Houve um
tempo em que o flerte costumava ser artístico. Algo respeitoso, singelo,
carinhoso. Um começo poético e inocente para se contar às crianças, anos
depois, quando estas perguntassem como os pais se conheceram. Mas os tempos
mudaram desde o fim da Renascença e a ascensão da Revolução Sexual, e alguns
valores foram perdidos entre uma mudança e outra. Outros foram realocados, mas
nunca mais soaram como outrora. E digo isso com pesada poesia porque,
ultimamente, não há mais nada de romântico em flertes. E se, hipoteticamente,
meus filhos inquietos insistirem em saber como eu conheci a mãe deles, é melhor
ter uma história melhor para contar do que, digamos, algo do tipo: “Papai encontrou Mamãe no Tinder. Mas ela não
era muito de puxar papo...”
Há quem diga
que relacionamentos são jogos de poder. E ao contrário do que já acreditei um
dia, isto me parece bem mais plausível agora. A única coisa que ainda não
consigo compreender ao certo são as regras. Se é que elas existem. Mas se
relacionamentos estiverem mesmo baseados em jogos, ganha aquele que,
discretamente, jamais demonstrar que está jogando. Achou confuso? É bem mais
simples na prática.
Situação #1: O Amor Da Sua Vida (até então)
posta uma nova foto no Facebook. Enquanto
você está viajando aleatoriamente em sua linha do tempo, encontra a foto dela –
linda, perfeita, incrível e, surpreendentemente, ainda intocada por todos os
seus outros fãs. Atualizada há cerca de cinco minutos, próxima de você, ainda
não há “curtidas” para esta foto.
Você:
a) Decide
ser o primeiro a “curtir”,
inocentemente.
b) Decide
esperar para que outra pessoa seja a primeira a “curtir”, já que ela obviamente sabe que você gosta dela e “curtir” imediatamente sua foto demonstraria
certo desespero da sua parte.
c) Deixa a
foto passar batido por você e volta ao que estava fazendo – mesmo que não
estivesse fazendo nada. Aliás, decide até arrumar o que fazer.
d) Salva a
foto em uma pasta obscura do seu disco rígido (provavelmente nomeada apenas
como “Nova Pasta” para evitar
suspeitas) e opta por fazer da foto do Amor Da Sua Vida o seu novo papel de
parede do Desktop. Caso a foto não fique muito distorcida, providencia um
pen-drive para levar a foto a uma gráfica para encomendar uma dúzia de
camisetas com a foto dela para usar quando encontrá-la “acidentalmente” ao
rondar a casa dela até o momento em que ela precise sair para sua aula de
pilates toda terça-feira às quatro e quinze da tarde.
Particularmente,
eu não vivo à mercê das minhas inseguranças. Pelo menos não o tempo todo. Mas
já vivi algumas situações interessantes em que algo deste tipo demonstrou um
interesse exacerbado da minha parte perante alguém – assim como já descobri
interesses alheios em mim através de uma cuidadosa análise estatística de “curtidas” e comentários em minhas
postagens mais recentes, voltando até os primórdios de 2011 onde a última moda
em flertes resumia-se em “cutucar”
alguém. E eu acho engraçado o quanto isto parece bobagem quando tento estipular
uma espécie de fundamentação teórica acerca das técnicas e jogos de sedução da
contemporaneidade, quando a verdade é única e atemporal: não existem jogos, nem
artimanhas, nem esquemas, nem estatísticas, nem nada em se tratando de
relacionamentos que indiquem quem está mais afim de quem ou algo parecido.
Nenhum de
nós sabe o que está fazendo. E se achar que sabe, está blefando.
Mas nós
insistimos com os joguinhos, os olhares, as conversas ensaiadas no espelho
antes de encontrar o Amor Da Sua Vida no corredor da faculdade, porque a
sensação de poder é o mais próximo que temos de nos sentirmos seguros sobre nós
mesmos. Porque demonstrar interesse em alguém é e talvez sempre será o momento
mais vulnerável que podemos vivenciar. Como andar na corda bamba sem uma rede
de proteção lá embaixo, precisamente posicionada para nos reconfortar caso a
recíproca nunca chegue e sejamos forçados a pular para evitar o discurso do “vejo-você-só-como-um-amigo”.
Os
constrangimentos também adquiriram sua versão online: é só tirar o “visualizado por último” do WhatsApp e tomar cuidado para não ligar
para a pessoa sem querer enquanto estiver babando na foto ampliada do perfil
dela. Ah, a humanidade.