Eu queria ser uma pessoa
melhor. Até aí talvez seja um sonho que todos nós temos em comum, mas veja bem:
mesmo nos dias menos bem sucedidos em que eu sei que não dei o meu melhor,
ofendi alguém aqui e ali, perdi a paciência mais vezes do que prometi que faria
(pelo menos em Janeiro), ou até quando não me infantilizo por completo e exijo
que o universo me faça o favor de se responsabilizar por não dar um jeito de
apagar os erros que eu fiz, eu ainda consigo dormir tranquilamente à noite.
Bom, exceto pelo calor, claro. Talvez Foz do Iguaçu seja mesmo abençoada por
seu complexo turístico, mas seu ecossistema tropical impiedoso seja o preço que
a gente paga por morar tão perto de uma das maravilhas do mundo. Enfim, o que
eu estava dizendo? Ah, sim. Eu queria ser uma pessoa melhor, mas só nas
questões mais introspectivas mesmo. Deve haver uma linha tênue entre a
criatividade e o egocentrismo cuja qual eu provavelmente cruzo mais vezes do
que deveria a cada vez que me ponho a decifrar os mistérios e incertezas da
vida ao meu redor a medida em que pequenas ironias do dia a dia surgem no meu
caminho. E eu sei que existe muita coisa errada por aí – a criminalidade, o
buraco na camada de ozônio, a crise econômica mundial – e é por isso que eu
sinceramente penso em ser uma pessoa melhor. Mas só no quesito de ter
pensamentos introspectivos e linhas de raciocínio mais curtas. Porque o que eu
quero dizer não começou com nenhuma grande crise mundial.
Começou com o
meu iPod que estragou. Acredita nisso?!
***
Já vai para
sete anos que comprei um iPod semi-novo que até hoje nunca soube aproveitar bem
todas as funções que ele dispõe. Mas isso não me impediu de cometer os erros
que todo mundo comete ao ser imprudente com aparelhos eletrônicos. Como
acreditar fielmente que nada vai acontecer com ele apesar de todas vezes em que
peguei chuva com ele no bolso, ou sempre que o derrubo no chão sem querer, ou
desconto meus problemas pessoais no seu teclado touch e pouco a pouco vou
desgastando a funcionalidade (e talvez até a paciência) seu microchip. Mas
apear de mim, ele durou por anos mesmo com uma mancha preta na tela (resultado
daquela vez em que o derrubei no chão da academia) e desgaste do botão para
mudar de música - porque apesar de serem as minhas playlists pessoais, parece que no mundo lá fora nenhuma trilha se
encaixa. E vou até deixar passar essa pequena metáfora sobre a condição humana
referente a insegurança em padrões culturais ditatoriais , porque eu juro que
pensei em algo maior do que isso. Bom, “maior”
com base nos padrões que já estabeleci aqui. Talvez não irá mudar a sua vida
mas se você leu até aqui, houve um momento em que eu já o fiz e ganhei parte da
sua confiança no que compartilho aqui. Porque apesar de não parecer, eu me
preocupo com o mundo ao meu redor e o meu impacto sobre ele...
Só que dessa
vez fiquei mais preocupado com a tela do iPod que simplesmente ficou branca.
Acredita nisso?!
***
É sempre
decepcionante quando algo no seu dia dá errado. Claro que existem níveis
extremamente diferentes nessa pirâmide, e até agora eu não escrevi sobre nada
realmente grave que te convença de que isso é um problema sério – porque, bom,
não é. Mas você há de concordar comigo que tem dias que você só vence a
maratona de sair cedo de casa para ir trabalhar, sem esquecer dos compromissos
paralelos que você precisa dar conta ainda em horário comercial – a consulta no
dentista, a mensalidade da faculdade, as sete ligações não atendidas da sua mãe
que está no centro e que te avisou que só ia te dar um toque para você retornar
pra ela porque quem está interessado em ter aquele boleto pago é você e ela só
fez o favor de ir ao banco pra pagar, já que você é um irresponsável que deixou
ele vencer e agora a lotérica não aceita mais... Enfim, tem dias que você só
passa por tudo isso sem ser preso por homicídio culposo com uma trilha sonora
para te acordar pela manhã e para te acalmar quando volta para casa.
Quando a
tela do iPod desistiu de mim, um único pensamento me veio em mente: “que saco agora ter que ir pra lá e pra cá
sem ouvir música”. Até eu decidir tentar sair com meus fones de ouvido
mesmo assim, porque mesmo sem a tela ele ainda estava funcionando; eu só não
podia mais escolher o que queria ouvir. Ainda era possível usar o teclado até a
opção “modo aleatório” e deixar que
ele tocasse o que seu microchip bem entendesse. E foi aí que eu entendi...
A vida é
aleatória. A gente tem a mania incessante de fazer planos e circular datas no
calendário, e de achar que quando algo sai como planejado é porque “ainda bem que sou uma pessoa organizada.”
Talvez você seja, mas é mais fácil estar incluso nas margens de erro do que nas
metas projetadas quando o assunto é vida. Pessoas vem e vão, oportunidades
falham, sonhos mudam e coisas quebram. E isso é só uma noção básica sobre o
mundo ao meu redor, porque se entrar em todos os detalhes minuciosos, nenhum de
nós jamais dormiria de novo. Pode parecer errado, mas sobrevivência às vezes
depende de um pouco de egoísmo. Neste caso, de supervalorizar os próprios
problemas em comparação com os dos outros. O que faz de nós “pessoas melhores” invariavelmente é
nunca se esquecer de que existe um contexto muito maior do que nós e as músicas
que ficamos esperando que toque no caminho de volta para casa, para fechar um
dia difícil com um pouco de louvor.
Nem sempre a
gente se lembra de que a vida mesmo toca a música que ela quiser. Ou você dança
conforme o ritmo, ou ponto final. Quanto a isso não há alternativa ou
assistência técnica que resolva. Mudanças são inevitáveis, mas parecem mais
fáceis de serem aceitas quando a iniciativa parte da gente. Quando trocar de
música nos é permitido, mas geralmente não é. E é aí que nascem as frustrações,
o estresse e as crises existenciais. A vida nunca será do jeito que você quer
que ela seja. Quanto mais cedo você parar de acreditar que poderá ser, ficará
bem mais fácil se adaptar a outros ritmos.
Acredite
nisso.