terça-feira, 15 de novembro de 2016

Quem é você agora?


Entre todas as coisas das quais eu sinto falta nesta vida, o vazio que mais me entristece é aquele com o meu próprio formato. Tem dias em que o eco da pessoa que eu costumava ser tão soa tão alto ao ponto de me incomodar, mas seu impacto sempre me encontra à noite, entre o momento em que eu deito minha cabeça no travesseiro e a odisséia que se passa dentro dela até a manhã seguinte. Aqui e agora não me refiro à eventual maturidade pela qual todo mundo passa, conforme a vida adulta se encarrega de roubar o que nos resta de inocência e despreocupação perante ela. Só quero dizer que... Eu não sei. Algo vem acontecendo nos últimos anos, meses, semanas... Ou, melhor dizendo, nada mais acontece. Nada mais me inspira, emociona, anima. Os dias, assim como os problemas, vem e vão. E o que fica, sinceramente, não me parece ser o bastante.

Eu não gosto de ser tão problematizador. E nem gosto de usar palavras tão complicadas assim também. Houve um tempo em que a vida costumava ser mais simples, mais leve... E a pessoa que eu costumava ser – a pessoa que eu gostava de ser – parece ter morrido um pouco a cada dia que passou, e que me trouxe até aqui.

A você que está lendo isto agora – é, você mesma – eu tenho que confessar que sinto muito.

***

Gostaria que você tivesse me conhecido por inteiro, e não quebrado do jeito que estava quando me encontrou. E eu sinto muito se, em parte, quebrei você também. Às vezes quando se passa muito tempo sendo vitima de eventos infortúnios e pessoas incompletas, não como evitar provocar este mesmo efeito às pessoas que você conhece desde então. Claro que isto não é uma desculpa para o meu comportamento, nem uma justificativa determinista para apaziguar a minha consciência.

A verdade é que eu amei pouco você, menos do que admitia estar sentindo. Não por maldade ou falsidade. Eu só não sei amar. E parecia bem mais fácil abandonar você, julgando que você também não sabia, do que admitir a realidade. Quem não sabe amar, também não sabe reconhecer quando é amado.

E se eu te mandei embora, e desapareci... Bom, isto é só mais um sinal de quem eu sou agora. Quem eu costumava ser jamais mandaria alguém embora – não ao menos sem uma explicação. Mas pessoas em quem eu confiava, e até mesmo amava, desapareceram da noite pro dia para mim. E a herança que deixaram, no abismo das suas reticências, foi a noção de que isto é normal. Desistir é normal. Desapegar é aconselhável. Dar uma segunda chance é impensável. Criar expectativas é o começo do fim.

Não gosto desses valores, nem do efeito que provocaram na minha vida de uns tempos e pessoas pra cá.

De vez em quando você precisa se perguntar, “quem sou eu agora?” E se a resposta te impedir de dormir à noite, algo precisa ser feito. Eu não sei o que farei ainda – “mudar” parece abstrato demais para ser prometido, sem ter ao menos um plano em mente. Mas o status quo não é mais uma opção. Inércia não deve fazer parte do meu vocabulário. E não há nada de ridículo em sorrir em fotos ou deixar de franzir a testa ao escutar algum absurdo.

O objetivo disso tudo não é ser feliz? Por que eu fujo tanto disso então?

Ah, disso eu me lembro. Me disseram que eu não era capaz de sossegar. Que ser inquieto, neurótico, inconstante e destrutivo fazem de mim quem eu sou. Só para jogar na minha cara logo em seguida que a mulher da minha vida – a mulher com quem eu sonho, para quem eu escrevo e por quem eu choro – não existe. E o dia em que eu comecei a morrer foi quando comecei a acreditar nisto. Dia após dia, ano após ano, decepção após decepção, eu desapareci.

Não é só você quem sente a minha falta.

***

Isto é só um texto. O último por um tempo, até que eu consiga recuperar meu fôlego. E quem sabe, se eu tiver sorte, também consiga recuperar um pouco de quem eu costumava ser também. Porque se você foi embora, certamente teve seus motivos. E a minha parcela de responsabilidade está entre eles. Se há alguma chance de aprender a amar, perdoar e dar segundas chances, preciso começar comigo mesmo. E pra ser sincero, isto é algo que eu também recomendo a você. Todos nós temos os nossos defeitos, mas foi preciso duas pessoas para fazer com que “nós” também deixasse de existir.

Quem é você agora?