Nós
terminamos. Não era isso que você
queria quando decidiu sair da minha vida? Bom, aqui estamos nós, querida.
Separados. Exilados. Finitos. Não conseguimos ser felizes juntos, ao que
parece, e não há mais o que fazer a não ser aprender a lidar com isto. Mesmo firmando
todas aquelas promessas durante as nossas primeiras conversas, sobre não
desistir, não render-se e não desaparecer, alguns compromissos parecem tomar
uma forma séria demais, pesada demais, para serem levados adiante. Pelo menos
foi assim que eu escolhi entender, para a minha própria paz de espírito. Algo
deu errado ao longo do caminho, e você não conseguiu mais me acompanhar. Talvez
eu tenha apressado as coisas, ou intensificado demais alguns sentimentos que
estavam só começando a conhecer a luz do dia. Eu não sei. E talvez eu nunca
descubra qual foi o motivo exato que provocou a sua partida.
Mas tem algo que você precisa entender, meu bem: não deixe
as minhas palavras te enganarem. Sim, eu ainda passo noites sem dormir pensando
nisso. E sim, eu ainda tento imaginar como estaríamos hoje. Talvez deitados
preguiçosos na cama, pensando em mil planos diferentes para aproveitar o
domingo, até enfim nos entregarmos à inércia para permanecermos juntos,
abraçados entre os lençóis, enquanto a vida lá fora nos permite desacelerar por
um dia. Eu poderia criar coragem para levantar e preparar um café da manhã
especial para nós, e trazê-lo até a cama. E poderia me apaixonar por você de
novo ao ver os raios de sol entrando no quarto pelas brechas da cortina,
iluminando você com uma das alças da camisola caída, o cabelo todo bagunçado,
sem maquiagem e sem nenhuma preocupação por isto. Porque você estaria livre
para existir sem filtros e sem medos. Afinal, estamos juntos. Em casa. Do jeito
que sonhávamos que estaríamos.
É claro que eu ainda penso nisso. É o meu jeito de sentir a
sua falta – em literatura, em devaneios e até mesmo em trilhas sonoras. Tudo
muito poético, emocionante, carinhoso... Mas permita-me ser sincero, amor: eu
não quero você de volta. Porque você teve a sua chance. E apesar de todo o amor
que existe em mim – o amor que eu desesperadamente tentei oferecer a você – eu
prefiro guardá-lo para mim, do que arriscar ser abandonado no vácuo de novo.
E você sabe disso.
Você sabe que não deveria ter me deixado. Senão por que
ainda estaria aí, acompanhando fielmente os meus devaneios infames? Apenas
esperando por um sinal que confirme que ainda penso em ti. Procurando
incessantemente por alguma indireta que remeta a um dos momentos que
compartilhamos que possa significar que ainda há esperança para nós. E é aí que
reside a tragédia, que talvez o único sentimento que anda nos mantém juntos: eu
me lembro de tudo.
***
Eu me lembro da primeira vez em que criei coragem de olhar
nos seus olhos. Aqueles olhos que pareciam me seduzir e me decifrar com uma
facilidade assustadora. Capaz de me inspirar a abrir mão das minhas defesas, e
até mesmo dos meus medos, para arriscar segurar a sua mão logo após ter a
felicidade de conseguir fazer você rir. E diante daquele sorriso, aqueles
lábios, não havia mais nada no mundo que me importasse. E eu me lembro que
quando beijei você, eu não queria mais parar.
Você conseguia ser tão envolvente, tão viciante, que me
fazia querer perder o controle. Logo eu, tão metódico e organizado, só
conseguia pensar nas minhas mãos na sua cintura, arrancando a sua roupa e
atirando-a para longe, enquanto meu corpo colava-se ao seu ao som do seu fôlego
se perdendo. E ao passarmos para a horizontal, não havia mais limites nos
impedindo de nos tornarmos um só foco de calor, prazer e êxtase. Cada vez mais
forte, intenso, úmido. Sentindo o toque suave da sua pele em contato com a
minha, enquanto você implorava que eu não parasse por um só segundo, mesmo que
o mundo estivesse acabando lá fora. Nada mais importava, a não ser você e eu,
juntos, movendo-se ao mesmo ritmo e abdicando por completo de qualquer temor ou
indagação. A satisfação da redenção talvez fosse a maior fonte de felicidade
que você já havia conhecido até então.
Você nunca se sentiu tão livre como esteve durante aquelas
noites nos meus lençóis.
***
O problema, minha linda, é que eu também me lembro dos
momentos fora dos lençóis. Me lembro dos planos que você desfez em cima da
hora, e de me deixar sozinho em casa para que pudesse atender a outros eventos
aparentemente mais importantes do que nós. Me recordo com clareza de criar
coragem o suficiente para perguntar quando nos veríamos de novo, só para ser
visualizado, ignorado e abandonado. E eu definitivamente jamais esquecerei do
que me disse quando tentei entender porque você estava me deixando:
- Você poderia ter dito que não gostava de mim.
- Não é que eu não goste de você.
- O que é então?
- ...
Aliás, nunca me esquecerei do que você não disse.
***
Eu gostaria de ser feliz com alguém. Claro que é difícil,
envolve sacrifícios que você nunca pensou que precisaria fazer um dia, além de
muita dedicação, paciência e confiança que devem estar envolvidas o tempo todo.
Mas quando se há sinceridade, companheirismo e afeto, não há nada que nos
impeça de sermos mais um daqueles casais clichês que passeia de mãos dadas no
shopping, depois de visitar algumas lojas de departamentos para pesquisar
preços de jogos de lençóis, e antes de passar no mercado para comprar as coisas
que faltam para fazer um jantarzinho romântico a dois que servirá de prelúdio
para a estréia da cama nova.
E por um tempo, eu pensei que poderia ser a gente. Tínhamos
tudo para conseguir abrir mão do carrossel incessante de frustrações e cansaço
envolvidos em primeiros encontros, segundas intenções e indiretas escritas em
terceira pessoa. Mas você me deixou, amor. Mudou de idéia na metade do caminho
e foi embora, sem nem me dar a cortesia de um motivo ou um adeus. Você, que já
significava mais do que tudo para mim, tornou-se nada. Um contato a mais na minha
agenda e uma decepção a mais no meu coração.
Eu tentei. Queria ser o primeiro a te desejar um bom dia, e
o último a te dar um beijo de boa noite antes de dormir. Queria o êxtase das
noites de sábado, e a preguiça das manhãs de domingo. Queria as mãos dadas no
shopping, e os corpos entrelaçados na cama. Queria pecar pelo excesso, pelo
exagero e pela infâmia, do que pela falta, pelo descaso ou pelo descuido.
Queria que você não tivesse dúvidas de que eu estava mesmo à procura de algo
sério. Desesperado para descer do carrossel, e construir algo contigo que fosse
digno do que nós dois merecemos, e aconchegante o bastante para receber os
amigos para jantar nos finais de semana. E é por saber que eu tentei – e como
eu tentei – que eu não me arrependo dos desabafos, dos devaneios e do desespero
que ainda restam em mim. E, definitivamente, não me arrependo em ser claro e
objetivo em dizer que não quero você de volta. Eu estava aí, coração, entregue
a você. O mundo já sabia que eu era seu. Só você não me viu. Mas nós terminamos
e agora você está aí, roendo as unhas, agoniada na cadeira ao ler isto,
desencantada com a minha frieza.
E, ironicamente, só há uma coisa que você pode fazer agora
para se sentir melhor: me abandone de novo.