sábado, 27 de agosto de 2016

O último primeiro encontro


Como todas as tragédias da contemporaneidade, este conto se passa em um sábado à noite. A fonte de todos os sonhos e inseguranças que podem existir na cabeça de uma pessoa. Capaz de elevar ou desconstruir totalmente tudo o que você acredita sobre si mesmo. Caso você acredite neste tipo de coisa.
Mas se estiver lendo isto agora, convenhamos: você acredita.

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Eu procuro pela minha alma gêmea desde os 14 anos. Foi nisso que pensei quando vi minha irmã, que tem esta mesma idade hoje, saindo de casa hoje para ir a uma festa. Ao contrário de mim, que ficava em casa cheio de espinhas na cara e questionamentos na cabeça sobre encontrar alguém, ser feliz, e torcer para que o último creme anti-acne que comprei funcionasse da noite pro dia. E já que este texto vai começar com um desabafo que há muito tempo precisa ser expedido, aqui vai outra curiosidade infame: aos 17, quando resolvi sair de casa, eu disse para a minha mãe que queria fazer faculdade em outra cidade porque achava que seria bom estar cercado por novos ares. Para combinar com a nova fase de vida que eu iria enfrentar quando chegasse ao fim do desfiladeiro do ensino médio. E eu não menti, nem me arrependo do que fiz. Mas acho que agora já é seguro admitir que não, não teve nada a ver com maturidade, senso de aventura ou oportunidades acadêmicas. Eu queria mesmo era sair daquela cidade, porque a garota de quem eu gostava estava decidida a não me dar uma chance. Foi só isso.
O resto é história, conseqüência, e sorte.

Por que eu estou compartilhando isto? Bom, porque já se passaram dez anos e nada realmente mudou. Eu continuo em casa, com meus pensamentos invariavelmente vagando em direção a noção de que seria bom ter alguém aqui, agora. E quem sabe se eu continuar procurando pelo mundo afora, talvez eu a encontre. Ela. Aquela sobre quem faço questão de escrever com letra maiúscula. Porque Ela não é como as outras. É especial, é única, é perfeita.

Sim, eu acreditei nisto por anos. Anos. E não há como enfatizar isto o bastante, para que você que está aí do outro lado, lendo e se contorcendo com essas verdades, entenda a gravidade que há no que eu tenho a dizer agora. Talvez seja algo que você já tenha pensado, mas perdoe a minha lentidão. Eu ainda tinha esperanças.

Meu Deus, como eu sou idiota.

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Não há nada tão desconcertante na vida do que planos que não dão certo. E antes que você me diga que o segredo está em não fazer planos: nos poupe. Você também os faz, que eu sei. E neste caso, os planos em questão envolviam um primeiro encontro, um cineminha aparentemente inocente, e a promessa de um futuro bom. Coisas que só um primeiro encontro é capaz de proporcionar; da ansiedade ao medo, abrindo brecha ainda para já planejar qual é o melhor caminho para buscar os nossos futuros filhos na escola.

E quando um primeiro encontro é desmarcado, o efeito dominó é implacável: mais um sábado à noite em casa, mais uma que não é Ela, e menos de mim que resta para continuar acreditando por mais um dia que algo poderá dar certo. E é claro que eu estou exagerando. Sou inseguro, mas não sou irracional.
Bom, não totalmente.

Para rebater o baque, decidi que me faria bom sair mesmo assim. Nem que seja para ficar sozinho em uma mesa, com nada além dos cacos dos meus sonhos para tentar juntar, e a serenidade de saber que ao menos não haverá louça suja para ser lavada esta noite. Mas a serenidade não parou por aí. Enquanto meu pedido não chegava, e eu tentava disfarçar o meu desajuste corporal em uma mesa para um, olhando para as outras mesas cheias de pessoas rindo e promessas que não as falharam, eu percebi algo. Outras garotas nessas mesmas mesas, sentadas alheias às risadas, com o celular nas mãos e um restante de esperança no canto do olhar. Uma delas, inclusive, tentava evitar que seu olhar se cruzasse com o meu. Mas logo abaixo dos luminosos de marcas de cervejas e quadros decorativos, nada chamava mais a minha atenção do que aquele olhar. Um olhar que eu conheço bem, até por ser exatamente o mesmo que a fitava.

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Às vezes acontece, simples assim. Crenças que a gente cultiva por anos e anos, promessas às quais nos agarramos por medo do que seria de nós sem algo para acreditar, podem desaparecer num piscar de olhos. Ou, para ser mais exato, quando nossos olhos finalmente se atentam para uma realidade que sempre esteve diante de nós, mas talvez não fizesse sentido o bastante para que conseguíssemos absorvê-la. E por mais saboroso que tenha sido o meu sábado à noite a sós, a verdade que me foi servida como acompanhamento foi a recordação que guardarei comigo não só para meu crescimento pessoal, mas até para avaliar aquele restaurante para futuras recomendações.

Não é possível que nesta cidade inteira não exista alguém para mim. Maturidade mesmo é quando você deixa de fundamentar sua noção de realidade pelas coisas do coração, e passa a se basear em estatísticas básicas. E mais importante do que isto: às vezes vale mais a pena você tirar uma noite para encontrar a si mesmo.