“Pessoas que
precisam de pessoas são
as pessoas mais sortudas do mundo”. Assim diz o refrão de uma famosa canção de um
musical de 1964, fazendo alusão ao quanto vale mais a pena uma vida
compartilhada do que uma solitária. A canção também abusa da repetição do termo
“pessoas” exatamente para exaltar
que, como se costuma dizer por aí, quanto mais gente envolvida na nossa vida,
melhor. Só não entenda errado: nada tem a ver com a quantidade de seguidores
que você tem em alguma rede social, mas com o amor que há em comum. Seja por um
curso de faculdade, ou um passatempo em particular, ou simplesmente o amor que
vocês tem entre si. Quando eu comento, divago, questiono e sinto falta de
relacionamentos, mais vezes do que outras estou falando daqueles que não
necessariamente envolvem andar de mãos dadas no shopping. Falo de amizades;
coisa que eu nunca saberei explicar ao certo como já fui capaz de criar e de
manter ao longo dos anos.
Há quem
tenha o dom natural de se enturmar em um grupo de pessoas que nunca viu antes,
apresentando-se e perguntando logo em seguida qual é o seu nome, idade e se,
por acaso, não quer sair dessa carteira ao fundo da sala para sentar mais pra
frente. E há algo de fantástico nessas pessoas, capazes de algo que parece
simplesmente impossível para quem é tímido demais para dizer qualquer coisa em
voz alta em uma sala cheia de desconhecidos: estender uma mão, puxar um
assunto, descobrir alguém novo. Digo por isso por experiência própria, porque
eu sempre fui do tipo que fica sentado ao fundo da sala tentando me disfarçar –
fingindo ler um livro ou escutando música com fones de ouvido. Observando todas
as outras pessoas se conhecerem, se combinarem, se refazerem. Como elas
conseguem?!
Eu admito
que em parte é o clássico medo do novo que me mantém paralisado no meu lugar.
Incapaz de imaginar uma primeira conversa, atravessando todo o constrangimento
inicial e questionário básico até finalmente encontrar algo familiar o bastante
em alguém estrangeiro que pare de fazer com que eu me sinta ansioso.
Relacionamentos amorosos tem como via de regra trazer a tona as inseguranças do
tipo “tomara que dê certo dessa vez”,
ainda com uma esperança resguardada de que mesmo que não seja, haverá outras
oportunidades. A diferença em se tratando de amizades é que começá-las parece
ser ainda mais complexo. Como uma amizade começa?
***
Quando somos
crianças, amizades parecem ser mais espontâneas do que reais. Começam porque
somos da mesma série, do mesmo tamanho, temos a mesma idade e gostamos dos
mesmos brinquedos. E a medida em que continuamos na mesma sala de aula,
sentando um ao lado do outro, a amizade vai se alongando. O problema é que às
vezes alguém pode ser mudado de sala, ou simplesmente partir. Ou então, quando
as aulas acabam e não há nada concreto que nos motive a estar juntos. Se
quisermos nos reunir para brincar, terá que ser porque queremos. Porque
sentimos falta um do outro. Porque brincar sozinho é chato. É triste. E a
criança que não era convidada para brincar com os outros colegas de sala, é a
mesma que chega na faculdade e não sabe como se enturmar com os outros. Por
isso procura um lugar ao fundo da sala, e luta contra a própria ansiedade para
disfarçar está tudo bem, mas sente alarmes dispararem dentro de si quando
alguém se aproxima.
“Será que é alguém que quer me conhecer?! Que
vai me perguntar alguma coisa com a qual eu possa ajudar? Eu quero fazer amigos
,só não sei como! Puxe um assunto, qualquer assunto! Vamos combinar de fazer
alguma coisa e... Ah, aquele “oi” era para a pessoa sentada atrás de mim. Que
pessoal animado. Deve ser legal isso. Fazer parte disso. Mas tudo bem...”
***
Para mim,
começa quando eu finalmente paro de brigar comigo mesmo e abandono a noção de
que precisar de outras pessoas é alguma espécie de “derrota”. Depois de morar sozinho por anos, meu senso de
independência se tornou mais distorcido do que poderia – ao ponto de acreditar
que outras pessoas que não o faziam simplesmente não eram capazes de viver por
conta própria. Ironicamente, estas mesmas pessoas pareciam estar sempre
acompanhadas. E grande parte do tempo que morei sozinho, eu realmente estive
sozinho. Até o dia em que eu arrisquei sentir-me vulnerável e abri a porta para
que alguém entrasse na minha vida de novo. Temendo, como uma criança, que quem
se aproximasse de mim não gostasse do que iria encontrar e fosse embora, me
deixando sozinho de novo. E entre o nervosismo, a ansiedade, a aparente falta
de interesse e a cara de bravo que você acha que eu tenho, a gente não se
conhece, não se fala, e jamais descobre que tínhamos mais em comum do que o
pessoal que você já conheceu.
Eu não sei
como conhecer pessoas ou manter amizades. Independente da complicação habitual
de relacionamentos e os comprometimentos, mal-entendidos e desgastes que
causam, eu não sou alguém fácil de se lidar. Tenho um ego do tamanho do mundo e
um orgulho igualmente inchado que o acompanha. Acredito estar sempre certo e
aposto fortemente em blefes quando não tenho certeza sobre algo. Sou
preguiçoso, neurótico, exagerado, dou risada das coisas mais idiotas possíveis
e choro por algo que aconteceu há anos e que me deixou quebrado até hoje. E há
quem nunca fique sabendo disso, porque a cara parece ser de bravo, a postura
parece ser de alguém chato, e eu nunca, absolutamente nunca, irei admitir uma
derrota pessoal dessas para alguém que pode acarretar à fragilidade da minha
auto-confiança. Fragilidade porque, “infelizmente”,
eu preciso sim de outras pessoas. Sortudas mesmo são as pessoas que aceitam que
precisam de outras pessoas. Amores e amizades, embora sigam vertentes
diferentes de relacionamentos, nascem da mesma fonte: a humildade.
Mas eu acho
que ando progredindo um pouco, porque depois de mais de cem posts e desabafos
sobre medo e insegurança, eu finalmente alcancei o melhor porto-seguro
possível: uma mesa cheia de amigos em um bar onde o dono já nos conhece. E a
minha timidez parece ter sido perdida há várias rodadas atrás, porque só o que
eu sei fazer agora é convidar mais gente para participar. Me sinto até outra
pessoa!
Uau. Sou
alguém novo. Quem diria...