quinta-feira, 2 de junho de 2016

Alguém novo?


“Pessoas que precisam de pessoas são as pessoas mais sortudas do mundo”. Assim diz o refrão de uma famosa canção de um musical de 1964, fazendo alusão ao quanto vale mais a pena uma vida compartilhada do que uma solitária. A canção também abusa da repetição do termo “pessoas” exatamente para exaltar que, como se costuma dizer por aí, quanto mais gente envolvida na nossa vida, melhor. Só não entenda errado: nada tem a ver com a quantidade de seguidores que você tem em alguma rede social, mas com o amor que há em comum. Seja por um curso de faculdade, ou um passatempo em particular, ou simplesmente o amor que vocês tem entre si. Quando eu comento, divago, questiono e sinto falta de relacionamentos, mais vezes do que outras estou falando daqueles que não necessariamente envolvem andar de mãos dadas no shopping. Falo de amizades; coisa que eu nunca saberei explicar ao certo como já fui capaz de criar e de manter ao longo dos anos.

Há quem tenha o dom natural de se enturmar em um grupo de pessoas que nunca viu antes, apresentando-se e perguntando logo em seguida qual é o seu nome, idade e se, por acaso, não quer sair dessa carteira ao fundo da sala para sentar mais pra frente. E há algo de fantástico nessas pessoas, capazes de algo que parece simplesmente impossível para quem é tímido demais para dizer qualquer coisa em voz alta em uma sala cheia de desconhecidos: estender uma mão, puxar um assunto, descobrir alguém novo. Digo por isso por experiência própria, porque eu sempre fui do tipo que fica sentado ao fundo da sala tentando me disfarçar – fingindo ler um livro ou escutando música com fones de ouvido. Observando todas as outras pessoas se conhecerem, se combinarem, se refazerem. Como elas conseguem?!

Eu admito que em parte é o clássico medo do novo que me mantém paralisado no meu lugar. Incapaz de imaginar uma primeira conversa, atravessando todo o constrangimento inicial e questionário básico até finalmente encontrar algo familiar o bastante em alguém estrangeiro que pare de fazer com que eu me sinta ansioso. Relacionamentos amorosos tem como via de regra trazer a tona as inseguranças do tipo “tomara que dê certo dessa vez”, ainda com uma esperança resguardada de que mesmo que não seja, haverá outras oportunidades. A diferença em se tratando de amizades é que começá-las parece ser ainda mais complexo. Como uma amizade começa?

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Quando somos crianças, amizades parecem ser mais espontâneas do que reais. Começam porque somos da mesma série, do mesmo tamanho, temos a mesma idade e gostamos dos mesmos brinquedos. E a medida em que continuamos na mesma sala de aula, sentando um ao lado do outro, a amizade vai se alongando. O problema é que às vezes alguém pode ser mudado de sala, ou simplesmente partir. Ou então, quando as aulas acabam e não há nada concreto que nos motive a estar juntos. Se quisermos nos reunir para brincar, terá que ser porque queremos. Porque sentimos falta um do outro. Porque brincar sozinho é chato. É triste. E a criança que não era convidada para brincar com os outros colegas de sala, é a mesma que chega na faculdade e não sabe como se enturmar com os outros. Por isso procura um lugar ao fundo da sala, e luta contra a própria ansiedade para disfarçar está tudo bem, mas sente alarmes dispararem dentro de si quando alguém se aproxima.

“Será que é alguém que quer me conhecer?! Que vai me perguntar alguma coisa com a qual eu possa ajudar? Eu quero fazer amigos ,só não sei como! Puxe um assunto, qualquer assunto! Vamos combinar de fazer alguma coisa e... Ah, aquele “oi” era para a pessoa sentada atrás de mim. Que pessoal animado. Deve ser legal isso. Fazer parte disso. Mas tudo bem...”

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Para mim, começa quando eu finalmente paro de brigar comigo mesmo e abandono a noção de que precisar de outras pessoas é alguma espécie de “derrota”. Depois de morar sozinho por anos, meu senso de independência se tornou mais distorcido do que poderia – ao ponto de acreditar que outras pessoas que não o faziam simplesmente não eram capazes de viver por conta própria. Ironicamente, estas mesmas pessoas pareciam estar sempre acompanhadas. E grande parte do tempo que morei sozinho, eu realmente estive sozinho. Até o dia em que eu arrisquei sentir-me vulnerável e abri a porta para que alguém entrasse na minha vida de novo. Temendo, como uma criança, que quem se aproximasse de mim não gostasse do que iria encontrar e fosse embora, me deixando sozinho de novo. E entre o nervosismo, a ansiedade, a aparente falta de interesse e a cara de bravo que você acha que eu tenho, a gente não se conhece, não se fala, e jamais descobre que tínhamos mais em comum do que o pessoal que você já conheceu.

Eu não sei como conhecer pessoas ou manter amizades. Independente da complicação habitual de relacionamentos e os comprometimentos, mal-entendidos e desgastes que causam, eu não sou alguém fácil de se lidar. Tenho um ego do tamanho do mundo e um orgulho igualmente inchado que o acompanha. Acredito estar sempre certo e aposto fortemente em blefes quando não tenho certeza sobre algo. Sou preguiçoso, neurótico, exagerado, dou risada das coisas mais idiotas possíveis e choro por algo que aconteceu há anos e que me deixou quebrado até hoje. E há quem nunca fique sabendo disso, porque a cara parece ser de bravo, a postura parece ser de alguém chato, e eu nunca, absolutamente nunca, irei admitir uma derrota pessoal dessas para alguém que pode acarretar à fragilidade da minha auto-confiança. Fragilidade porque, “infelizmente”, eu preciso sim de outras pessoas. Sortudas mesmo são as pessoas que aceitam que precisam de outras pessoas. Amores e amizades, embora sigam vertentes diferentes de relacionamentos, nascem da mesma fonte: a humildade.

Mas eu acho que ando progredindo um pouco, porque depois de mais de cem posts e desabafos sobre medo e insegurança, eu finalmente alcancei o melhor porto-seguro possível: uma mesa cheia de amigos em um bar onde o dono já nos conhece. E a minha timidez parece ter sido perdida há várias rodadas atrás, porque só o que eu sei fazer agora é convidar mais gente para participar. Me sinto até outra pessoa!

Uau. Sou alguém novo. Quem diria...