segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Nada será como antes


Um jantar na Argentina. Foi assim que eu optei por comemorar o meu aniversário de 24 anos, em 2015. Estava em Foz do Iguaçu há apenas três meses, e embora já conhecesse boa parte da cidade e, consequentemente, parte da tríplice fronteira também, a possibilidade de sentir-se extasiado em casa e optar por sair para comer alguma coisa em outro país ainda me fascinava. E ao escolher um lugarzinho aconchegante com vista para o rio Paraná, já com uma taça de vinho nas mãos, eu não pude deixar de admitir toda a sorte que tenho na minha vida. Mesmo que não estivesse passando por um período particularmente produtivo até então. Mas ao som de Rod Stewart ao fundo e a voz do meu pai em primeiro plano, dizendo que logo as coisas iriam se acertar, nós brindamos pelo ano que já havia se passado e todas as mudanças que vieram com ele.

Porque não havia sido fácil chegar até ali. 2015 foi o ano em que um mundo acabou. Um mundo em que eu possuía grande parte da minha independência já conquistada, um título em ensino superior completo, e mais amigos do que eu jamais fiz por merecer, com quem eu podia compartilhar tudo. E quando eu tomei a decisão de abrir mão de tudo isso para me tornar algo do qual meus pais e meus amigos pudessem ter orgulho, uma era terminou. E os meses que se seguiram não foram sutis sobre o quanto as coisas se tornaram difíceis.

Sabe quando você escuta alguém dizer que está “morrendo de saudade”? Parece exagero, não é? Exceto quando é com você. E quando eu digo que um mundo acabou em 2015, é porque eu morri com ele. E só o que havia aqui, por um bom tempo, era saudade.

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Vale ressaltar que o prato que eu pedi estava consideravelmente forte. Era um rigatoni ao molho de cogumelos e amêndoas, mas bem pesado no tempero. Não que isso tenha me impedido de comer – porque, né – mas nunca havia provado um sabor tão forte quanto o daquele prato. Agora, se era mera coincidência com o sabor do ano que eu estava tendo, eu não soube dizer.

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Um ano depois, eu decidi voltar àquele restaurante. Sobre decidir aonde ir, meu pai me questionou sobre sempre procurar revisitar velhos hábitos em vez de me arriscar a tentar conhecer algo novo. “Você só vai aonde já conhece, com gente que já conhece, para fazer as mesmas coisas!” ele disse. E quando fiquei calado por um instante, pensando naquilo, ele completou: “Mas, por outro lado, a gente precisa mesmo ir aonde se sente confortável. Onde se sente bem...

No final das contas o restaurante ainda era o mesmo, exceto pelo cardápio, pela mesa que estava disponível (sem vista para o rio) e, claro, os preços. Mas antes que alguém da mesa pudesse comentar sobre como tudo estava diferente, a mesma canção do Rod Stewart tocou ao fundo:

O amanhã pode não chegar nunca, até onde a gente sabe...

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Felizmente, o amanhã chegou. Meu mundo foi reconstruído e, por incrível que pareça, há uma vida plena e saudável nele. Claro que nem tudo são rosas – não ando nem pelas redondezas de algo que possa ser chamado de “independente”, meus amigos continuam comigo apesar de não conseguirmos nos vermos com a mesma frequência, e aquele título em ensino superar às vezes parece que não passa de um pedaço de papel pendurado em uma parede do meu quarto. Mas o que veio mais adiante na estrada, alguns meses depois, parece ter feito toda aquele drama sobre “morrer de saudade” só mais uma hipérbole para a minha coleção de figuras de linguagem.

Quando parei pra pensar em tudo que conquistei entre um jantar e outro, percebi exatamente o quão pouco nós sabemos sobre o que será de nós. E quando parei para pensar no meu final de semana de aniversário, que durou de sexta até domingo, percebi também quanta vida ainda há guardada em mim. Só em 72 horas eu saí para jantar em outro país, viajei para um dos meus antigos lares, reencontrei amigos antigos, revivi tradições como tomar tereré na sacada e uma “bro night” regada a cerveja barata e seriados, brinquei de Imagem & Ação e Uno com outros amigos adultos e formados como se fôssemos crianças, fui a um show, cantei até ficar rouco, dancei até ficar tonto, fiz as pazes com a tequila, acordei bêbado fora da cidade, vi o sol nascer (duplamente e embaçado, mas vi), participei de um churrasco em família, e voltei cantando de novo para Foz do Iguaçu.

E no caminho de volta, eu finalmente entendi porque essa saudade me aflige tanto. Um mundo acabou em 2015 porque eu quis, e são poucas as pessoas que tem a possibilidade de visitar a sua vida antiga a um ônibus de distância. Especialmente quando se está na beira do país, podendo largar tudo e fugir para o Chile a qualquer momento. Eu sou um cara de sorte porque sempre fui rico em possibilidades. Posso optar por tomar uma taça de Pinot Noir na Argentina, ou uma dose de Jägermeister sentado ao meio-fio de uma das ruas de Cascavel, Paraná.

O problema em ter tantas possibilidades assim é que elas estão diretamente proporcionais a uma margem de erro imensa. Mas depois do último ano que passou, eu finalmente aprendi algo: mesmo sabendo que nada será como antes, minha vida está repleta de coisas, pessoas e lugares que tiveram tempo e a sorte de se tornarem inesquecíveis.


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Vale ressaltar também que eu pedi para o jantar o mesmo prato do ano passado. Mudaram o cardápio e, com o meu espanhol inexistente, resolvi arriscar novamente uma velha opção. Tome mais esta ironia para a sua vida, Igor: o sabor estava perfeito – nem fraco, nem forte – mas eu não consegui comer tudo. Não sei o que isto quer dizer ainda, mas tudo bem.

Fiz apenas 25 anos. Tenho tempo...