domingo, 25 de setembro de 2016

A estrada adiante

Existem várias teorias sobre o Universo. Há quem diga que está em constante expansão, assim como há quem diga que ele irá se autodestruir eventualmente. No final das contas tudo se resume ao otimismo ou ao pessimismo com o qual você encara a vida que tenta viver dentro dele. Particularmente falando, só há uma certeza sobre o Universo na qual eu realmente consigo me apoiar: seja lá qual será o seu fim, seus meios definitivamente não são sutis. E antes que você venha me perguntar sobre o que me deixou tão filosófico desta vez, não foi nada grandioso como uma chuva de meteoros ou místico como um eclipse lunar. Foi uma frase escrita na parte de trás de um caminhão: “Tudo muda”.

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Eu ando tão afundado na minha rotina que sempre me surpreendo quando redescubro o resto do mundo que existe ao meu redor. Claro que às vezes o movimento que me tira da inércia nem sempre é benéfico: é na rotina que brotam alguns dos sentimentos mais tóxicos para um ser humano, como a fadiga, a paranoia e a solidão. Ou você quer tentar me convencer de que o motivo pelo qual você foi atrás de visitar o perfil do Facebook daquela pessoa em particular era puro e inocente? Não se faça de desentendido; você sabe do que eu estou falando.

E até aí, tudo bem. Confesso que eu estava me sentindo um pouco esquecido, quando decidi revisitar as teclas do teclado que juntas escreviam aquele nome que minha boca não mencionava há tempos. Uma das garotas com quem saí este ano, em minha tentativa de ser mais proativo sobre minha vida pessoal, mas cuja empreitada tem se tornado cada vez mais desafiadora a cada nova decepção. Neste caso, foi um encontro incrível – daqueles que faz você perder a noção da hora, de todos que passam por vocês e sua conversa interminável, e de como você pôde viver até então sem conhecer aquela pessoa. Eu realmente gostei dela; tanto que fiquei extremamente nervoso só de pensar em tentar dar aquele passo adiante em nosso encontro. Aquele momento definitivo que pode nos inspirar a marcar um segundo encontro, ou a deletar o contato da nossa agenda para sempre: o primeiro beijo. Eu não tive coragem, mesmo que já estivéssemos caminhando de mãos dadas pelas ruas da cidade, sem nos importar com qual rumo nós iríamos tomar porque o seguiríamos juntos.

Mas eu não o fiz. E com o passar dos dias, aquelas conversas intermináveis acabaram por se esgotar, e a data para um segundo encontro nunca foi marcada. Até onde eu pude concluir, e pelo pouco que conheci sobre ela, ela imaginou que eu não estava interessado o bastante. E não havia tempo a perder; ela queria algo sério. Algo que ela decidiu que não encontraria em mim. Eu não tenho sentimentos remanescentes sobre aquela noite, mas guardei comigo a lição de que se duas pessoas decidem arriscar deixarem suas zonas de conforto de lado para se conhecerem, o mínimo que você pode fazer é que a experiência valha a pena – e isto inclui o beijo que ambos saíram de casa imaginando em dar, mas sem saber exatamente como chegar até ele.

Já se passaram meses desde aquele encontro, mas a lição continua comigo. Tanto é que me peguei reescrevendo seu nome para visitar o mural virtual que ela mantém sobre os acontecimentos mais recentes da sua vida. A tragédia de todo “stalker” é invariavelmente descobrir que o que ele mais teme é verdade: ela estava decididamente mais feliz do que jamais estaria caso tivesse ficado comigo. Mais do que envolvida em um novo relacionamento, ela já estava prestes a começar sua própria família.

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Dia desses eu estava passando por uma outra rua da cidade que há tempos evitava. Porque nela ficava uma empresa na qual eu fiz não uma nem duas, mas quase uma semana de entrevistas e treinamento para tentar ser selecionado para uma vaga que parecia ser boa demais para ser verdade. Horários flexíveis, salário modesto, uma adição espetacular ao meu currículo, tudo muito impecável e com potencial de fazer a minha vinda para Foz do Iguaçu enfim valer a pena. Porque seria com aquele salário que eu bancaria o meu sonho de retomar os estudos para me tornar um jornalista.

Mas como é de se esperar da vida, toda expectativa do mundo jamais será recompensada. Muito pelo contrário; mais vezes do que outras, o pior acontece. Eu não fui selecionado. Mesmo depois de abrir mão de várias oportunidades em nome daquela, mesmo acreditando que tudo já estava praticamente acertado para o meu recomeço profissional, e mesmo que eu já tivesse cometido o erro de deixar o meu sonho depender de algo que ainda era incerto. Não fui escolhido. E só o baque de ver o meu sonho se perder foi o bastante para me deixar de cama por alguns dias. Isto é, até ser salvo pelos meus pais, que fariam o possível por mim enquanto eu ainda não conseguisse me sustentar sozinho.

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O motivo pelo qual eu estou revisitando esses episódios, que aconteceram bem cedo em 2016, é porque quando ambos acabaram por me decepcionar, eu sinceramente acreditei que o restante do meu ano já estava perdido. Duas semanas após os brindes de frisante, os votos de saúde, alegria e as promessas para um ano melhor, eu já estava recluso em um quarto escuro e fechado, contando os dias para 2017. Tentar novamente parecia inimaginável. Acreditar que poderia dar certo parecia impossível.

Só que um dia desses, rodando a cidade por caminhos que há tempos eu não trilhava, acabei por reencontrar meus traumas de maneiras mais inesperadas do que eu sequer podia imaginar. Ao passar pelo lugar onde havia encontrado aquela garota pela última vez, decidi enfrentar meus medos e dar aquela espiada online para ver se ela estava mesmo tão feliz quanto parecia. E talvez ela esteja – certamente é o que eu desejo a ela – mas depois de meses acreditando que ainda havia algo dormente em mim sobre isto, eu descobri: não há. Ela foi a primeira garota a segurar a minha mão na sua, depois de meses que passei tentando estabelecer o meu lugar em Foz do Iguaçu. E no final das contas, eu o encontrei: só não era ao lado dela. E como se não fosse o bastante, acabei passando pela rua daquela empresa que me prometeu que também haveria um lugar para mim ali, só para levar o susto de ver que sua fachada havia sumido. Sem nenhum aviso de mudança de endereço ou coisa parecida; somente a placa de “aluga-se” para quem estivesse interessado no imóvel.

Acontece. Encontros podem ser incríveis, mas também podem ser experiências únicas. Entrevistas podem ser promissoras, mas também podem acabar ecoando na incerteza. E enquanto nós continuamos vivendo sob as noções do que poderia ter sido, nas oportunidades que perdemos, e aparentemente perdidos sobre qual rumo seguir agora, eis que surge o Universo e sua sabedoria infinita na forma mais inesperada possível: através de um caminhão que surgiu na minha frente no trânsito, enquanto eu viajava rumo à Cascavel por uma tarde para resolver assuntos inacabados, antes de retornar para Foz do Iguaçu onde minha vida nova e meus compromissos estavam a minha espera.  E escrito em uma das suas portas traseiras, estava a inegável verdade: “Tudo muda”.

Eu comecei 2016 cheio de planos. Planos que se desfizeram mais rapidamente do que as decorações de Natal que ainda estampavam a cidade. E por um instante eu pensei que tudo estivesse perdido. E por alguns meses ainda acreditei que não haveria como retomar o meu rumo para este ano. E quando eu menos esperava, tudo mudou. Outras pessoas surgiram, assim como novas oportunidades. Ambas, inclusive, que me trouxeram ainda mais próximo do meu sonho – hoje uma realidade muito feliz em minha rotina diária. Mas eu não sabia de nada disso, e como poderia? O que só me faz pensar que não importa no que eu acredite, ou o quão perdido eu me sinta, nenhum de nós sabe o que está reservado para nós rumo à estrada adiante. Só o que podemos fazer é continuar seguindo em frente.

Felizmente, a falta de sutileza do Universo é o que nos salva todas as vezes. Basta você prestar atenção nos sinais.