segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O modo aleatório


Eu queria ser uma pessoa melhor. Até aí talvez seja um sonho que todos nós temos em comum, mas veja bem: mesmo nos dias menos bem sucedidos em que eu sei que não dei o meu melhor, ofendi alguém aqui e ali, perdi a paciência mais vezes do que prometi que faria (pelo menos em Janeiro), ou até quando não me infantilizo por completo e exijo que o universo me faça o favor de se responsabilizar por não dar um jeito de apagar os erros que eu fiz, eu ainda consigo dormir tranquilamente à noite. Bom, exceto pelo calor, claro. Talvez Foz do Iguaçu seja mesmo abençoada por seu complexo turístico, mas seu ecossistema tropical impiedoso seja o preço que a gente paga por morar tão perto de uma das maravilhas do mundo. Enfim, o que eu estava dizendo? Ah, sim. Eu queria ser uma pessoa melhor, mas só nas questões mais introspectivas mesmo. Deve haver uma linha tênue entre a criatividade e o egocentrismo cuja qual eu provavelmente cruzo mais vezes do que deveria a cada vez que me ponho a decifrar os mistérios e incertezas da vida ao meu redor a medida em que pequenas ironias do dia a dia surgem no meu caminho. E eu sei que existe muita coisa errada por aí – a criminalidade, o buraco na camada de ozônio, a crise econômica mundial – e é por isso que eu sinceramente penso em ser uma pessoa melhor. Mas só no quesito de ter pensamentos introspectivos e linhas de raciocínio mais curtas. Porque o que eu quero dizer não começou com nenhuma grande crise mundial.

Começou com o meu iPod que estragou. Acredita nisso?!

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Já vai para sete anos que comprei um iPod semi-novo que até hoje nunca soube aproveitar bem todas as funções que ele dispõe. Mas isso não me impediu de cometer os erros que todo mundo comete ao ser imprudente com aparelhos eletrônicos. Como acreditar fielmente que nada vai acontecer com ele apesar de todas vezes em que peguei chuva com ele no bolso, ou sempre que o derrubo no chão sem querer, ou desconto meus problemas pessoais no seu teclado touch e pouco a pouco vou desgastando a funcionalidade (e talvez até a paciência) seu microchip. Mas apear de mim, ele durou por anos mesmo com uma mancha preta na tela (resultado daquela vez em que o derrubei no chão da academia) e desgaste do botão para mudar de música - porque apesar de serem as minhas playlists pessoais, parece que no mundo lá fora nenhuma trilha se encaixa. E vou até deixar passar essa pequena metáfora sobre a condição humana referente a insegurança em padrões culturais ditatoriais , porque eu juro que pensei em algo maior do que isso. Bom, “maior” com base nos padrões que já estabeleci aqui. Talvez não irá mudar a sua vida mas se você leu até aqui, houve um momento em que eu já o fiz e ganhei parte da sua confiança no que compartilho aqui. Porque apesar de não parecer, eu me preocupo com o mundo ao meu redor e o meu impacto sobre ele...

Só que dessa vez fiquei mais preocupado com a tela do iPod que simplesmente ficou branca. Acredita nisso?!

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É sempre decepcionante quando algo no seu dia dá errado. Claro que existem níveis extremamente diferentes nessa pirâmide, e até agora eu não escrevi sobre nada realmente grave que te convença de que isso é um problema sério – porque, bom, não é. Mas você há de concordar comigo que tem dias que você só vence a maratona de sair cedo de casa para ir trabalhar, sem esquecer dos compromissos paralelos que você precisa dar conta ainda em horário comercial – a consulta no dentista, a mensalidade da faculdade, as sete ligações não atendidas da sua mãe que está no centro e que te avisou que só ia te dar um toque para você retornar pra ela porque quem está interessado em ter aquele boleto pago é você e ela só fez o favor de ir ao banco pra pagar, já que você é um irresponsável que deixou ele vencer e agora a lotérica não aceita mais... Enfim, tem dias que você só passa por tudo isso sem ser preso por homicídio culposo com uma trilha sonora para te acordar pela manhã e para te acalmar quando volta para casa.

Quando a tela do iPod desistiu de mim, um único pensamento me veio em mente: “que saco agora ter que ir pra lá e pra cá sem ouvir música”. Até eu decidir tentar sair com meus fones de ouvido mesmo assim, porque mesmo sem a tela ele ainda estava funcionando; eu só não podia mais escolher o que queria ouvir. Ainda era possível usar o teclado até a opção “modo aleatório” e deixar que ele tocasse o que seu microchip bem entendesse. E foi aí que eu entendi...

A vida é aleatória. A gente tem a mania incessante de fazer planos e circular datas no calendário, e de achar que quando algo sai como planejado é porque “ainda bem que sou uma pessoa organizada.” Talvez você seja, mas é mais fácil estar incluso nas margens de erro do que nas metas projetadas quando o assunto é vida. Pessoas vem e vão, oportunidades falham, sonhos mudam e coisas quebram. E isso é só uma noção básica sobre o mundo ao meu redor, porque se entrar em todos os detalhes minuciosos, nenhum de nós jamais dormiria de novo. Pode parecer errado, mas sobrevivência às vezes depende de um pouco de egoísmo. Neste caso, de supervalorizar os próprios problemas em comparação com os dos outros. O que faz de nós “pessoas melhores” invariavelmente é nunca se esquecer de que existe um contexto muito maior do que nós e as músicas que ficamos esperando que toque no caminho de volta para casa, para fechar um dia difícil com um pouco de louvor.

Nem sempre a gente se lembra de que a vida mesmo toca a música que ela quiser. Ou você dança conforme o ritmo, ou ponto final. Quanto a isso não há alternativa ou assistência técnica que resolva. Mudanças são inevitáveis, mas parecem mais fáceis de serem aceitas quando a iniciativa parte da gente. Quando trocar de música nos é permitido, mas geralmente não é. E é aí que nascem as frustrações, o estresse e as crises existenciais. A vida nunca será do jeito que você quer que ela seja. Quanto mais cedo você parar de acreditar que poderá ser, ficará bem mais fácil se adaptar a outros ritmos.

Acredite nisso.