Finalmente aconteceu. Depois de
anos de inércia, indiferença e insegurança, eu decidi tomar uma atitude
drástica para a minha vida. O tipo de atitude que, quando a gente se torna um
adulto, é preciso tomar para definir de uma vez por todas quem você é e o que
você busca alcançar neste mundo impiedoso e incessante em seus movimentos de
rotação e translação ao longo do universo, pelo pouco tempo que nós temos para
aproveitá-lo. Eu dei um passo adiante em nome da minha maturidade, minha
estabilidade emocional, e talvez o fator mais importante de todos: meu próprio
eu. Sim, eu mudei. Serei um homem mais firme, mais recomposto, mais refinado.
Determinado a levar minha vida com a destreza, o foco e a ambição que já são
presumidas a um jovem de (quase) 25 anos que ainda possui uma vida inteira pela
frente, mas também não pode mais se dar ao luxo de desperdiçar dias em vão com
crises existenciais e desabafos infames, por mais esteticamente organizados que
eles aparentem ser para serem chamados de poesias. É, meus amigos... Eu dei um
passo adiante rumo ao meu tão famigerado sonho de ser feliz a dois, completo
com toda a cumplicidade, o companheirismo e as cobertas que acompanham esta
rotina. Estou mais perto da felicidade do que jamais estive antes, e de agora
em diante tudo será diferente. E sabe por quê?
Porque eu
enfim comprei uma cama de casal.
O que? Não
entendeu o que isso significa? É, eu também não entendia...
***
Se eu
tivesse que eleger o meu maior defeito, certamente teria que confessar o meu
egocentrismo. Aliás; o meu Igorcentrismo.
E se tivesse que eleger um segundo lugar a este pódio, definitivamente cederia
a medalha de prata à minha inércia. Antes de ir morar sozinho e descobrir a dor
e a delícia de ser o responsável pelo meu próprio aluguel, eu nunca me importei
muito com os aspectos domésticos dos ambientes que me cercavam. O que explica o
porquê eu sempre ajudei a carregar os mesmos móveis toda vez que a vida fazia
necessário o contrato com um caminhão de mudanças para me levar a um novo
endereço. Até hoje mantenho a mesma mesa de estudos que apóia o meu computador
– e várias das minhas neuroses transcritas. E só a mantenho por ser “madeira boa”, como meus pais costumam
chamar, e realmente não há como negar. Materiais mais frágeis não suportariam o
peso dos dramas infames que escrevo e arquivo no meu computador.
E através
desse sistema de indiferença e terceirização dos meus pertences, patrocinado
pelos meus pais, foi como também mantive a mesma cama por mais de dez anos.
Estilo box na época em que foi lançada, com espaço embutido para um segundo
colchão, em tom bordô e, claro, madeira boa. E foi nela em que passei as noites
do final da minha pré-adolescência até os primórdios da minha vida adulta. O
corpo cresceu, os sonhos mudaram e o CEP foi alterado várias vezes, mas meu
berço juvenil sempre se manteve. Até mesmo quando cheguei a um estágio de vida
em que ele, enfim, tornou-se pequeno demais para mim. Isto é, se eu por acaso
decidisse não dormir sozinho.
Foi assim
que eu comecei a descobrir que, para ter uma vida a dois, antes de mais nada é
preciso ter infra-estrutura. Claro, existem vários outras poesias por aí que
falam belamente sobre como é preciso ser feliz sozinho antes de convidar outra
pessoa a fazer parte da sua vida. E sobre como é preciso entender do que a sua
primeira pessoa do singular é realmente feita, e o que quer desta vida, antes
de arriscar tornar-se primeira pessoa do plural com alguém. A transição do “eu” ao “nós” não é fácil – gramaticalmente, praticamente, emocionalmente.
Mas é com isso que muita gente sonha. E é isso que eu me lembro de querer desde
que ganhei esta cama. Mesmo durante os anos que passei sem perceber que uma
vida a dois não cabia na minha cama – e que esta metáfora não era uma
coincidência.
Porque eu
sou um egoísta. E inseguro. E ansioso. E horrivelmente metódico. Gosto de ter
controle sobre as minhas coisas; que fiquem exatamente aonde eu as deixei, e –
por que não? – que combinem umas com as outras. Coesão é muito importante na
vida adulta – desde o modo como você organiza a sua casa, até os seus valores
pessoais. Coisas que aprendi depois que fui morar sozinho e passei a ter plena
responsabilidade sobre os meus atos, minhas contas e, invariavelmente, minhas
companhias. Mas ainda leva um tempo para aprender exatamente o que você quer
desta vida, e com quem você quer compartilhá-la. Por exemplo, você pode começar
a realmente questionar-se sobre que tipo de pessoa procura, quais gostos você
acredita serem importantes para terem em comum, e quais planos você fizeram
separadamente que enfim poderiam ser postos em prática a dois. Ou talvez você
nem passe por isso; há quem acorde inocentemente e saia pra vida lá fora e
trombe com o amor sem que nem estivesse procurando. E os detalhes vão se
ajeitando pelo caminho.
Mas o que eu
nunca realmente parei pra pensar – e talvez fosse o motivo pelo qual a maioria
dos meus relacionamentos sucumbiu à fatalidade da rotina – é que simplesmente
não havia espaço o suficiente para outra pessoa aqui. Nem na minha cama, nem na
minha vida. Eu nunca me preocupei com isso. Sempre imaginei que a adaptação
ocorreria, mas que eu não precisaria me mexer para isto. Se ela estivesse mesmo
interessada, ela ficaria. E se não ficasse, então não era ela. Uma lógica
simples, natural e intrinsecamente quebrada.
Por isso eu
estou mais confiante hoje. Eu quero mudar. Quero dividir a minha vida com
alguém. E quando alguém aparecer, quero que ela saiba que há espaço o
suficiente para nós dois aqui. Quero que ela saiba que pode ficar se quiser,
pois estará confortável, protegida, apoiada. Pode parecer algo simplório –
especialmente se isto é algo que você sempre teve e, portanto, nunca precisou
refletir sobre o que poderia significar – mas eu estou disposto a finalmente
tentar construir uma vida a dois, começando pelo fundamental. É preciso
escolher com cuidado quem você quer levar para a sua cama, mas antes é preciso
cuidar para que esteja realmente pronto para recebê-la. Parece ridículo, mas
quando você começa a se importar com coisas que envolvem ser um casal – mesmo
que seja só um novo jogo de lençóis – você aprende a deixar o seu egoísmo de
lado, para que outra pessoa possa se sentir à vontade para viver ao seu lado.
Eu ainda
acordo sozinho. Agora com um espaço bem maior para me lembrar de que ainda não
há ninguém. Mas o “ainda” não me
entristece mais. Este sou eu: mudando, tentando, sonhando.
Boa noite.