscoito da sorte.
Há quem diga
que o destino não tem nada a ver com nada. Que a nossa vida se baseia nas
escolhas que fazemos, ou até mesmo nas vezes em que optamos por não agir. Nas
oportunidades que agarramos, e em outras que criamos para nós mesmos. Mas a
verdade é que nós talvez nunca saibamos qual é o caminho certo a seguir, se é
que um caminho certo realmente exista. Aqui e agora, eu só posso dizer ao certo
das coisas que fiz para chegar aonde eu queria, e de tudo que eu senti durante
a jornada. Todo o medo, incerteza, fraqueza e indisposição que tomaram conta de
mim na maior parte do tempo, enquanto ainda tentava seguir adiante.
Pode parecer
exagero, ou só um grande desabafo (que nada mais é do que a versão emocional de
um release) que precisava ser
expirado há dias, mas o fato é que amanhã é segunda-feira: dia de acordar cedo,
chegar na sala da redação, ligar a cafeteira, e produzir todas as histórias que
eu puder – inclusive a minha. O que pode ser ridiculamente desafiador,
imensamente preocupante e demasiadamente sério, mas nunca trabalhoso. E é por
isso que eu sou grato.