Toda a maturidade que eu consiga
alcançar nesta vida talvez jamais compensará pelos mil e um conceitos
distorcidos que eu aprendi antes de saber julgá-los melhor. Não há juízo ou
psicologia que possam me salvar agora – e, acredite, bem que eu gostaria. Se
parece exagero... Bom, primeiramente, a essa altura nenhum devaneio exagerado
meu deveria te surpreender mais; apenas revire os olhos e espere que algum
capítulo mais coerente seja publicado aqui. Mas caso haja surpresa, duas
considerações: 1) que bom que ainda consigo chamar a sua atenção, mas 2) desta
vez a neurose não partiu de mim. É um misto entre os ecos da infância e os revezes
da pós-modernidade. Eu juro!
Tudo bem;
até eu me confundi um pouco, mas isto só prova a minha mais nova teoria sobre a
pós-modernidade. Pra simplificar: tudo começou com um dia frio, em que eu
acordei com uma vontade inocentemente nostálgica e ironicamente simétrica de rever
“A Era do Gelo”.
***
Em uma manhã
dessas, enquanto preparava o café, eu resolvi desencavar da minha coleção de
filmes algo para saciar minha vontade de voltar a ser criança um pouco – porque,
vez por outras, só a minha imaturidade inata não parece ser o bastante. E
depois de re-assistir um filme de desenho, este me deu saudade de outro que,
por acaso, eu também tinha guardado em algum lugar. E foi só depois de algumas
horas de inércia e DVDs animados que eu comecei a enxergar entre eles além de
um padrão entre todos eles, mas uma herança invariavelmente intransferível: tudo
o que eu aprendi nesta vida, eu aprendi assistindo desenhos.
Até aí tudo
bem. Hoje mesmo ainda existem animações feitas especialmente para ajudar as
crianças a desenvolverem suas habilidades motoras e cognitivas. O meu problema,
no entanto, está no risco desses mesmos desenhos dentro do desenvolvimento
emocional delas... Algo que ficou perturbadoramente evidente depois de
re-assistir “Shrek 2” – que, na minha
opinião, ainda é o melhor “Shrek” da
franquia. E caso você não tenha assistido, ou só não se lembre, certamente já
assistiu algo parecido porque o “plot”
não difere muito dos clássicos mais antigos: há um mocinho (o herói), a mocinha
(uma princesa), um vilão, uma série de obstáculos a serem superados e, por
último (mas não menos traumatizante), um final feliz.
Eu me lembro
de assistir o primeiro “Shrek” no
cinema e de toda a repercussão que este causou, desde o ineditismo da figura
considerada como monstruosa reposicionada como o herói da história, até uma
reconstrução de valores com a moral de que aparências não são importantes em se
tratando de histórias de amor. Tudo muito bonito, emocionante e cuidadosamente
articulado em computação gráfica... Mas ainda emoldurado com o legado do final
feliz.
Hoje, na
época considerada como a pós-modernidade, novos conceitos circulam por aí que
entram em conflito direto não só com o que nos foi apresentado antigamente, mas
com quem os recusa fortemente sem nenhum argumento bem estruturado a não ser
por um medo natural de mudanças. A revolução sexual, o movimento feminista, a globalização
e tantos outros mudaram a maneira de enxergar as coisas, as pessoas e toda e
qualquer relação que se estabeleça por aí. E eu acho tudo isso muito bom, até o
detalhe infeliz que permanece sendo empurrado adiante: a cultura do “final feliz”.
E sabe por
que isso me incomoda tanto? Porque é isso que eu ainda espero da vida.
Mas eventualmente
a gente cresce e se depara com as verdades horríveis da vida que os pais tentam
disfarçar dos filhos, por mais que os desenhos animados soltem algumas pistas
em mensagens subliminares. Ou vai dizer que a sua visão de mundo não mudou
depois disso:
***
Os desenhos
animados nos ensinam que apesar dos obstáculos e dos problemas, tudo ficará bem
no final. Além disso, que amor existe para todos e a sua alma-gêmea está mesmo
por aí; você só precisa encontrá-la e num piscar de olhos ambos descobrirão que
pertencem um ao outro. Em contrapartida, a versão adulta dos contos de fadas –
os filmes eróticos – perpetuam a noção de que não só o amor pode surgir nos
lugares mais inesperados (ex: no meio da selva, em uma entrevista de emprego,
ou na casa do seu amigo quando só a mãe dele está), mas que o sexo será
incrível. E o motivo pelo qual estas indústrias ainda conseguem se sustentar é
bem claro: diga o que quiser sobre os valores questionáveis ou os meios de
produção utilizados, mas ambas estão no negócio de vender e reproduzir
esperança.
O mundo
pós-moderno, que por sinal ainda não recebeu um nome melhor porque estudiosos
ainda não o compreendem bem o bastante para tal, talvez seja uma era marcada
não só pelos avanços e descobertas que trouxe, mas pelos conflitos que causou. Mais
especificamente, pela desesperança que propagou. Somos direcionados a vencer a
vida aos vinte e poucos anos, alcançar o sucesso no máximo aos trinta, mantendo
um equilíbrio emocional e profissional ao mesmo tempo em a mensalidade da
academia seja bem aproveitada e a felicidade, por esta lógica, seja compensada
pelo cansaço que tudo isso provoca. Não é a toa que tantos aplicativos são
inventados – para facilitar a experiência humana.
Foram essas
coisas que passaram pela minha cabeça enquanto eu assistia meus desenhos de
infância naquela manhã fria. Eu sou um produto da pós-modernidade, capaz de
raciocinar, questionar, investigar e opinar mais do que meus antepassados foram
capazes durante suas vidas analógicas. Já faz tempo que perdi a minha inocência
diante das coisas e das pessoas que passam por mim. E apesar de tudo isso,
quando o Shrek salvou a princesa mais uma vez, tudo o que eu pude pensar foi: “quando tempo ainda vai levar para o meu
final feliz chegar?”
Houve um
tempo em que eu possuía mais romances do que aplicativos na minha vida. Eu só
não me lembro exatamente quando eu os perdi. A vida não é um conto de fadas.
Heróis e princesas não existem. Mas talvez, na maior das ironias, todos nós
ainda precisemos ser salvos.