Dedicado a todos com quem eu fui menos gentil do que deveria. Não quero que esta seja a minha natureza a ser lembrada.
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Você já deve conhecer essa
história. A velha fábula sobre um escorpião que queria atravessar um rio, e
pediu ajuda a um sapo que estava ali por perto. O sapo não queria ajudar o
escorpião por medo de que ele o ferisse, mas o escorpião jurou não lhe causaria
mal se ele pudesse conceder sua passagem até o outro lado. Argumenta,
inclusive, que se por acaso fizesse mal ao sapo, ele mesmo se afogaria no rio,
então não havia motivo para o sapo se preocupar. Mas quando o sapo opta por
ajudar o escorpião a atravessar, ele lhe dá uma ferroada na metade do percurso.
Antes de morrer, o sapo ainda tenta entender porque o escorpião o ferrou, mesmo
sabendo que isto condenaria a ambos. O escorpião simplesmente responde que esta
é a sua natureza.
De todas as
interpretações possíveis que poderiam ser tiradas desta história, eu nunca me
preocupei em pensar sobre nenhuma delas. Particularmente falando, sempre achei
fábulas muito chatas durante a minha infância. Tão previsíveis e sentenciadoras
com suas morais ao final... Em se tratando de histórias, eu só queria
escutá-las e ser entretido. Não queria aprender, muito menos refletir. Mas aí a
gente cresce e invariavelmente desenvolve aquela parte de nós que é definitiva
e revolucionária para separar as crianças dos adultos: um negócio chamado
consciência que, depois de adquiri-la, você nunca mais é o mesmo. E com ela
você aprende a enxergar suas crenças e atitudes de um modo diferente. E por
“diferente”, entenda “categórica”.
Não que eu
não tenha meus momentos de ambivalência – e como eu os tenho! – mas parece que
depois de um tempo, as coisas precisam ser mais bem definidas para que o nosso
estado de espírito faça... Bom... Sentido. As coisas precisam ser boas ou más,
certas ou erradas, ajustadas à esquerda ou à direita, e por aí vai. E para isso
nós buscamos entender cada vez mais sobre nós mesmos, os pensamentos que
nutrimos e as maneiras como agimos pela vida afora. Sempre pensando se aquilo
foi mesmo o certo a ser feito, ou algo que precisará ser remediado e
dolorosamente arrependido, sujeito a contrição e pedidos de desculpas. É a
tragédia humana, no final das contas: quanto mais procuramos aprender sobre a
nossa natureza, mais classificações nós descobrimos para nos apoiar. E uma vez
que solidificamos as fundações que encontramos para nós mesmos, não há nada que
nos derrube. Isto é, a não ser nós mesmos, quando acabamos por ser... Bom...
Nós mesmos.
Eu gostaria
de ser uma pessoa melhor. Menos grosso, mais paciente, menos sarcástico, mais
gentil, menos prepotente e mais simpático. Eu pelo menos gostaria de sorrir
mais e franzir menos a testa diante de situações em que todos seriam mais
felizes se eu guardasse para mim toda a minha ironia e senso de desorientação.
Mas não; elas vivem estampadas na minha testa para quem quiser ver. Se você me
conhece, já sabe discernir em quais momentos pode se aproximar de mim ou não.
Quando estou amigável ou quando estou mal humorado. E se você não me conhece,
provavelmente nem irá se aproximar. Nem sempre eu gostaria que meu humor fosse
tão transparente, ou que minhas palavras fossem tão ríspidas e dolorosamente
verdadeiras, mas eu não posso evitar. É a minha natureza...
Parece uma
desculpa tão infame. Como se eu não fosse capaz de mudar se eu quisesse. Como
se a minha vida não pudesse ser de qualquer outro jeito que eu pensasse em
torná-la, se me empenhasse um pouco em cuidar com o modo como as coisas que
quero dizer saem de mim para chegar até você. Mas psicologias à parte, eu
também gosto de me apoiar um pouco em outros tipos de crença, independente das
críticas ou até mesmo da veracidade delas. Mas a profissão que escolhi – e que
movi céus e montanhas para torná-la realidade, provando que sou sim capaz de
mudar – me leva a ler dezessete tipos de jornais por dia. E em alguns desses
jornais existe uma sessão em particular que faz uso de uma classificação tão
antiga e mística que, mesmo que você não acredite, às vezes também não consegue
deixar de ver se o que está ali, bate mesmo com quem você é. Um negócio chamado
Horóscopo...
Você mesmo
já disse, ou então escutou alguém dizer: “Eu não acredito em astrologia... Mas
lê aí pra mim o que diz o meu horóscopo hoje.” E é claro que eu já investi
tempo e imaginação para pesquisar sobre meus descendentes, ascendentes, mapas,
infernos e combinações astrais para tentar entender melhor quem eu sou e porque
faço as coisas que faço. A falta de interesse que tive em fábulas quando era
criança se virou contra mim na idade adulta, quando tudo o que eu mais procuro
hoje é uma direção para seguir, e um sentido para tranqüilizar o caos que
carrego dentro de mim todos os dias. E se este fosse o final da história, a
moral provavelmente seria algo do tipo “antes tarde do que nunca” ou “não há
como fugir de quem você realmente é”. O que seria algo bem mais otimista do que
dizem os perfis de personalidade sobre homens Escorpianos.
Talvez a
minha natureza seja mesmo irônica, e inquieta, e quem sabe até um pouco
perigosa. Assim como a sua, porque pertencemos à mesma classe e ao mesmo
ecossistema – apenas surgimos de constelações astrais diferentes. Mas não quero
assumir certas partes da minha natureza baseado no que fábulas e colunas de
jornal indicam que eu seja. Não quero ser iconicamente maquiavélico, utilizando
pessoas como meios para algum fim em especial, nem quero morrer de arrependimento
por coisas que não disse ou por lições que não quis aprender. Eu admito que
existem partes de histórias a respeito do meu suposto caráter mítico que gosto
de ter: a fama de sedutor, de cativante, de envolvente... E antes que você
pense em dizer o contrário, poupe-se. Se eu não fosse ao menos um pouco assim,
você não estaria lendo isto ainda.
Apesar de
tudo isso, é sempre bom procurar aprender o máximo que podemos sobre nós
mesmos. Toda fonte é válida – dos horóscopos aos contos infantis. Mas no final
das contas, quem saberá dizer do que você é feito, ou o que é capaz de fazer
nesta vida, é você mesmo. Em último caso, procure as pessoas ao seu redor e
arrisque perguntar o que pensam sobre você. Se deveria mudar ou se desculpar
por algo que passou despercebido pelo seu ego inflado. Escute o que elas tem a
dizer, e faça algo a respeito se for preciso.
Minha
natureza é irônica, arrogante e volátil. Mas também é acolhedora, prestativa e
justa. A vida se torna intrinsecamente mais fácil depois que você descobre
exatamente em quais adjetivos você se encaixa. Especialmente a vida de um
escritor.